26 de setembro de 2025
Memórias de um arquivo e o diálogo atemporal entre o hoje e o outrora
Série ‘Achados do Arquivo’ inicia nesta semana resgate mensal de textos do professor Guilherme Vitti, patrono do setor de documentação da Câmara
O ano de 1975 foi determinante e fundamental para a preservação da História da Câmara Municipal e de Piracicaba. Três anos após completar 150 anos, o Legislativo piracicabano estava prestes a inaugurar sua sede própria, e nos preparativos para a mudança, já no período de finalização da obra, o então presidente Antônio Messias Galdino achou por bem percorrer as dependências da então Casa de Leis – que era espécie de anexo ao prédio da Prefeitura – a fim de verificar quais objetos poderiam ser levados ao novo edifício.
Ao entrar uma sala, semelhante a um porão, observou que diversos livros estavam espalhados de forma desorganizada. Ao passar ao lado de uma mesa, notou que a estava levemente inclinada e com uma certa instabilidade. Parou para averiguar o estado de conservação da mesa e notou que havia um livro servindo como apoio improvisado do pé da mesa. Curioso para saber de qual livro se tratava, de pronto retirou do local e constatou, para seu espanto, que era o livro referente a ata de fundação da cidade de Piracicaba.
Simplesmente o livro mais antigo e um dos mais importantes de Piracicaba — senão o mais importante —, estava sendo utilizado como apoio improvisado de pé de mesa, esquecido e abandonado num porão da então Prefeitura, longe de um local adequado para guarda e conservação, e distante, muito distante, de qualquer valorização e respeito dignos de documento de tal importância.
Chocado e entristecido pelo que encontrou, Galdino meditou no que poderia ser feito a respeito e decidiu: chamou o ex-vereador, historiador e professor Guilherme Vitti e apresentou-lhe a situação. Pediu que recolhesse todos os livros que se encontravam naquele porão, organizasse e acondicionasse numa nova sala reservada especificamente para esse fim, localizada no novo prédio da Câmara, que viria a ser inaugurado alguns meses depois.
Para tanto, Galdino garantiu que estariam o professor Guilherme os recursos e materiais que se fizessem necessários para essa tarefa. De imediato, o trabalho foi iniciado e consistiam, dentre outras coisas, em transcrição, catalogação, elaboração de índices, higienização e acondicionamento.
A execução do trabalho iniciado em 1975 durou anos, atravessou as décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000, chegou até o ano de 2008, ano em que Vitti se aposentou, e consolidou o nome do professor Guilherme como o responsável pela criação do então Setor de Arquivo Histórico da Câmara e como o guardião dos documentos que contam a história da cidade e da Câmara.
Ao longo desse tempo, em especial nos primeiros anos, Vitti, além de dedicar aos documentos os cuidados necessários, resolveu que iria escrever sobre os documentos que julgasse mais interessantes, desde os que abordavam temas mais sérios, impactantes, até os mais descontraídos e pitorescos.
O objetivo do professor Guilherme era discorrer sobre o conteúdo, dando o contexto por trás do documento, mostrando nuances e fazendo comentários. Iria, também, fazer a transcrição integral desses documentos. Assim, para cada documento selecionado, professor Guilherme escrevia duas a três folhas.
Após juntar dezenas de textos, Vitti decidiu encaderná-los. A essa encadernação, em capa dura, deu o título de “Memórias de Um Arquivo (Comentários sobre documentos do Arquivo da Câmara Municipal)”. Além do material encadernado, há uma seleção desses textos que não entraram na compilação, mas que possivelmente constituiriam um outro volume, já que, embora soltos, estão num mesmo envelope. A intenção era que essa coletânea pudesse dar maior visibilidade ao valioso arquivo da Câmara.
Esse livro de memórias foi concebido para ser lido e tornado público. E assim foi feito. Na certa, muitas pessoas que, em tempos passados, visitaram o Arquivo Histórico da Câmara, manusearam e leram essas páginas.
E agora, neste ano em que se completam 110 anos do nascimento e 10 anos do falecimento do estimado Guilherme Vitti, atentos e obedientes à vontade do professor, e trazendo para as modernas formas de divulgação, o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, passa a publicar, dentro da série “Achados do Arquivo”, os textos do livro “Memórias de Um Arquivo”, bem como os artigos avulsos.
