PIRACICABA, SEXTA-FEIRA, 17 DE MAIO DE 2024
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30 DE ABRIL DE 2024

Discursos expressam relação entre política e a vitória na Copa de 70


Ata da reunião no dia seguinte à vitória do Brasil encerra a série "Achados do Arquivo - Especial", em que destaca as repercussões no Legislativo durante o regime militar



EM PIRACICABA (SP)  

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Pelé ergue a Taça Jules Rimet ao lado do então presidente Emílio Garrastazu Médici / Créditos: Acervo/Gazeta Press



O ano era 1970. Seis anos após o golpe civil-militar articulado com o objetivo de frear as reformas de base propostas pelo então presidente João Goulart, motivado pelo “temor ao comunismo”, o Brasil tinha, naquele ano, o terceiro general ocupando a presidência da República: Emílio Garrastazu Médici.

No período em que Médici esteve no poder, a propaganda do governo militar foi responsável por criar o famoso slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o”, por meio do qual buscava dividir a população entre quem “merecia” permanecer no país – categoria que abrangia apoiadores –, e aqueles, os opositores, que deveriam sair da nação, por obrigação ou por vontade. 

A vitória do Brasil na Copa do Mundo de futebol de 1970, na qual a seleção brasileira obteve seu tricampeonato, serviu como mais um aspecto da propaganda militar. Todo o frenesi pela conquista também impactou na Câmara Municipal de Piracicaba e a ata da reunião do dia seguinte à conquista é o destaque da última reportagem da série Achados do Arquivo - Especial, que, ao longo do mês de abril, trouxe um pouco de como a ruptura política anos 1960 impactou nas decisões dos vereadores do Legislativo piracicabano.

Em âmbito nacional, o governo pegava carona no triunfo esportivo para vender a imagem de um país que “progredia”, “crescia” e, portanto, estaria “dando certo”. As ações uniam uma exaltação patriótica e, ao mesmo tempo, personalista ao general Médici.

A música “Pra frente Brasil”, composta por Miguel Gustavo em concurso organizado pelos patrocinadores das transmissões dos jogos – na primeira edição televisionada do campeonato mundial –, retratava o ufanismo e a ideia de unidade e progresso sustentados pelos militares. Enquanto observava a autocelebração ditatorial, a população desconhecia o que se passava nos porões do governo.

A Copa foi disputada no México, entre 31 de maio e 21 de junho. Não à toa, o time é considerado por muitos o melhor de todos os tempos: jogavam craques como Gérson, Rivellino, Tostão, Jairzinho e, claro, Pelé, fazendo a que é considerada sua melhor Copa.

O Rei do Futebol conquistava, aos 29 anos, sua terceira Copa do Mundo, feito inédito até os dias de hoje. No campeonato, Pelé foi o protagonista de lances avaliados pelos apaixonados pelo esporte como alguns dos mais lindos da história do futebol. Além dos quatro gols marcados ao longo da campanha, lances que não resultaram em gol também são notáveis: o chute do meio de campo contra a Tchecoslováquia; o quase-gol contra o Uruguai que virou tema do livro “O Drible”, de Sérgio Rodrigues; a cabeçada defendida pelo goleiro inglês Gordon Banks. As “jogadas de cinema” marcaram a última participação do maior artista da bola em mundiais.

As seis partidas disputadas pelo Brasil na campanha foram vencidas pela seleção canarinho. Depois de golear a Tchecoslováquia, a Inglaterra, a Romênia, o Peru e o Uruguai, os brasileiros chegavam à disputa decisiva, contra a Itália.

No estádio Azteca, localizado na Cidade do México, a briga pelo título de campeão mundial começava com o Brasil na frente aos 18 minutos, com cabeçada de Pelé. Em seguida, Boninsegna empatou, aos 37. No segundo tempo, a Itália nem teve chances: Gérson fez 2 a 1 aos 21, e Jairzinho emplacou o terceiro gol brasileiro, cinco minutos depois. Aos 41 minutos da segunda etapa, Carlos Alberto finalizou o placar em 4 a 1 em jogada coletiva, consagrando o Brasil como tricampeão mundial.

Piracicaba - Na segunda-feira, 22 de junho, dia seguinte à conquista, a Câmara Municipal realizava, às 19h45, sua 21ª sessão ordinária. 

