01 de agosto de 2025
'Representou um fato em que a Câmara estava inaugurando uma nova fase'
Neste 1º de agosto, o prédio do Legislativo celebra 50 anos; presidente em 1975, Antonio Messias Galdino reflete a mudança que representou a nova estrutura para a cidade
Antônio Messias Galdino, ou apenas Galdino, é um patrimônio de Piracicaba. Dono de uma memória singular, capaz de lembrar detalhes de fatos de meio século atrás, ele concedeu entrevista, em fevereiro de 2025, dentro do programa televisivo ‘Câmara Convida’, produzido pelo Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, conduzido pelo jornalista Erich Vallim Vicente e com participação do servidor Bruno de Oliveira, do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo do Legislativo piracicabano.
Em 1h10 de conversa, Galdino contou não apenas detalhes, mas todo o contexto político, que culminou com a sua eleição como presidente da Câmara de Piracicaba, em 1975, como esse fato contribuiu para pacificar a política local naquele período e possibilitou diversas conquistas, que vão desde a vinda de novas indústrias para a cidade, como a Caterpillar, mas também a construção do prédio principal da Câmara, inaugurado em 1º de agosto daquele ano. Neste contexto, o ‘novo Legislativo’ foi divisor de águas na política piracicabana.
Conforme dados apresentados por Bruno de Oliveira, nos 30 anos anteriores a 1975, a cidade teve 24 prefeitos, sendo que, dentre 1968 a 1973, ou seja, em apenas cinco anos, havia sido uma média de um prefeito por ano. Com a posse de Adilson Maluf, em 1973, inicia uma nova fase do Executivo, que nos 52 anos seguinte terá nove prefeitos. Já no Legislativo, o momento marca a saída do acanhado prédio que era uma espécie de apêndice da então sede da Prefeitura de Piracicaba localizada na esquina das ruas São José e Rosário e passa a ter uma estrutura mais suntuosa, utilizada até hoje, e que agora comemora 50 anos de inauguração.
Galdino não foi apenas alguém que viveu a época. O seu estilo de fala mansa, de palavras bem escolhidas e de um certo “radicalismo democrático”, moldou aquele período em que a política piracicabana passou a ter uma maior estabilidade que nas décadas anteriores. Nesta entrevista, ele conta desde como foi a escolha para ser um dos candidatos da Arena, passando pela campanha na rua e pela eleição, com início do mandato em 1973, até o momento em que, dois anos depois, emergiu como uma figura de apaziguamento na conturbada relação da bancada da Arena, que, embora majoritária na Casa, estava dividida.
Na Câmara, além de vereador entre 1973 e 1982, e presidente entre 1975 e 1976, Galdino também retornou ao Legislativo como assessor jurídico do ex-vereador Carlos Gomes da Silva, o Capitão Gomes, em 1997, passou como diretor jurídico do ex-presidente João Manoel dos Santos, nos biênios 2003-2004 e 2007-2008, e ainda atuou como assessor jurídico do Capitão Gomes até 2020, último ano do mandato do ex-vereador.
A entrevista coloca o prédio da Câmara em um amplo contexto de mudança política da cidade, que o jornalista e advogado Antônio Messias Galdino soube entender e contribuir de maneira significativa para ampliar a capacidade de diálogo em momentos conturbados.
Em 2025, celebramos os 50 anos da inauguração do prédio principal da Câmara, em 1º de agosto de 1975. Mas, além disso, o senhor também foi o primeiro presidente negro da Câmara. Como foi esse processo para chegar à presidência da Casa?
