27 de janeiro de 2023
Piracicaba teve forca para punir escravos em meados de 1800
Ata de 1853 é disponibilizada na série Achados do Arquivo
Prática comum no Brasil Império, período da história entre os anos de 1822 e 1889, os escravos condenados com pena de morte eram executados com o uso da forca, conforme previsto no Código Criminal. Em Piracicaba, o emprego dessa punição foi discutido na Câmara Municipal em 1843. É o que consta no Livro de Atas nº 6, que integra o acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara.
A versão original da ata está preservada no acervo da Câmara e pode ser acessada na versão em PDF no site oficial. Ela data de 19 de junho de 1843, quando ocorreu a sua leitura pela Casa Legislativa. A construção foi solicitada objetivando a execução e uma sentença de morte contra o escravo do comendador João Manoel da Silva.
O mesmo assunto retornou à pauta em 23 de junho daquele ano. Desta vez, a questão era o local para instalação da forca. A Câmara deliberou que poderia ser adiante da ponte do rio Itapeva, à direita, ao lado da rua Santa Cruz. O fiscal da época ficou encarregado de limpar todo o terreno e preparar a feitura da forca. Há, ainda, a menção de que deveria ser feito “com toda a brevidade para a solenidade do ato...”
Em 4 de agosto de 1843, o vereador Domingos José Lopes Roiz indica que o fiscal deveria gramar o Pátio da Forca, com grama larga, e que a escada ––possivelmente de madeira, e removível–– deveria ser guardada na cadeia para não apodrecer.
Segundo citações encontradas nos documentos da Câmara, a forca localizava-se entre as ruas Moraes Barros e XV de Novembro, possivelmente em cruzamento com a rua Santa Cruz. Embora a existência do dispositivo de tortura seja atestada de forma documental, não há material que informe se sua utilização ocorreu e não é possível saber se houve a aplicação da sentença (no caso, a execução do escravo), já que não há nada mencionando a questão nas anotações das sessões seguintes da Câmara.
“Nos documentos históricos da Câmara Municipal de Piracicaba, o tempo passa muito rápido aos olhos de quem lê, diferente de quem presenciou pessoalmente a história. E é apenas em 1853, ou seja, dez anos depois, que se encontra uma nova citação viável e interessante sobre a forca”, explica o estagiário de história Gabriel Tenório Venâncio, que fez o levantamento auxiliado por Giovanna Fenili Calabri, arquivista e Chefe do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo.
Segundo Venâncio, o documento é da sessão de 20 de julho de 1853, quando o vereador Francisco Ferraz de Carvalho cita que a forca deveria ser demolida e as madeiras guardadas. Já na ata da sessão de 25 de outubro de 1853 há o registro de que a forca foi incendiada por um homem chamado Daniel de Oliveira Franco.
A transcrição livre da ata de 25 de outubro menciona: “foi lido um ofício do fiscal comunicando que não lhe foi possível por inconvenientes apresentar seu relatório, o que faria amanhã, e que a forca desta Vila deitaram a baixo e incendiaram-na constando ser autor deste atentado Daniel de Oliveira Franco, e que a este respeito já requereu a autoridade competente para proceder o auto de corpo de delito: posto em discussão e estando o Fiscal presente a Câmara deliberou que o mesmo continuasse o processo”.
PELOURINHO – No segundo volume do livro “História de Piracicaba em Quadrinhos”, Leandro Guerrini traz a informação que a cidade contou, entre os anos de 1822 e 1834, com um outro instrumento de tortura, à época considerado “emblema da justiça popular” (nas palavras do próprio autor). Trata-se do pelourinho, uma grossa viga, com argolas, correntes ou cordas e que era usado para castigar escravos ou criminosos relapsos.
O pelourinho foi levantado na praça principal, hoje praça José Bonifácio, possivelmente entre o Marco da Bandeira e o Monumento ao Soldado de 32. No seu entorno ficavam a Casa da Câmara e a Cadeia.
“As leis da época exigiam esse aparelho de tortura, quando uma freguesia fosse elevada à condição de vila, isto é, adquirisse autonomia administrativa”, relata Guerrini, na obra.
CONTEXTO NACIONAL – A punição com pena de morte de escravos e escravas no Brasil é regulamentada pelo imperador Dom Pedro II na lei 4, de 10 de junho de 1835. Ela dizia, em seu artigo primeiro, que a punição deveria ser aplicada aos que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem outra qualquer grave “offensa physica” a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes, que em sua companhia morarem, a administrador, feitor e ás suas mulheres, que com “eles” viverem.
Segundo dados do Senado Federal, a lei levou, nas duas décadas seguintes, centenas de escravos rebeldes à forca. Em 1854, dom Pedro II decidiu que todo escravo condenado à punição capital ganharia o direito de apelar à clemência imperial, pedindo o perdão ou pelo menos a comutação da pena, assim como já ocorria com os brancos.
A última condenação por forca no país teria sido aplicada em 28 de abril de 1876, no escravo Francisco, condenado por matar a pauladas e punhaladas um dos homens mais respeitados na província de Pilar, em Alagoas, e sua mulher.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. Ela foi criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, e conta com publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Câmara Municipal de Piracicaba.
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