07 de novembro de 2025
Mulheres nas urnas: 3/11 marca a instituição do voto feminino no país
Do decreto assinado por Getúlio Vargas, em 1932, à Constituição Federal de 1988, as mulheres caminharam uma longa jornada pelo direito de votar e ser votada
No dia 3 de novembro, o Brasil celebra a instituição do voto feminino, uma das conquistas mais marcantes da luta das mulheres por igualdade política. É uma data simbólica em referência à criação de um projeto de lei aprovado pelo Senado Federal, que autorizava as mulheres a votarem, mas que quando de seu fechamento, por meio do golpe de 1930, teve a votação postergada. Somente com a reabertura, dois anos depois, e com a promulgação do Código Eleitoral, por meio do Decreto nº. 21.056/1932, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, é que este direito começou a ser garantido, mas não obrigatório.
O texto do decreto aponta que, mesmo o avanço comemorado neste dia 3/11 foi a passos lentos, já que, apesar de autorizar o voto das mulheres, ainda deixava que fosse de maneira facultativa:
Art. 2º É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código.
Art. 121. Os homens maiores de sessenta anos e as mulheres em qualquer idade podem isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral (em transcrição livre).
Embora ainda não tenham sido encontrados documentos que apontam a repercussão deste debate no plenário da Câmara Municipal de Piracicaba, como é a proposta da série Achados do Arquivo, a importância da data revela a luta das mulheres pelo direito ao voto, que começou muito tempo antes e que homens aliados ao longo de décadas.
Em uma página da Câmara dos Deputados, dedicada ao tema, há uma linha do tempo que mostra as idas e vindas envolvendo o direito de votar e ser de votada das mulheres.
Em 1831, ainda no Império, José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Alves Branco, por exemplo, apresentaram à Assembleia Geral Legislativa um projeto de reformulação do sistema eleitoral vigente à época. Naquele projeto, estava previsto o voto feminino em eleições locais. Trinta e sete anos depois o escritor José de Alencar, publicou “O sistema representativo”, em que defendia o sufrágio feminino. Já em 1879, um grupo de deputados defendia o voto das mulheres e o voto dos chamados não católicos.
Naquele tempo, mulheres de todo o país editavam jornais defendendo a educação, o fim da escravidão, ocorrida em 13 de maio de 1888, e o direito de votar e de ser votada.
Após a Proclamação da República, em 1889, a Constituição Republicana de 1891 é promulgada, porém as emendas favoráveis ao voto das mulheres foram maciçamente rejeitadas. Nos Anais do Senado, quando da discussão da Constituinte, em meio a um debate sobre como se daria a organização do Poder Executivo, ou seja, a eleição para Presidente e Vice-Presidente, se seriam eleitos diretamente pela ampla maioria do povo ou indiretamente pelos estados, o deputado baiano César Zama, fazendo uso da palavra, faz as seguintes declarações:
Já em 1889, na Câmara dos Deputados, eu proclamava o direito que tinha todo cidadão que soubesse ler, escrever e 21 anos de idade, de exercer o direito político do voto; neste assunto a República não deu um passo adiante de mim. Não compreendo, nem admito direitos políticos nominais, ou mutilados: quero sufrágio real e efetivo, com a responsabilidade direta e imediata do sufragante; tenho larga experiência do que foi o sistema indireto entre nós, e sei que efeitos tem produzido entre os povos. Aceitando a República democrática, exijo-a com a sua condição indispensável, com o sufrágio universal direto de tomar parte no festim político; (em transcrição livre).
E Zama continua após alguns apartes...
Sr. Presidente, riam-se alguns da ideia que sustento, riam se outros por verem um homem de cabelos brancos, que devia mostrar mais prudências, não recear que as funções políticas de nosso país sejam também exercidas pelo belo sexo. Nós afastamos a mulher, porque somos excessivamente vaidosos, por isso que não temos prioridade nenhuma real sobre ela, e elas muitas vezes nos são, mesmo, superiores. Abre a História e encontrareis em cada uma de suas páginas provas da aptidão da mulher para as mais altas funções (em transcrição livre).
Vinte e seis anos depois, em 1917, o deputado carioca Maurício de Paiva Lacerda apresentou um projeto de modificação na legislação eleitoral prevendo o voto feminino. Dois anos depois, já no Senado, o médico paulista Alfredo Ellis apresenta um projeto de voto feminino. Naquele mesmo ano, o senador paraense Justo Pereira Leite Chermont também protocolou um projeto admitindo o voto feminino.
Novamente na Câmara, em 1921, o deputado Antônio Máximo Nogueira Penido apresentou o projeto de sufrágio feminino. Três anos depois, é a vez do mineiro Basílio Magalhães prevendo o voto das mulheres. Somente em 24 de fevereiro de 1932 que Getúlio Vargas, durante o Governo Provisório, assinou o decreto que autorizou mulheres acima dos 21 anos, alfabetizadas e sem restrições quanto ao estado civil, ou seja, com autorização do marido, a se alistarem e votarem. Também naquele decreto, a Justiça Eleitoral foi criada.