É muito bom falar sobre isso. Primeiramente, naquela época de 1968 para 1972, quando eu vim para cá, a cidade passava por uma crise política muito grande. Uma divisão, um desentendimento, uma discórdia. Para vocês imaginarem, nós tivemos, em cinco anos, cinco prefeitos. O prefeito Luciano Guidotti faleceu em 68. Assumiu o professor Nélio Ferraz de Arruda, que terminou o mandato. Assumiu Francisco Salgot Castillon e Cássio Paschoal Padovani. Castillon foi cassado e o Cássio assumiu a prefeitura e morreu em 1972. Aí, quem assumiu a prefeitura foi o Homero Paes de Athayde. Então, nós tivemos em cinco anos, cinco prefeitos. Em 1972, houve um movimento na cidade, que foi até chamado “Grupo dos 100”. Pessoas mais envolvidas com a política, autoridades e intelectuais se reuniram no sentido de trazer uma harmonia política a Piracicaba, procurar um prefeito que tivesse um consenso da cidade. E nessa época, vivíamos sob o regime militar, bipartidarismo, Arena e MDB. Então, os grupos se formaram e, na eleição de 1972, as duas chapas lançaram candidatos para a Prefeitura e a Câmara Municipal. Como havia dissensão política, foram formadas as chamadas sublegendas. Então, havia Arena 1, 2 e 3 e MDB 1, 2 e 3, para conseguir agasalhar todas as tendências políticas dentro dos dois partidos. Eu fui para a Arena, estava participando como candidato da Arena. Fui convidado a ser vereador porque eu tinha alguma representatividade na cidade, porque eu era jornalista. Eu sempre fui jornalista desde os 17 anos. Conhecia as pessoas, era conhecido pelas pessoas. E já era advogado militante. Tinha sido professor na Escola de Comércio Cristóvão Colombo. Tinha sido professor no Colégio Piracicabano. E era professor na Faculdade de Direito. Então, eu tinha um nicho mais ou menos representativo na cidade. Nessa época eu era ainda advogado do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, do Ciesp, e do Serviço Social de Indústria, o Sesi. Então, as minhas atividades eram sempre com o povo. Eu estava lidando com pessoas de manhã, à tarde e à noite. Então, a Arena me convidou para ser um dos integrantes da chapa. Eram 17 vereadores e duas chapas. Na eleição, foi aquela briga, por assim dizer. Seis candidatos com duas legendas e fomos para a rua. Mas foi uma beleza. Campanha eleitoral é a coisa mais bonita. Foi a minha primeira experiência, fiquei apaixonado. Corri a cidade inteira, ia aqui, ia ali, ia por lá, comício, passeata, discurso, palestra, foi muito bonito. Foi um movimento cívico muito bonito, porque tínhamos um pouco de retração política por causa da situação do país. Nós vivíamos um regime ditatorial. A ditadura militar de 64 estava em pleno vigor em 72. Então, a vida política na cidade tinha algumas nuances diferentes. Mas foi muito importante essa campanha.
Como o resultado da eleição permitiu que, a partir dali, um novo prédio da Câmara pudesse ser construído?
O resultado da eleição renovou tudo. Adilson Maluf saiu candidato pelo MDB, numa das sublegendas do MDB. E o nosso candidato e os demais candidatos que saíram pela Arena foram João Guidotti, João Fleury e Jorge Angeli, que tinha sido vereador. O Adilson ganhou. Então, a composição política da cidade mudou de repente. MDB na prefeitura e Arena na Câmara. Doze vereadores da Arena e cinco do MDB. Isso ia parecer que haveria uma discórdia na cidade, mas pelo contrário, foi uma forma de unir. Todos nós estávamos imbuídos daquela intenção de mudar a política piracicabana, levar a coisa a sério, acabar com as dissensões, acabar com as brigas, acabar com a discórdia. E nós 12 da Arena somávamos com os 5 do MDB. E eram pessoas jovens. Eu era um dos mais novos, eu tinha 30 e poucos anos, quando eu fui eleito em 72. Na primeira eleição da Mesa, que foi para o biênio 73 e 74, o Rubens Leite do Canto Braga foi eleito presidente, porque, como tínhamos a maioria, escolhemos ele porque ele havia sido um dos cinco vereadores reeleitos da legislatura anterior, já tinha mais know-how dentro da Câmara. Então, ele foi eleito presidente na primeira eleição da Mesa. E a Câmara funcionava num prédio onde hoje funciona o estacionamento. Era um prédio antigo, onde tinha sido ao lado da antiga prefeitura, que tinha sido demolida e restou aquele cantinho onde funcionava a Câmara. Era um apêndice do prédio da prefeitura, estragado, deteriorado, sem condição de funcionar. E havia um projeto já em andamento de construção deste prédio atual, que estava iniciado desde o começo de 64, quase oito anos antes. Mas em razão das desavenças entre os partidos políticos de então, o prefeito, a quem competia a construção do prédio, ficou amarrando e não construiu o prédio por briga política. Então, durante o período do primeiro mandato do Rubens Braga, o Adilson não teve condições de dar andamento na construção do prédio. Quando eu assumi, em 1975, a primeira coisa que eu fiz foi pegar meus companheiros de Mesa Diretora e conversar com Adilson. Dissemos assim: ‘Nós queremos a conclusão do prédio da Câmara. É um compromisso que queremos que o senhor assuma’. E ele assumiu esse compromisso de dar andamento à construção do prédio.
