02 de outubro de 2025
Do pó dos papéis à luz do VHS, a memória em diferentes formatos
Minidocumentário produzido em 1991 resgata a história política de Piracicaba a partir do trabalho de preservação desenvolvido por Guilherme Vitti
Fazia dezesseis anos, em 1991, que o professor Guilherme Vitti tinha iniciado o trabalho de resgate da documentação histórica da Câmara Municipal de Piracicaba. Esse trabalho consistia, dentre outras coisas, em transcrição, catalogação, elaboração de índices, higienização e acondicionamento dos documentos.
Além de todo esse cuidado com a preservação do aspecto físico dos papéis, professor Guilherme também tinha a preocupação com a preservação das memórias contidas nas informações que esses documentos traziam. E, para que essas memórias se conservassem, era recomendável que mais pessoas tomassem conhecimento. Para tanto, era necessário dar publicidade a esses documentos. Era preciso divulgá-los.
Assim, durante a segunda metade da década de 1970 e durante a década de 1980, Vitti se utilizou dos meios de comunicação aos quais tinha acesso para pôr em prática seu intuito de propagação dessas informações históricas. Além do boca-a-boca, que atraía as pessoas ao Arquivo da Câmara, o professor publicava nos jornais o material que tinha sob seus cuidados.
Até que, na virada dos anos 1980 para os 1990, uma nova forma de registrar e divulgar conteúdos se popularizava e se fazia presente no dia-a-dia: as fitas VHS, que, com praticidade e baixo custo, possibilitavam que um crescente número de pessoas e instituições gravassem conteúdos e reproduzissem essas gravações em VHS nos cada vez mais acessíveis aparelhos de videocassete.
Utilizando desse aparato tecnológico, Vitti pôde mostrar, no formato audiovisual, um pouco dos documentos do Acervo Histórico da Câmara e do seu trabalho na lida com esse material.
No ano de 1991, a então Assessoria de Comunicação da Câmara Municipal produziu um minidocumentário intitulado “A Vida Política de Piracicaba”, em que mostrava, de forma resumida, alguns aspectos da História de Piracicaba e da Câmara.
Com duração de pouco mais de seis minutos, o material, bem característico da época, é um retrato de seu tempo. Utilizando as técnicas de edição então disponíveis, exibe caracteres hoje identificáveis como um produto do início da década de 1990.
Nitidamente datado no aspecto visual, a parte sonora traz características mais identificadas com produções das décadas de 1950 e 1960: inicia com uma marchinha instrumental que permanece de fundo durante algumas falas e surge de novo no encerramento; e a narração do texto é carregada de um tom formal, solene, com aquele típico “r” vibrante, pronunciado à moda das antigas transmissões de rádio – talvez pelo fato de que o narrador, Benedito Ilário, era um especialista em locução deste segmento.
Com direção e texto de Ângela Furlan Nolasco e Rosemary Bars, o vídeo começa mostrando uma imagem da paisagem urbana da Piracicaba de 1991, e logo em seguida muda para a exibição de uma maquete do que seria a pacata cidade nos primórdios de sua história. Ao mesmo tempo, a locução se inicia, trazendo informações quanto aos primeiros anos de Piracicaba:
“A vida política em Piracicaba teve início por volta de 1774, quando foi criada a Freguesia de Piracicaba, com a construção da Capela Nossa Senhora dos Prazeres. Mas, foi efetivada apenas em 1882, quando, a pedido do povo, foi elevada a Município, com o nome de Vila Nova da Constituição.”
Uma observação: o narrador cita 1882 como sendo o ano de elevação à categoria de Vila, no entanto, o ano correto é 1822. Continua o vídeo:
“No dia seguinte, ergueu-se no pátio da Matriz o pelourinho, símbolo de autonomia administrativa da época, que marcava o perímetro urbano na cidade. O povo que tinha posse elegeu os três primeiros vereadores: Xisto de Quadros Aranha, Garcia Bueno e Miguel Antonio Gonçalves, que assumiram o mandato no dia 11 de agosto de 1822, quase um mês antes da Independência do Brasil.”
