
23 DE JUNHO DE 2025
Rinaldo de Oliveira Calheiros, em palestra na Escola do Legislativo, na quarta (18), defendeu a necessidade da recuperação físico-hídrica da microbacia do Rio Corumbataí
Rinaldo de Oliveira Calheiros, consultor em recursos hídricos
A demanda por captação de água da cidade de Piracicaba - feita majoritariamente a partir do Rio Corumbataí, que atualmente abastece mais de 80% da cidade -, pode ser maior do que a disponibilidade efetiva do manancial a partir de 2030. Na prática, isso pode significar problemas no abastecimento na cidade.
Estima-se que, em 2040, a demanda de Piracicaba pelo manancial possa atingir 141,73% da disponibilidade. Rio Claro, cidade vizinha na mesma bacia do Corumbataí, também pode enfrentar um cenário similar, com a demanda chegando a 123,21% da disponibilidade no mesmo período.
Esses dados, de 2019, foram apresentados em palestra na última quarta-feira (18), por Rinaldo de Oliveira Calheiros, pesquisador, professor universitário aposentado e consultor em recursos hídricos. O evento foi promovido pela Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Piracicaba.
"A Escola, mais uma vez faz o seu papel de participação de construção nas políticas públicas e na discussão de temas importantes, e a questão dos recursos hídricos é de suma importância nos dias de hoje", destacou o vereador Pedro Kawai (PSDB), diretor da Escola do Legislativo.
Problema recorrente - Calheiros enfatizou que Piracicaba já vivencia uma crise de abastecimento, citando diversas notícias da imprensa local, entre elas a criação pela prefeitura, no início do ano, de um gabinete de crise para lidar com a falta de água.
De acordo com Rinaldo de Oliveira Calheiros, a escassez hídrica em Piracicaba é um problema recorrente e sério, que tem se agravado nos últimos anos. O problema é multifatorial e abarca, além da questão da disponibilidade hidrológica dos mananciais que abastecem a cidade, o acúmulo de lodo em estações de tratamento, que reduzem a capacidade de produção de água tratada; perdas no sistema de distribuição de água tratada, com cerca de 57% de “vazamentos” pelas tubulações da cidade e também por questões relacionadas ao planejamento, que fazem com a infraestrutura do sistema muitas vezes não acompanhe de forma simétrica o crescimento da demanda.
Para combater a crise, Calheiros aponta a necessidade de investimentos em eficiência operacional, gerenciamento do controle de perdas de água tratada e campanhas educativas contra o consumo clandestino. No entanto, o ponto central, segundo o professor, é a recuperação físico-hídrica dos mananciais que cortam a cidade, com foco especial na microbacia do Rio Corumbataí.
Situação do Corumbataí - O Rio Corumbataí enfrenta problemas como a vulnerabilidade da disponibilidade hídrica, assoreamento, contaminação, erosão do solo e impermeabilização do solo, que contribui para enchentes e afeta o regime de chuvas. "A falta de planejamento na ocupação da área e as características naturais do meio físico contribuem para esses problemas, expondo a população a riscos como inundações e escorregamentos de solo", acrescentou Calheiros.
Nesse contexto, a recuperação físico-hídrica da microbacia do Corumbataí surge como uma alternativa viável e necessária para aumentar a produção de água. As ações incluem, por exemplo, o desassoreamento de nascentes, com a remoção do excesso de sedimentos para restaurar o fluxo natural da água; a adoção de práticas conservacionistas em lavouras que minimizam a erosão e favorecem a infiltração da água no solo; e o terraceamento em áreas de encostas, com a construção de degraus no terreno para reduzir a velocidade do escoamento da água e aumentar a infiltração.
Essas medidas visam melhorar a penetração da água da chuva no solo e a vazão de córregos e ribeirões. "Esse trabalho todo é para aumentar a capacidade de infiltração da bacia hidrográfica, melhorando a infiltração, percolação ao longo do perfil do solo e recarga das águas subterrâneas. Quanto maior o volume, mais essa água subterrânea sai em quantidade nas nascentes e nos fluxos de base, que são os córregos, a parte mais baixa do relevo. Isso tanto em termos de aumento de vazão quanto de regularização da vazão, mantendo as vazões, inclusive no período de escassez hídrica", explicou Calheiros em entrevista após a palestra.