Como estava a situação do prédio antigo da Câmara?
O prédio anterior estava chovendo dentro. Deixa eu dar um detalhe para você. Naquela época, faleceu o Jorge Antônio Ângeli, que foi candidato a prefeito pelo MDB, junto com o Adilson. O velório dele foi no plenário da Câmara. E deu uma chuva torrencial de noite. Você imagina o corpo sendo velado, chovendo dentro, porque a Câmara não tinha condição de funcionar. Então, esse fato chamou tanto a atenção. Estava literalmente caindo aos pedaços. Então, o prefeito Adilson deu uma força e terminamos a construção do prédio.
E como foi essa conversa com o prefeito Adilson Maluf na época?
Eu tinha uma relação muito boa com o Adilson, porque eu o conhecia de família. Um irmão do Adilson, o Antônio de Pádua Maluf, foi meu colega de ginásio e de colégio. Então, eu frequentava a casa do Adilson, porque eu era colega do irmão dele, a gente estudava junto. Ia comer quibe na casa dele. Então, a relação era cordial, era de amizade. Ele fez a faculdade em Taubaté, faculdade de engenharia, e tinha voltado para Piracicaba. Eu era advogado, então, estávamos todos naquele grupo, todo mundo jovem. Ele tinha 28, 29 anos, eu tinha 30, 31. Então, era aquela juventude que se conhecia, se entrosava e, quando chegou na política, todos nós fomos imbuídos da boa intenção de mudar Piracicaba. E isso deu certo. Ele nos mostrou a abertura, terminou o prédio da Câmara e nós inauguramos. Havia um espírito de colaboração entre Câmara e Prefeitura, porque todos nós nos conhecíamos e tínhamos o mesmo ideal.
E como foi, então, o processo para sua eleição como presidente da Câmara?
Você sabe que a eleição da Câmara é uma briga de foice, pode-se dizer. Tem aqueles candidatos que querem ser porque querem ser. Na ocasião, havia um compromisso de que, no primeiro mandato, seria candidato o Rubens Leite do Canto Braga. E depois, no segundo biênio, seria candidato o Waldir Martins Ferreira, que era um engenheiro agrônomo. Passados os dois anos, as coisas começaram a mudar. Havia dentro da própria Arena um grupo que não apoiava o Waldir para presidente. E havia no MDB cinco vereadores, mas tinham também a pretensão de fazer a presidência. O que tinha que acontecer? Eles, com cinco, precisariam de mais quatro da Arena para compor nove e ganhar a mesa, que eram 17 na composição. E havia um movimento subterrâneo no sentido de quatro arenistas votarem no MDB para montar a Mesa. Naquele tempo estava havendo o Caso Watergate nos Estados Unidos, aquela briga do Richard Nixon, aquela coisa toda. Então, fizeram aqui um ‘Saltingate’. Uma reunião secreta em Saltinho para acertar a adesão dos quatro arenistas que votariam no MDB para compor a Mesa dando a presidência para o MDB. Mas nessa madrugada, alguém ligou para o Jairo Mattos informando que havia esse movimento. E no dia 1º de fevereiro, que era o dia da eleição, a Câmara se reuniu para a eleição da Mesa. E o Jairo era o nosso líder. Então, ele reuniu os 12 na sala da presidência e falou ‘ó, acontece isso, isso, isso, nós vamos perder a Mesa’. Estavam os 12, inclusive os quatro dissidentes, e nós, o restante. E ele falou ‘nós não vamos sair daqui enquanto não tivermos um presidente nosso. Nós não vamos entregar a Mesa para o MDB. Se nós somos uma bancada de 12, não é racional perder a Mesa por dissenção interna’. E foi aquela discussão das 9 até 12 horas. Um queria ser candidato, o outro também queria ser. O Waldir bateu o pé aí, outro bateu o pé, o José Alcarde Corrêa queria ser, etc. e tal. Eu estava no grupo. Nós éramos o grupo de cinco e tinha outro grupo de sete. Chamado o grupo do João Guidotti, tinha sete. E o grupo do Fleury, João Fleury também, a quem eu pertencia, tinha cinco. No final das conversas, o único nome de consenso foi o meu. Bom, o Galdino vai ser o presidente. Porque eu tinha trânsito no grupo dos sete e tinha o meu grupo dos cinco, que me apoiou e outro grupo dos sete também veio conosco, porque eu tinha trânsito com eles. Eu era amigo do Rubens Leite do Canto Braga, do Haldumont Nobre Ferraz, o Tiquinho; do Eulógio Vieira Sobrinho, o Lojinho, todos esses vereadores que pertenciam ao outro grupo. Então, eu saí, meu nome estava como candidato. Fomos lá para o plenário, votação, Galdino presidente. Deu 12 votos.