Por volta desse ponto, o vídeo exibe documentos antigos sendo folheados por mãos que denotam também uma idade avançada. Os documentos, no caso, são o primeiro livro de atas da Câmara, de 1822, e folhas avulsas também daquela época; e as mãos que os manuseiam são do responsável pela guarda desses documentos: o professor Guilherme Vitti.
Seguindo, no que seria uma espécie de segunda parte, a produção mostra a icônica folha de abertura do livro de memórias referente ao Estabelecimento da Povoação, narrando que, “naquela época, a Câmara exercia os três poderes. A autoridade maior, depois dos vereadores, era o juiz ordinário e executor dos serviços, como conta o professor Guilherme Vitti”.
A câmera focaliza o professor, primeiro manuseando os livros e, em seguida, falando sobre esse período da História. Sobre sua mesa, uma máquina de escrever e um telefone com fio, de discar. Até onde se tem conhecimento, é provavelmente a gravação em vídeo mais antiga – e possivelmente a única - feita com Guilherme Vitti falando do tema pelo qual era apaixonado.
Com seu forte sotaque tirolês, diz o professor:
“A Câmara incluía, dentro de si, os três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Eu não quero dizer que os três vereadores julgassem causas cíveis ou criminais. É que o juiz ordinário também era eleito junto com a Câmara. De modo que as funções não eram dos três vereadores, eram dele, em particular. Agora, o procurador também fazia parte, era eleito, junto com os vereadores, o procurador da Câmara, que era praticamente quem recebia os impostos, quem lançava as multas, quem recolhia as contribuições. Essa era a finalidade. As três atividades da Câmara eram essas aí.”
O vídeo volta ao narrador, que fala sobre a primeira lei da História da cidade:
“Uma das primeiras medidas dos três vereadores foi estabelecer uma finta, uma espécie de imposto, no valor de quatrocentos réis aos proprietários de escravos machos, com mais de vinte anos.”
Embora o locutor diga “escravos machos, com mais de vinte anos”, o correto é com mais de sete anos. Na sequência, o professor Guilherme explica qual a finalidade desse imposto:
“[Com essa] receita, a Câmara executava as obras as quais tinha necessidade, na primeira temporada da Câmara. Tinha que construir o prédio da Câmara. Construir as casinhas que era aonde fazia a cobrança dos impostos e que serviam também de feira. As casinhas serviam também de feira.”
Em seguida, o vídeo exibe imagens dos livros e documentos que compõem o Acervo Histórico, acondicionados nos armários e sendo manuseados por Vitti, ao mesmo tempo que o narrador fala sobre esse material constante do arquivo:
“É neste arquivo, cuidado carinhosamente pelo professor Guilherme Vitti, que se encontra parte da História de Piracicaba. Pequena parte foi destruída pelo tempo e pela umidade dos porões da antiga Prefeitura. E o que restou da nossa História, está nestas quarenta e oito caixas, na sala do professor. São documentos importantes, como cartas, decretos, requerimentos e atas, traduzidas pacienciosamente por este senhor, que tem como recompensa o prazer de resgatar a memória da cidade, a História de Piracicaba.”
A menção a parte dos documentos que “foi destruída pelo tempo e pela umidade dos porões da antiga Prefeitura” faz referência às condições que estavam os documentos em 1975, quando Vitti, a pedido e com apoio do então presidente da Câmara, Antonio Messias Galdino, resgatou o acervo do estado em que se encontrava e iniciou seu trabalho de preservação e conservação de todo o material histórico.
Quanto ao trecho “traduzidas pacienciosamente por este senhor”, vale o seguinte registro: essa transcrição feita pelo professor hoje é e sempre será de extrema utilidade para o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara. Consultar os documentos por ele transcritos facilita, e muito, na leitura dos originais.
