PIRACICABA, SEGUNDA-FEIRA, 29 DE ABRIL DE 2024
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05 DE ABRIL DE 2024

Repúdio e medo da fome: Piracicaba sob efeito da 1ª Guerra Mundial


Ata de reunião ordinária da Câmara registra o posicionamento dos vereadores diante da entrada do Brasil no conflito



EM PIRACICABA (SP)  

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Jornal 'A Época', do Rio de Janeiro, anuncia a entrada do Brasil na I Guerra Mundial



Rivalidade econômica, ressentimentos por acontecimentos passados e questões nacionalistas. Esses são alguns dos diversos fatores que resultaram na eclosão da Primeira Guerra Mundial. Na série Achados do Arquivo desta semana, o destaque é o posicionamento da Câmara diante da entrada do Brasil na guerra e o receio destas consequências. 

Como é ensinado nas escolas, o estopim da guerra se deu em 28 de julho, em 1914, em Sarajevo, na Bósnia, quando Gavrilo Princip, membro de um movimento nacionalista bósnio, assassinou, a tiros, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, que estava ao lado da esposa Sofia, também morta na ocasião. 

A consequência direta do ato foi uma crise política gravíssima que ficou conhecida como Crise de Julho.

Sem haver entendimento diplomático que acabasse com a Crise de Julho, a consequência final foram declarações de guerra acontecendo em sequência. Em 29 de julho, a Áustria declarou guerra à Sérvia. No dia 30, em defesa da Sérvia, os russos mobilizaram seus exércitos; nesse mesmo dia, alemães e austríacos colocaram suas armas de prontidão. Em 1º de agosto, a Alemanha declarou guerra à Rússia e, no dia 3, à França. No dia 4, o Reino Unido declarou guerra à Alemanha. Assim começava a Primeira Guerra Mundial.

O conflito, que se desenrolou pelos quatro anos seguintes, teve dois grupos que lutaram entre si: a Tríplice Aliança, cujas principais forças eram a Alemanha, a Áustria-Hungria, o Império Otomano e a Itália; e a Tríplice Entente, cujos membros principais eram a Rússia, a Grã-Bretanha e a França. Quanto à Itália, o país compunha a Tríplice Aliança, mas recusou-se a participar da guerra no início.

Posteriormente, em 1915, a Itália aderiu à Tríplice Entente.

Quanto ao Brasil, o país manteve-se neutro no conflito até 26 de outubro de 1917, quando o presidente da República, Wenceslau Braz, declarou guerra à Alemanha.

A entrada do Brasil na conflagração aconteceu como resposta a sucessivos ataques desferidos contra navios mercantes brasileiros por parte de submarinos alemães.

Em outubro, o alvo foi o navio Macau. Cinco meses antes, em maio, tinha sido o Tijuca. E em abril, no dia 5, o Paraná, um dos maiores navios da frota mercante brasileira, com 4.466 toneladas, carregado de café, foi torpedeado na costa francesa.

O ataque ao navio Paraná foi a primeira agressão sofrida pelo Brasil na guerra e fez com que o governo brasileiro rompesse relações diplomáticas com a Alemanha.

A gravidade do ato se fez sentir no país inteiro, inclusive em Piracicaba.

Na segunda-feira, 16 de abril, em 1917, os vereadores se reuniram para a Sessão Ordinária da Câmara.

Nessa sessão, foram abordados assuntos como a aquisição de um “aparelho triturador de lixo”, a necessidade de se adotar um método “humano” no sacrifício de cães, dentre outros temas.

Mas o assunto que teve destaque, tratado logo no início do Expediente, foi a manifestação oficial da Câmara quanto ao ataque desferido pela Alemanha contra o navio brasileiro Paraná. A ata da sessão diz o seguinte:

“A Câmara Municipal de Piracicaba, reunindo-se hoje pela primeira [vez], depois do torpedeamento do navio brasileiro ‘Paraná’, protesta, com toda a veemência, contra esse ato de brutalidade e selvageria praticado pela Alemanha e, aplaudindo calorosamente a atitude do Sr. presidente da República, rompendo nossas relações com aquele país, concita todos os seus concidadãos – sem distinção de partidos ou de crenças – a se congregarem resolutamente em torno do governo da nação, prontos a darem o sangue e a vida, se preciso for, para desagravo do brio e da dignidade da pátria. Piracicaba, 16 de abril de 1917 – José Ferreira da Silva, Fernando Febeliano da Costa, Antonio Corrêa Ferraz, Álvaro de Azevedo, Luiz Rodrigues de Moraes, Odilon Ribeiro Nogueira, Antonio C. G. Moura Lacerda, Dr. José Rodrigues de Almeida, José Basílio de Camargo, Samuel de Castro Neves”.

O ataque à embarcação brasileira e o ato de rompimento de relações entre os dois países foram de tal proporção que, como se vê, fizeram com que a Câmara se manifestasse de forma incisiva sobre a questão.

A gravidade da situação prenunciava a efetiva entrada do Brasil na guerra. Prevendo as consequências que isso traria ao país e, evidentemente, aos habitantes de Piracicaba, o vereador Antonio C. G. Moura Lacerda apresentou a Indicação nº 12, de 1917, que assim dizia:

“Considerando que no momento atual é deveras assustadora a crise de gêneros alimentícios e que poderá ainda se agravar com a nossa intervenção na conflagração europeia, indico que o Sr. presidente nomeie uma comissão de 5 membros estranhos à Câmara, com exceção do prefeito, que deverá fazer parte da referida comissão como presidente desta, para estudar e pôr em prática os meios necessários à intensificação da policultura em nosso município”.

Policultura é a prática agrícola que consiste no cultivo de várias espécies na mesma área. Os piracicabanos não corriam o risco de morrer por tiros ou bombas, mas a vida cotidiana dessas pessoas podia ser afetada pela escassez de alimentos gerada pelo conflito. Por isso, a necessidade de agir no sentido de se garantir que a população tivesse o que comer enquanto durasse o confronto.

A guerra acontecia na Europa, a milhares de quilômetros de distância de Piracicaba. Mas, num efeito cascata, seu impacto podia ser sentido por aqui.

O firme posicionamento frente ao cenário internacional aliado a atitudes práticas no âmbito local. Foi dessa forma que a Primeira Guerra Mundial se fez sentir na Câmara de Piracicaba. (Texto e pesquisa: Bruno Didoné de Oliveira)

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" reúne publicações de documentos do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.



Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337




Achados do Arquivo Documentação

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