Por que havia quatro da Arena que queria estar no grupo do MDB. Quais eram as questões que estavam envolvidas ali?
Como eu falei, eram três legendas. O João Guidotti comandava uma. E na sublegenda dele, ele tinha sete nomes. E nós tínhamos cinco e essa dissensão aconteceu porque os sete não queriam apoiar o Waldir, que era do nosso grupo, então rachou. O partido ficou rachado e quatro estavam dispostos a ir para o MDB para não dar a presidência ao Waldir. Então, eu apareci como nome de consenso. O Galdino vai ser o nome que vai somar e unir a bancada.
Quais são os fatores que o senhor entende que, naquele momento, o senhor conseguiu contemporizar e ser o nome de consenso?
Eu acho que foi a posição minha como vereador nesses dois anos. Porque nesses dois anos, eu tive uma atuação de soma e de conciliação. E eu tentava sempre quebrar as arestas dentro do partido, fazer com que fossemos 12 e não sete e cinco. E eu consegui trazer alguns nomes para o nosso lado. E nesse momento em que havia uma necessidade de não quebrar o partido, o meu nome surgiu como peça de conciliação e eu virei presidente.
Todo esse processo que o senhor está colocando pode ter sido decisivo para que o prédio da Câmara saísse naquele momento. Porque foi a partir dali que o senhor virou presidente e com a relação junto com o prefeito possibilitou que as coisas andassem. É isso?
Dá para dizer que a minha eleição contribuiu para que o prédio fosse concluído. O novo prédio estava parado. Como esse acontecimento com outro prédio velho, que estava em situação de miséria, foi um start para a gente chegar no prefeito e falar, prefeito, é preciso mudar essas coisas. Vamos agora começar a vida nova. É uma nova Câmara, uma nova presidência, vamos acabar o prédio. E ele cedeu e construiu o prédio. Então, em sete meses, foi feito o que não foi feito em dez anos. Então, você percebe que havia uma má vontade. Não era tanta dificuldade. Por que ficou parado oito anos se em sete meses foi possível fazer? Então, havia uma questão política maior que impedia a conclusão da obra.
O que representa para a sua biografia o fato de ter trazido a Câmara para uma “nova era”, com a construção do novo prédio?
Eu atribuo certas coisas à graça de Deus. Deus sempre me ajudou. Eu tive um espírito conciliador sempre. Não sei se por ser advogado. Um advogado tem que ser um conciliador antes de tudo. Eu sempre fui conciliador. Qualquer desavença, eu procuro ver o lado bom e aproximar as partes, evitar um litígio, evitar uma dissidência maior. Eu acho que essa minha maneira de ser ajudou bastante, porque dentro da Arena de 12 elementos, eu consegui apoio dos 12. Quer dizer, o meu comportamento como vereador nos dois anos era de conciliação, de aglutinar. Nesse período, nós tivemos a vinda de vários presidentes da Arena que assumiram naquela ocasião e estiveram aqui em Piracicaba para conversar. Porque o radicalismo que havia antes da nossa eleição era muito grande. Era o grupo do João Guidotti e o grupo do João Fleury, distante um do outro. E eu estava no grupo do João Fleury de cinco e outro grupo do João Guidotti de sete. Mas as coisas foram aproximando, aproximando, aproximando e no fim eu consegui ser o amálgama que ligou esses dois grupos e acabou a desavença nesse momento. Gerou uma mágoa no MDB que fizeram uma retaliação comigo na presidência da Câmara. Você sabe que, pela norma, a saudação do presidente é ‘Senhor Presidente, Senhores Vereadores’, quando o vereador vai à tribuna. Eu recebi uma retaliação nesse sentido. Porque o MDB, aparentemente, não aceitava a minha presidência. Eles chegavam na tribuna, diziam “Senhores Vereadores”, e faziam discurso, ignorando a figura do presidente. Eu nunca dei bola para isso. Não precisa me chamar de presidente, eu sou presidente, eu estou aqui. Vocês vão ter que me aceitar, porque eu sou o presidente. Chame-me presidente ou não, eu sou. Eram meus amigos, cinco eram meus amigos. Três advogados, meus colegas. Então, não havia nada de pessoal no negócio. Mas era aquela birrinha política de perderem a presidência. Daí passou. Quando nós conseguimos inaugurar o prédio, houve uma solenidade, uma festa, convidando autoridade, etc. e tal, dali para a frente eles jogaram a toalha.
