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09 DE SETEMBRO DE 2020

Teólogo avalia riscos da “transposição entre o púlpito e a tribuna”


Josué Lazier ministrou, na Escola do Legislativo, palestra sobre liberdade de consciência, de crença e de culto nas eleições municipais



EM PIRACICABA (SP)  

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Religião e política são fenômenos humanos. Mas a relação entre ambos os aspectos da vida em sociedade suscita o debate sobre o limite e os efeitos de cada um em ações implementadas a partir do poder público. Ao longo da Modernidade, a prática da liberdade se desafia em contemporizar fé e razão, assim como questões sociais e privadas. 

“A transposição entre o púlpito, um espaço religioso, e a tribuna, local de debate de propostas políticas, é preocupante”, avalia o teólogo Josué Adam Lazier. “O religioso pode expressar suas ideias? Pode. Mas não pode impor suas regras para toda a sociedade”, diz.

Ele ministrou, na tarde desta quarta-feira (9), a palestra “Liberdade de consciência, de crença e de culto nas eleições municipais: pode-se falar em abuso do poder religioso?”, que integra o ciclo “Liberdade de expressão, liberdade religiosa, privacidade e eleições municipais”, na Escola do Legislativo da Câmara de Vereadores de Piracicaba.

Por conta da pandemia do novo coronavírus, o evento foi on-line, transmitido pela plataforma Zoom, com exibição no YouTube.

Docente da área de humanas da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) e conselheiro da Escola do Legislativo, Lazier lembrou que religião e política são inerentes ao ser humano. “Ele quem cria religiosidade, cultura e assim por diante. É ele quem tem esse aspecto transcendental e racional. Os dois estão presentes na vida”, acrescenta. 

Lazier lembrou que a religião, ao longo da Historia, contribuiu em forjar o conceito de liberdade do indivíduo. “É uma das primeiras a ser colocadas em várias declarações, protegendo a crença e o culto”, salientou. Neste sentido, retomou o fato de que a Carta Imperial, de 1824, no período da regência no Brasil, já estava previsto que ninguém poderia ser perseguido por conta de professar qualquer tipo de fé. 

Do ponto de vista dos direitos políticos, o tema também aparece na Constituição de 1890, a primeira da República brasileira, “desde então, podemos dizer que somos um País laico”, avalia, e a liberdade religiosa se mantém como direito previsto na Constituição Federal de 1988. 

Sem citar denominações religiosas e tendências políticas, o mestre em teologia bíblica e doutor em Educação salienta que os riscos desta relação ficam mais evidentes em situações como o que chamou de “novos messianismos”, algo que, segundo ele, começou há muito tempo, “quando existe uma migração de grupos religiosos, de tendência fundamentalista, para a política”, avalia. 

Caracterizada pelo fundamentalismo religioso, essa tendência passa a agir no âmbito da política como se estivesse em uma guerra. “E, quando isso ocorre, não existe mais um adversário a ser convencido, mas um inimigo a ser eliminado”, aponta Lazier, justificando o perigo deste processo na preservação dos Direitos Humanos. 

Para exemplificar esse aspecto pernicioso da relação religião e política, Lazier cita a autora francesa Chantal Mouffe, que, no livro “Sobre o político”, coloca em contraposição os conceitos de antagonismo, onde se caracteriza pela figura do inimigo a ser aniquilado, ante o agonismo, onde estabelece aspectos positivos de certas formas de conflito. 

No plano de instrumentalização da política a partir da religião também se destaca a perspectiva do “curral eleitoral”, em que é colocada a perspectiva de cumprimento do mandato político baseado nas crenças do grupo e não mais sob os aspectos da Constituição. 

“Certamente, podemos dizer que a religião tem sido abusada pela política e a política tem abusado da religião”, avalia. “No entanto, essa tensão só vai ser superada pela tolerância, pelo compromisso com a paz, em vistas a conciliar a relação entre fé e razão”, conclui. 

CICLO - O ciclo de palestras é composto por três temas, dirigidos a todos que pretendem conhecer e melhor se aprofundar nos conteúdos que serão abordados em torno das ideias centrais vinculadas aos direitos de liberdade, especialmente a liberdade de expressão, de comunicação, de informação e de consciência, crença e culto.

O primeiro aconteceu no dia 19 de agosto, com o tema "Liberdade de expressão: aspectos gerais, controvérsias atuais e reflexos nas eleições municipais". Já o terceiro será no próximo dia 23, às 14h, com o tema “O direito à privacidade dos candidatos frente à liberdade de comunicação e de informação”, que será ministrado pela professora doutora Manuela Cibim Kallajian.



Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337


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