Ainda de acordo com o palestrante, a recuperação físico-hídrica traz benefícios perceptíveis a curto, médio e longo prazos.
"São diferentes práticas que compõem o resultado final, que é a retenção da água na bacia, na água subterrânea, e o aumento das vazões dos córregos e das nascentes. Nessa composição de práticas, há as que trazem um resultado imediato, que você faz agora e, em uma hora, já se tem resultado, como no desassoreamento de nascentes. Há também ações como o terraceamento, que mostram resultados de um ciclo de precipitação para o outro. E há práticas que demoram mais tempo: dois, três, quatro anos, como com o reflorestamento. Então, trabalhamos de forma holística no relevo, fazendo com que as ações tenham diferentes respostas e que a população se beneficie de forma gradual ao longo da implementação dos trabalhos".
Quantificação da produção de água - Embora as ações voltadas à recuperação físico-hídrica tragam diversos benefícios não apenas para a melhoria da quantidade e qualidade de água dos mananciais, mas também para o meio ambiente e para as populações como um todo, muitas vezes elas não são adotadas por dificuldades em se quantificar esses impactos.
A possibilidade de se mensurar a produção de água que pode resultar da recuperação físico-hídrica, explica o palestrante, viabiliza a gestão hidrológica, trazendo aos gestores públicos elementos que os capacitam a tomar decisões com maior consciência situacional.
Para suprir essa lacuna, Calheiros desenvolveu uma modelagem de quantificação da produção de água, que leva em conta as características do terreno, da vegetação e das ações adotadas para se contabilizar o quanto de água é acumulada ou perdida no ciclo hidrológico, desde a precipitação até a recarga de águas subterrâneas.
"Essa estimativa é fundamental para um gestor poder optar, tanto se vai fazer a recuperação quanto se vai construir uma represa, bem como onde ele vai implementar as ações de recuperação físico-hídrica e quanto de área precisa ser recuperada para satisfazer a necessidade dele", afirmou.
Dentre os diversos trabalhos e estudos desenvolvidos por Rinaldo de Oliveira Calheiros, está a estruturação de um Plano de Autossuficiência Hídrica para a cidade de Vinhedo, com foco na recuperação das microbacias do município.
Com base em dados e cálculos utilizados lá, ele fez uma transposição - apenas como exercício de reflexão e sem o rigor dos estudos em campo - para a bacia do Corumbataí, especificamente na área do Ribeirão Claro, em Rio Claro, e o trecho do Corumbataí que passa por Piracicaba. O resultado foi surpreendente: uma estimativa de produção de água suficiente para abastecer uma população de mais de 158 mil pessoas.
"Eu transformo essa vazão em equivalente populacional justamente para ficar mais fácil de visualizar o benefício, mas é evidente que são valores que devem ser efetivamente medidos quando se inicia o projeto, identificando cada um dos parâmetros de forma mais assertiva", ressalvou.
Durante a palestra, ele também falou sobre ações e iniciativas já implementadas na bacia do Corumbataí por diversos municípios, bem como sobre recursos que podem ser pleiteados por meio de editais, por exemplo, junto à Agência Reguladora Ares-PCJ.
Por fim, Calheiros destacou que, para que essas ações ganhem cada vez mais espaço, é indispensável que os gestores as conheçam e as levem em conta em suas tomadas de decisão:
"Grande parte das coisas que apresentamos aqui eram questionamentos, sempre foram questionamentos em relação à recuperação físico-hídrica, como, por exemplo, sobre o quanto de água que você vai produzir, o tempo de resposta disso, qual é a importância para as águas subterrâneas. Então, tem uma série de coisas que fomos desenvolvendo ao longo do tempo e que conseguimos respostas a questões que sempre vêm atormentando nosso meio científico e técnico, no âmbito de comitês de bacias, sobre a robustez dessa alternativa. Então, o que falta para os gestores, hoje, de forma generalizada, é o conhecimento disso".