O senhor falou dessa espécie de rebelião deles contra a presidência do senhor. Em algum momento, eles colocaram algum obstáculo para a construção do prédio?
Não, não. Porque na construção do prédio, você sabe que depois... está aqui o prédio. O que eu vou fazer com isso aqui? Eu vou ter que mobiliar. O que eu fiz? Eu fiz uma comissão de cinco membros, três da Arena, dois do MDB, e vamos estudar, abrir uma licitação para compra de mobiliário para o prédio. Então, nós compramos os móveis principais para mobiliar. Tinha na Câmara também um problema. A Câmara não tinha um corpo de funcionários. Ela tinha funcionários cedidos pelas prefeituras e um ou dois que eram dela, contratados por ela. Eu fiz um concurso público para a admissão de funcionários na Câmara. Montei uma comissão com vereadores da Arena e do MDB para fazer um concurso público, admitir funcionários e para montar o quadro de servidores para a Câmara poder funcionar. E fizemos o concurso, foram admitidos funcionários, admitimos contadores, antes a contabilidade era feita pela Prefeitura, que cedia o contador, então, criamos os cargos, tudo direitinho. Eu fui dando essa estrutura administrativa para a Câmara. Então, esses passos não tiveram oposição, porque não tinha como se opor a isso. Era coisa que beneficiaria os dois partidos, era coisa que beneficiaria a Câmara. A cidade ia ter uma Câmara bem instalada e com um corpo de funcionários próprios. Esse salão aqui (Salão Nobre “Helly de Campos Melges”), quando foi entregue, foi no final do mês de julho, e a inauguração foi no dia 1º de agosto, ele não estava concluído ainda, então onde é que foi feita a sessão solene de 1º de agosto? No Clube Coronel Barbosa. Eu pedi a cessão do clube, o clube cedeu, a sessão foi feita lá, porque aqui não tinha ainda sinteco no taco, não tinha verba no orçamento da Câmara para fazer o sinteco como é que vamos fazer? Eu tinha um amigo que trabalhava com sintecos, chamei e conversei com ele, chamei o diretor da Câmara para ver a possibilidade legal de fazer. Ele disse ‘doutor, pode deixar, eu faço para o senhor aí, e a Câmara paga depois, quando tiver verba no orçamento’. Se pode ser assim, então faça. Mandei fazer o sinteco desse salão. Ele aguardou o pagamento, abrimos verba no orçamento, criamos uma suplementação, aprovou, tem verba, tem, agora paga o cidadão. Ele recebeu normalmente. Quer dizer, conversa, diálogo, não é? Se não tivesse essa possibilidade legal, a gente não ia fazer. Mas era legal e foi também oportuno, porque era necessário que esse salão fosse inaugurado. E vocês imaginam, Piracicaba tinha poucos salões centrais e apropriados para reuniões, conferência e palestra. Aqui, nos primeiros anos, era uma solicitação constante do salão para eventos cívicos, formaturas de escolas e reuniões solenes. Então, aqui se tornou um espaço público de grande utilidade e de grande procura. Então, não havia, assim, uma objeção, uma contrariedade com o fundamento. Podia haver uma contrariedade política, mas não uma contrariedade legal de fundamento jurídico. E me ajudou muito essa posição que a gente tomava. E eu sempre discutia com o pessoal. Quando ia reunir, reunia os 12, vamos conversar. Não era questão de grupinho, não, eram os 12, vocês são vereadores e vamos discutir juntos isso aqui. Vamos fazer assim, assim, assim, e tudo bem. Eu sempre tive essa postura democrática, porque, às vezes, quem tem a maioria quer impor a vontade. Eu nunca tive essa visão, porque eu não acho que seja por aí. Não é porque eu sou maioria, eu decido sem ouvir a minoria. A minoria também tem opiniões, tem posições e pode contribuir. E eu, graças a Deus, tive essa visão de sempre, de agir dessa maneira.