A primeira mulher a tomar posse como deputada constituinte no Brasil foi a paulista Carlota Pereira de Queirós. Entretanto, ela não foi a primeira mulher eleita no país, mas sim a potiguar Alzira Soriano, eleita como prefeita na cidade Lajes-RN, em 1928. Isto se deu, pois o Estado do Rio Grande do Norte foi o primeiro a reconhecer o direito de votar e de ser votada das mulheres, por meio da Lei Estadual nº 660, de 25 de outubro de 1927.
Na Constituição de 1934, após anos de luta, é aprovada a igualdade de direitos políticos entre homens e mulheres alfabetizados e maiores de 18 anos, bem como é conferido o voto facultativo a todas as mulheres, com exceção para as servidoras públicas que seriam obrigadas votar. Naquele ano, durante as eleições estaduais e federal, dez mulheres são eleitas como deputadas estaduais. Dois anos após, a sufragista Bertha Lutz toma posse como deputada federal. Somente 10 anos depois, na Constituição de 1946, o voto é tornado obrigatório para homens e mulheres alfabetizados.
Art 133 - O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei.
Em 1965 é elaborado e sancionado o Código Eleitoral, onde trouxe equiparação efetiva entre mulheres e homens no pleito eleitoral. Anterior a isto, havia distinções entre os sexos. Até aquele ano, existia uma distinção quanto ao alistamento eleitoral, assim, partiu-se do âmbito do direito eleitoral da mulher, para o do dever eleitoral da mulher.
Art. 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de um e outro sexo, salvo:
I - quanto ao alistamento:
a) os inválidos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os que se encontrem fora do país.
II - quanto ao voto:
a) os enfermos;
b) os que se encontrem fora do seu domicílio;
c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os impossibilite de votar.
Somente em 5 de outubro de 1988, a partir da promulgação da Constituição Federal, a chamada “Constituição Cidadã”, o direito de alistamento do voto é estendido a mulheres e homens analfabetos. O reconhecimento deste direito é significativo, pois impactou sobretudo e diretamente na vida de milhares de mulheres pobres e negras que, no passado e no presente, o índice de analfabetismo ainda é o mais alto nessa parcela da população.
Esses processos legislativos se devem à luta das mulheres que se mobilizaram para que as mulheres de hoje tenham o dever de votar e o direito de ser votada.
É salutar trazer a lembrança a dentista Isabel de Souza Mattos, que em 1827 registrou-se em São José do Norte, no Rio Grande do Sul, como eleitora, tentando também no ano seguinte, mas não logrando êxito. Ou até mesmo de Leolinda de Figueiredo Daltro, que em 1910 registrou o Partido Republicano Feminino ou da professora belo-horizontina Mariana de Noronha Horta, que encaminhou uma representação à Câmara dos Deputados pedindo a extensão do direito de votar em 1916.
Naquele mesmo ano de 1916, Leolinda voltou à cena, tomando a frente de um abaixo assinado de afiliadas de seu partido pedindo o sufrágio feminino. Já Bertha Lutz, em 1922, criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que em 12 de dezembro de 1927, encabeçou a representação de nº 47 no Senado, contendo duas mil assinaturas, em que pediam a aprovação do projeto que instituía os direitos políticos à mulher e o direito do voto feminino. Na representação, teceram argumentações concernentes à época:
Si o Brasil é um país de forte percentagem de analfabetos, o mais acertado não será afastar das urnas metade da população instruída como querem os adversários da emancipação feminina; mas, pelo contrário, manda o bom senso, que, sem distinção de sexos se apele para todos que estão em condições para colaborar na administração e no governo.
Votar não é um privilégio, uma recompensa que se dá aos cidadãos altamente especializados para exercer essa função. É uma obrigação de todos. Comparecer, de quatro em quatro anos, as urnas, para a escolha do Primeiro Magistrado, de três em três para a eleição dos Representantes Federais e mais uma vez ou outra para a renovação estadual e municipal, não se pode considerar altamente prejudicial ao bom funcionamento do lar. Não será (na pior das hipóteses, tão nocivo á família, como a ausência diária das mães pobres que, obrigadas a trabalhar fora de casa, deixam, com os corações transbordantes de ansiedade, dor ante longas horas, a prole abandonada porque não conhecem outro meio de lhes trazer o pão.
Não foi a política, senhores, que veio arrancar (mas a necessidade) as mães do lar.
É bem possível que a interferência da mulher na vida pública, armada do poder de legislar e influir sobre a economia política, será o meio mais eficaz de assegurar as mães do futuro a possibilidade que hoje não mais existe senão nas classes privilegiadas de se dedicarem inteiramente a sua santa missão (transcição livre).
A lembrança desse passado de restrições dos direitos políticos ao feminino, quando era necessária autorização para votar, é importante porque vai além das questões de gênero. Em outras lentes, é possível encontrar camadas de classe e raça. Mulheres negras, indígenas e pobres possuem ainda baixo acesso às informações e meios estruturais necessários para o exercício da cidadania, o que enfraquece a plena democracia.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.
Supervisão: Rodrigo Alves - MTB 42.583
Revisão: Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa: Dayane Cristina Soldan
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