O então prefeito de Piracicaba, Francisco Salgot Castillon, fora cassado pela ditadura no final de 1969, perdendo seus direitos políticos. A chefia do Executivo municipal foi, então, assumida por Cássio Paschoal Padovani. A ata da reunião, realizada meses depois, registra exaltações ao governo militar, ao mesmo tempo em que celebra a conquista do tricampeonato pela seleção brasileira.

Na sessão, ao fazer uso da palavra, o vereador Gustavo Jacques Dias Alvim “consignou o júbilo pela conquista da Taça Jules Rimet, [...] numa demonstração de seu preparo técnico e físico”. Segundo o documento, ainda, o orador citou as “grandes manifestações populares” de que o feito fora alvo, e dirigiu apelo ao prefeito para que “marcasse o acontecimento com um trabalho em prol dos esportes da cidade”, sugerindo a construção de praças para as práticas esportivas.

A conquista também foi lembrada pelo vereador Antonio Mendes de Barros Filho, que “registrou louvor pela vitória da equipe brasileira na IX Copa Mundial de Futebol, numa demonstração de superioridade dos craques brasileiros...”.

A transmissão televisiva inédita do campeonato foi lembrada pelo parlamentar Rubens Leite Canto Braga, que elogiou “a técnica do sistema de telecomunicações que permitiu serem as partidas vistas diretamente pela televisão, em todo o mundo”. Ele destacou, ainda, “a superioridade técnica e física dos jogadores brasileiros, mesmo que o Brasil fosse, naquele periodo, classificado por órgãos internacionais como um país subdesenvolvido.

A fala de Francisco Antonio Coelho, por sua vez, merece destaque. O vereador citou as atividades do Presidente da República, “elogiando a demonstração de seu interesse no setor esportivo do país acompanhando os jogos da Copa”. Segundo o parlamentar, Médici teria até mesmo feito um palpite para o resultado final do campeonato, algo visto por ele como um exemplo que “poderia ser imitado igualmente por muitos prefeitos que agem de forma tímida em suas comunas”.

Antonio Coelho abordou, ainda, as manifestações realizadas em praça pública, com divergências entre policiais e a população, pela vitória do Brasil sobre o Uruguai. “[...] As autoridades não conseguiram manter devidamente a ordem, merecendo, todavia, elogios o policiamento preventivo havido durante as manifestações quando da vitória final do Brasil, no domingo”, cita trecho do registro de sua fala.

O vereador Milton de Camargo também tratou sobre o regime militar em seu discurso na noite daquela segunda-feira:

“Falou em 8º lugar o vereador Milton de Camargo, que ressaltou os frutos administrativos em todos os setores advindos com o programa da Revolução de Março, já sendo elogiados por muitos e constatados por todos, colocando o país, por exemplo, ao lado dos demais continentes nos campos das telecomunicações, superando-os, como no caso do campeonato mundial de futebol, em que nos consagramos tricampeões, conquistando em caráter definitivo a Copa Jules Rimet.” (em transcrição livre)

O parlamentar solicitou à mesa diretora, ainda, que constasse em ata o nome dos 22 jogadores escalados, bem como do técnico, Mário Zagallo.

No final da mesma sessão, foi aprovado o projeto de resolução 1/1970, do vereador Benedito de Andrade, que determinava a colocação de um quadro de Médici no recinto onde eram realizadas as reuniões camarárias. A Comissão de Justiça da Casa deu parecer favorável ao projeto, com a justificativa de que a homenagem “só poderia dignificar o Plenário desse Legislativo e servir de exemplo de trabalho e dedicação à causa pública”.

SÉRIE ESPECIAL - A série Achados do Arquivo - Especial trouxe momentos marcantes da Câmara Municipal de Piracicaba no período anterior ao Golpe de 1964, no dia da deposição de João Goulart e, sobretudo, nos dias e meses que sucederam à ruptura constitucional. Todo esse material agora fica disponível à população no Acervo Histórico da Câmara. São atas de reuniões, ofícios e telegramas que revelam o impacto de todo aquele processo político em Piracicaba. Também foram produzidos dois programas Câmara Convida, em que foram entrevistados o ex-vereador Waldemar Romano, que atuou na sessão em 1964, e Lídice Salgot, filha do prefeito Francisco Salgot Castillon, cassado pelo AI-5.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.



Texto:  Laura Fedrizzi Salere Bruno Didoné de Oliveira
Supervisão:  Rodrigo Alves - MTB 42.583




Achados do Arquivo Documentação

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