Depois que o senhor falou com o Adilson Maluf e ficou acertado que faria o prédio, o que tinha do prédio até então aqui? O que tinha construído, que estava parado?
Estava erguido o prédio, concluído e faltava o acabamento, ficou amarrado a parte elétrica, encanamento e essas coisas que são o arremate da construção, que é o que dá viabilidade para o uso do prédio que vai conseguir o “Habite-se”. E os arquitetos que trabalharam aqui eram de renome, o João Chaddad, o Ciro Gatti, o Walter Naime, eram os arquitetos que tinham trabalhado na construção do prédio. Então, pessoas de renome na cidade, pessoas respeitáveis. Então, eu acho que as coisas foram fluindo normalmente.
O que o senhor lembra da inauguração no prédio? O que pode contar dos bastidores? Vale destacar que o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara mantém um amplo acervo sobre esta solenidade, que pode ser visita neste link.
O bispo veio fazer a bênção do prédio. Os deputados federais estavam aqui, o João Pacheco Chaves. E foi uma solenidade muito bonita. Os prefeitos da região foram convidados. Depois nós demos um coquetel lá embaixo do salão, onde hoje são os departamentos. Era um salão aberto tudo, não tinha nada ali. Então nós fizemos um coquetel para as autoridades, tudo, na parte da manhã. E à noite fizemos a sessão solene no Clube Coronel Barbosa. Foi um dia inesquecível, mesmo. E representou um fato em que a Câmara estava inaugurando uma nova fase para ela, tendo uma independência mais larga em relação à Prefeitura. Tanto como o estabelecimento, como o próprio material, como também de pessoal. Daí ela passou a ter uma estrutura funcional da Câmara, com o secretário que era o Lino Vitti, com contabilidade própria, com departamento de pessoal, enfim, ela passou a ter um Poder Legislativo constituído. Eu acho que foi um momento muito importante para Piracicaba.
Então, podemos dizer que o novo prédio da Câmara deu um outro status para a Câmara?
Evidente. Tinha uma sede da Câmara. Aqui era a sede do Poder Legislativo, que não existia antes, havia um predinho caído aos pedaços aí do lado. Ela passou a ser o prédio principal aqui no Centro da cidade, num lugar privilegiado. Porque você vê, esse prédio onde nós temos o anexo da Câmara, era a prefeitura de então, que foi feita pelo Luciano Guidotti. Então ficava a prefeitura lá num prédio, pode-se dizer, suntuoso, como na época, três pavimentos, uma quadra, não sei o quê. E a Câmara aqui, um pedacinho aqui, jogado no fundo. Então, até destoava. Então, quando se ergueu esse prédio aqui, ficou equilibrado o Legislativo e o Executivo e o Judiciário aqui no fundo. A praça dos três poderes. Legislativo, Executivo e Judiciário, os três juntos. E tinha o quarto poder, que era a Igreja de São Benedito, que falaram em derrubar, tentaram derrubar, mas aconteceram tantas histórias sobre o prédio da igreja, que vocês já devem ter ouvido falar, em que dois cidadãos propuseram a derrubar a igreja, mas não viveram para ver. E o que ficou, chamava-se Benedito (em referência ao segundo nome de Adilson Maluf). Ele deu uma força, reformou e acomodou.
Neste contexto de como era o antigo prédio da Câmara, tem a história sobre como surgiu o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo. Como é essa história?