Uma vez por mês o “Achados” trará um desses textos, sempre com a transcrição, na íntegra, do artigo redigido pelo mestre Vitti.
O primeiro texto por esse “Achados do Arquivo – Memórias de Um Arquivo” será, até de forma apropriada, o artigo “Outrora como hoje”.
Um trecho desse artigo possibilita deduzir que foi o primeiro, ou um dos primeiros, que o professor redigiu: “Se o tempo e a saúde permitirem, estamos dispostos a prosseguir na publicação dos principais tópicos da Posturas mais antigas”. Nesse texto inaugural, Vitti reafirma a existência e a importância dos documentos da Câmara e, para usar como exemplo, vai fundo no passado e traz à tona a ata da primeira reunião da Câmara:
“Outrora como hoje
Posturas, Leis, Decretos, Resoluções e Atos que indicam normas que regiam e ainda regem os direitos e deveres dos cidadãos em suas atividades, respeitando direitos do próximo e morador de aglomerados urbanos, no País, Estado, Município e Distrito.
Essas normas legais estão registradas em livros apropriados, convenientemente guardados em locais denominados Arquivos.
Piracicaba não foge a messe padrão comum, pois também tem seu arquivo, onde se guardam todos os informes que dizem respeito a sua estrutura histórica, política e administrativa. Localiza-se no prédio da Câmara Municipal, conservado com o cuidado merecido, estando a parte mais antiga dos documentos em sala própria, com pessoa que atende aos cidadãos interessados no conhecimento de seus dados. Como elementos principais destacam-se os livros de Atas e Ofícios, todos eles escritos à mão, com caligrafia e ortografia da época, dificultando a sua leitura e entendimento do assunto tratado.
Facilitou-se, todavia, a solução desse problema, datilografando-se os primeiros volumes, que estão à disposição dos leitores, sendo os mesmos publicados pelo Jornal de Piracicaba, em forma de folhetins, para posterior encadernação dos interessados na sua guarda.
Se o tempo e a saúde permitirem, estamos dispostos a prosseguir na publicação dos principais tópicos da Posturas mais antigas, havendo interessados para tanto.
Até sua elevação à Vila, com a existência, portanto, de Câmara com seus vereadores, com poderes para legislar e dirigir o governo da localidade, pois as normas do poder público, até então, vinham da Comarca de Itu, de quem Piracicaba dependia politicamente.
A primeira reunião dos vereadores piracicabanos, que, na ocasião eram apenas três, aconteceu no dia 11 de agosto de 1822, relatando que a Câmara tinha recebido vários decretos vindos da Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, e ainda um convite da Câmara de Itu, para que se unisse à mesma, em defesa do Príncipe.
Nessa primeira sessão indicou-se o Alcaide, autoridade máxima, então, no Município, representante do Poder da Província. Foram nomeados, também, o Porteiro, cargo importante outrora, assim, também, o Carcereiro, o Tesoureiro da Décima e o do Selo. Lavrou-se Edital marcando dia dezoito do corrente mês para a escolha dos eleitores da Paróquia.
Esgotada a pauta do Expediente, lavrou-se a ata competente, que o Escrivão da Câmara, Francisco José Machado assinou, e assim também o fizeram os três vereadores, Xisto de Quadros Aranha, Garcia Rodrigues Bueno e Miguel Antonio Gonçalves, mais o Procurador, Pedro Leme de Oliveira, os Tesoureiros Francisco Fernandes de Sampaio e João da Fé do Amaral Gorgel”.
***
No “hoje” do professor Guilherme, o “outrora” pertencia ao recôndito passado de 1822. Já o nosso “hoje” abarca dois “outroras”: o de 1822 e o de Vitti. E esse nosso “hoje”, um dia, no futuro, também será o “outrora”.
Incessante, o tempo, em seu tecer de “hojes” e de “outroras”.
De histórias escritas outrora, como hoje.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.
Supervisão: Rodrigo Alves - MTB 42.583
Revisão: Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa: Bruno de Oliveira
Anexos
NOTÍCIAS RELACIONADAS
23 de setembro de 2025
19 de setembro de 2025
11 de setembro de 2025
10 de setembro de 2025