Voltando ao vídeo. Na sequência, o professor Guilherme dá um valioso depoimento em que explica o porquê que os documentos foram parar no porão da antiga Prefeitura e como ocorreram os lamentáveis “estragos e desaparecimentos” desses documentos:
“Em virtude da supressão das Câmaras com a ditadura, os livros pertenciam diretamente à Câmara Municipal, que antigamente abrangia Câmara e prefeito, não havia distinção. Depois de 1930 houve a separação entre prefeito e Câmara. Então, como esses livros pertenciam à Câmara, o pessoal da Prefeitura achou que não interessavam. Então foram colocados no porão da Prefeitura antiga e, com isso, houve um estrago nos documentos. Inclusive, muitos papéis avulsos foram queimados, desaparecidos, pelos funcionários que não tinham conhecimento do valor daqueles papéis. Tanto é que os papéis do Expediente praticamente são quase setenta anos desaparecidos. A coleção que nós temos, feitas em caixas, começa em 1880. Mesmo assim, esses anos, até 1900, alguns são raros. A partir de 1900 é que começou com mais ordenação.”
Após a fala de Vitti, o narrador retoma, no que é a parte final do vídeo, abordando, de forma bem resumida, a variação do número de vereadores ao longo do tempo:
“No começo do mandato, a reunião dos vereadores acontecia todos os dias e, mais tarde, de três em três meses, durante dias, até a apreciação de todos os assuntos em pauta. A partir de 1830, o número de cadeiras no Legislativo mais do que dobrou, passando, então, para sete vagas. No período de 1938 a 1947 as câmaras municipais foram suprimidas. Era a época da ditadura de Getúlio Vargas. Em 1947, quando sucumbiu a ditadura de Vargas, a Câmara em Piracicaba voltou a funcionar, com trinta e um vereadores, dentre eles: João Basílio, Guilherme Vitti e Dovílio Ometto. Foi nos fins dos anos 40 que a Câmara deixou de exercer e acumular as funções legislativa e administrativa. De 1952 a 1955 eram vinte e um vereadores, enquanto que, de 1969 a 1982, eles somavam dezessete. Hoje, a Câmara conta com vinte e um vereadores e onze partidos políticos”.
Quanto ao período de fechamento das câmaras na ditadura Vargas, o locutor cita que foi entre 1938 e 1947, quando, na verdade, foi entre 1937 e 1948, tendo a Câmara de Piracicaba sendo reinstalada, assim, em 1948.
Acompanhando a narração, essa última parte exibe uma mescla de imagens dos vereadores em plenário em diferentes épocas: numa raríssima foto de 1922; na década de 1960 e, encerrando, em 1991, ano da produção do vídeo.
Na sequência, vem o encerramento do minidocumentário, momento em que a marchinha instrumental retorna, acompanhada com as imagens dos devidos créditos finais de realização:
“A Vida Política de Piracicaba.
Narração: Benedito Ilário.
Produção: Assessoria de Comunicação. Câmara de Vereadores.
Direção e texto: Ângela Furlan Nolasco e Rosemary Bars.
Edição e áudio: Tito Lívio.
Imagens: Davi Negri.
Apoio: Departamento de Comunicação da Unimep. FM Municipal.”
Neste ano em que se completam 110 anos do nascimento e 10 anos do falecimento – decorridos no último dia 30 – do sempre lembrado professor Guilherme Vitti, a série “Achados do Arquivo” disponibiliza um raro documento que possibilita ver e ouvir Vitti, patrono de todo o Acervo Histórico da Câmara, falando do tema pelo qual nutria verdadeira paixão.
O minidocumentário sintetiza o sentimento do professor Guilherme, compartilhado com os que hoje trabalham no Setor de Gestão de Documentação e Arquivo:
“(Temos) como recompensa o prazer de resgatar a memória da cidade, a História de Piracicaba.”
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.
Supervisão: Rodrigo Alves - MTB 42.583
Revisão: Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa: Bruno de Oliveira
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