Você pode até achar que é uma piada, mas quando eu assumi a presidência, logo no dia seguinte, eu fui conhecer o prédio, no sentido de presidente e desci no porão do prédio. Desci num porão ali na rua Alferes, que descia no porão do prédio velho da Câmara. Lá era o arquivo da Câmara. Mas se você olhasse ali, você ia ficar revoltado, bravo, tudo que pode se dizer de negativo, documento espalhado, papelada em desordem, rato e barata. E eu olhei no chão, embaixo de uma mesa, havia um documento volumoso, um livro volumoso. Peguei para ver o que era: era a ata da fundação de Piracicaba. Falei, mas não é possível que um documento desse, dessa importância, esteja nesse estado ou num lugar desse. Então, eu peguei o “calço de mesa” no porão da Câmara. Dali falei com o professor Guilherme Vitti, pedi que ele colaborasse com a Câmara, dando um tratamento à documentação. Ele foi contratado, ficou um assalariado da Câmara para fazer esse serviço. E ele, com aquele desprendimento, aquela bondade, se prontificou a fazer e fez o trabalho que hoje é o arquivo de documentação histórico de Piracicaba, que é tratado com todo carinho e atenção pelo Bruno de Oliveira e pelas meninas que trabalham com ele (Giovanna Calabria e Dayane Soldan), eu quero até ressaltar aqui a publicação semanal Achados do Arquivo, que é o resgate da história de Piracicaba, que estaria desaparecida se não fosse aquela manhã quando eu fui ao porão e achei a documentação de Piracicaba e então começamos a fazer o arquivo da Câmara.
A ‘pacificação’ da política também gerou outros resultados, como a vinda de indústrias para a cidade. Conta um pouco como foi o processo de trazer a Caterpillar para Piracicaba?
Nesse período aí, houve a chamada descentralização das indústrias de São Paulo para o interior. O governador da época, Adhemar de Barros, que foi um dos líderes da chamada “Revolução de 64”, foi cassado. Então, fomos a São Paulo várias vezes inclusive conversar com o governador Laudo Natel, que assumiu o governo de São Paulo logo depois da cassação do Adhemar e lá a gente foi mostrar a disposição de Piracicaba, que estava com um governo novo, com uma Câmara nova, com umas ideias novas, e disposta a trazer indústria para Piracicaba. A cidade tinha naquela época 80 mil habitantes. As indústrias principais eram o Grupo Dedini, era o Grupo Morgante, a Boyes, a Fazanaro, algumas indústrias grandes, mas com possibilidade de agasalhar mais. Nós fomos conversar no Palácio dos Bandeirantes, que estava começando a funcionar no Morumbi, antes era no centro de São Paulo, mas foi para o Morumbi. Nós fomos lá conversar com o Laudo. E depois, nós fomos em Santo Amaro conversar com a direção da Caterpillar, que tinha um grupo funcionando em São Paulo, e estava com a intenção de vir para o interior. E nós corremos, como uma das primeiras cidades a colocar terra à disposição, além de oferecer facilidades, incentivos tributários, incentivos fiscais e abertura de mercado para a Caterpillar. Foram umas duas ou três reuniões até que a decisão foi tomada. Eu sempre acompanhei o Adilson, acompanhava o vice-prefeito e ia sempre uma comissão acompanhar essas reuniões, junto a pessoas mais representativas da cidade. Ou seja, nós íamos reivindicar essa situação, para a vinda de mais indústria para Piracicaba. Conversamos com o dono da Monte Alegre, que era o Silva Gordo, para a desapropriação de áreas do Monte Alegre para ceder para as indústrias. Quer dizer, aquele meio de campo que tem que ser feito. Então, era a Câmara e a Prefeitura sempre juntos. Por que eu estava junto? Porque eu também era assessor do Ciesp. Então, eu tinha os pés na Câmara e tinha os pés na classe industrial. Então, eram dois polos que tinham condição de somar com a Prefeitura e trazer benefícios para o Piracicaba. E isso deu certo. Tanto que o Distrito Industrial Unileste foi o primeiro que veio e está crescendo cada vez mais. O pontapé inicial foi dado naquele momento. Houve interesse das forças vivas de Piracicaba e das forças políticas que pararam de brigar. E quando briga, é o terceiro que ganha. Dois brigando aqui, o terceiro leva vantagem. E os políticos pararam de brigar, a Câmara e a Prefeitura pararam de brigar, e Piracicaba cresceu. E a Câmara, aquela primeira Câmara, tinha pessoas bastante qualificadas. Tinha engenheiros agrônomos. Era o Jairo Mattos, o Waldir Martins Ferreira e o Benedito Fernandes Faganello (Dito Faganello). Tinha advogados. Tinha o Frederico Alberto Blaauw, advogado. O Luis Antonio Rolim, advogado. Eu, advogado. O Antonio Mendes Barros Filho, advogado. Tinha militar, o Elias Domingos da Silva. Tinha dentista, o Milton Nascimento, então era uma Câmara bastante culta, bastante responsável e bastante consciente do dever dela, de representar bem a cidade.
