10 de outubro de 2025
Piracicaba e a forca: memórias locais no Dia Contra a Pena de Morte
Série ‘Achados do Arquivo’ resgata o registro da forca na cidade, que existia em meados do Século 19, na data em que o mundo condena a sentença fatal como ato de justiça
No dia 10 de outubro, quando o mundo reflete sobre o Dia Mundial Contra a Pena de Morte, a história de Piracicaba revela um passado que ainda ecoa em discussões sobre justiça e humanidade. Documentos preservados no acervo histórico da Câmara Municipal mostram que, em meados do Século 19, a cidade possuía uma forca destinada à execução de pessoas, sobretudo escravizadas. Essa informação, registrada no Livro de Atas nº 6, de 1843, evidencia a pena capital como instrumento de poder e repressão no interior paulista, em um período em que a escravidão moldava as relações sociais e jurídicas do país.
Nesta semana, a série Achados do Arquivo resgata o registro da forca que existia da cidade durante meados do Século 19, na data em que o mundo condena a sentença fatal – e repleta de arbitrariedade – como ato de justiça.
À época, o Código Criminal do Império do Brasil previa o enforcamento como forma de punição para escravizados condenados por determinados crimes. A existência de uma forca em Piracicaba reflete o funcionamento desse sistema, que fazia da morte um mecanismo de controle e de exemplo público. Mais do que uma decisão jurídica, tratava-se de uma expressão institucional de domínio: o Estado e os senhores exerciam o poder de dispor da vida de quem era considerado propriedade ou cidadão de segunda categoria.
A lembrança desse período revela o caráter profundamente excludente e desigual das práticas de punição que marcaram o Brasil oitocentista. Em Piracicaba, como em outras localidades, a pena de morte se consolidava como parte da estrutura escravocrata, voltada principalmente contra os mais vulneráveis. As execuções, realizadas sob a justificativa da lei, representavam o ponto extremo de um sistema que negava humanidade e direitos básicos a uma parcela significativa da população.
O Dia Mundial Contra a Pena de Morte propõe justamente uma reflexão sobre essa herança. Instituído em 2003 pela World Coalition Against the Death Penalty, o movimento internacional defende a abolição total dessa prática e a adoção de moratórias em todos os países que ainda a mantêm. A data busca chamar atenção para as falhas irreversíveis de um sistema que concede ao Estado o poder de tirar vidas, frequentemente marcado por erros judiciais, discriminação racial e desigualdade social.
Nos debates atuais, a pena capital continua a ser questionada por organismos internacionais e entidades de direitos humanos. Argumentos em defesa de sua eficácia como instrumento de dissuasão criminal não encontram respaldo empírico, e os casos de inocentes executados reforçam a fragilidade de um modelo que não admite reparação. Em muitos países, as sentenças de morte ainda recaem sobre grupos marginalizados, repetindo padrões de injustiça semelhantes aos que marcaram o passado colonial e escravocrata.
Em Piracicaba, a existência de uma forca nos arquivos históricos permanece como símbolo concreto de um tempo em que a pena de morte era aplicada de maneira seletiva e brutal. Essa memória, preservada nos documentos públicos, deve ser vista como advertência sobre os riscos de legitimar o poder de matar em nome da lei. A história local, ao revelar a prática do enforcamento como política de Estado, ajuda a compreender a importância de reafirmar o valor absoluto da vida e o compromisso contínuo com os direitos humanos.
A data de 10 de outubro, portanto, ultrapassa o simbolismo das campanhas internacionais e ganha dimensão histórica ao ser confrontada com experiências concretas como a de Piracicaba. O passado da cidade mostra que a pena de morte, longe de representar justiça, serviu como instrumento de submissão e violência institucional. Recordar esse episódio é reconhecer o quanto o exercício desse poder extremo compromete a essência do que se entende por humanidade e por civilização.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.
Supervisão: Rodrigo Alves - MTB 42.583
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