O senhor já falou que vivíamos o regime militar em pleno vigor naquele momento. Como a conjuntura nacional influenciou nos acontecimentos locais naquela época?
O golpe militar de 64, ele, nós podemos dizer, já faz 60 anos, trouxe um retrocesso muito grande. Porque no Brasil, se nós olharmos a história do Brasil, desde a República, ela foi cheia de altos e baixos. A República já foi um movimento golpista contra o Império. Nós sabemos que havia aquele grupo de republicanos que não contavam com suficiente apoio para derrubar o Império. Precisaram jogar o Marechal Deodoro, que era monarquista, como, digamos, ponta de lança para o movimento dar certo. Depois veio o Floriano Peixoto, depois vieram aquelas revoluções, depois veio tenentismo, que tentou dar golpe também. Depois veio, no começo do século, o Luiz Carlos Prestes. Depois Getúlio Vargas, que dá os golpes dele, impõe a ditadura getulista, muda a Constituição e fica 15 anos no poder. O outro golpe tira o Getúlio. Vem Dutra, depois Juscelino, vem novamente o Getúlio, suicida o Getúlio, volta o Café Filho, sai Café Filho, vem Juscelino, então vem Jânio Quadros com aquela euforia toda de reformar o mundo etc. e tal, dura oito meses de governo, renuncia, vem o Jango Goulart com aquelas outras ideias estapafúrdias dele, até que os militares acharam que iam tomar conta. Tomaram conta. Não vamos dizer que foram bem, porque não foram, militar não é feito para administração pública, cada um no seu caminho, mas a força às vezes sobrepõe à razão. Mas você percebe, cassaram deputado, cassaram governador, cassaram isso e aquilo, mas não cassaram vereador, as câmaras municipais ficaram funcionando e elas passaram a ter protagonismo político na região. E nesse momento, a Câmara de Piracicaba estava presente. Em 72, entrou essa Câmara nova de que eu lhe falei, já com uma cabeça diferente. E nós conseguimos dar a nossa mensagem e deixar a nossa marca, que foi o início dessa nova Piracicaba, sem aquelas dissensões, sem cinco prefeitos em cinco anos e dando estabilidade à cidade. Houve problemas internos, como houve sempre. Houve processo de cassação do Adilson. Depois, no governo do João Herrmann, houve problema e processo de cassação do Herrmann. Quer dizer, houve tudo o que houve, mas tudo dentro de uma ordem democrática.
Para finalizar a nossa conversa, com base em toda sua experiência, qual é a mensagem que o senhor deixa para as novas gerações de políticos e de cidadãos de Piracicaba?
A Câmara foi uma escola. Aprendi muito aqui dentro, porque a política é uma arte e uma ciência. E aqui a gente percebe como deve fazer política. O político tem que ser, antes, um conciliador. Ele não pode ser só um contestador ou um acusador. Ele tem que ser um conciliador e alguém que, quando surge alguma coisa, ele apresente solução. Eu acho que o vereador tem a incumbência, como representante do povo, de trazer as suas reivindicações, mas apresentar solução para os casos, apresentar sugestões e não se limitar simplesmente ao âmbito municipal. O vereador tem que extrapolar os limites do município, ir ao Estado, ir à União, reivindicar as coisas para a cidade. Não precisa ir sozinho, mas forma uma comissão de vereadores e de autoridades locais, que isso mostra a união da população, de que as pessoas estão interessadas, de que tem força, porque a união faz a força. Então, é essa mensagem que eu deixo para os atuais vereadores. Vocês sabem que a Câmara Municipal, no começo do Brasil Império, era formada pelos chamados “homens bons”. Chamavam-se os “homens bons da terra”, naquele tempo, eram bons no sentido financeiro. Aqueles ricos que tinham mais poder, que eram chamados para tomar as decisões. Agora, os homens bons da terra são os vereadores. São os 23 que o povo elegeu. Então, eu deixo essa mensagem aos nossos amigos e aos nossos vereadores, sempre desejando uma gestão profícua.
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