PIRACICABA, DOMINGO, 28 DE ABRIL DE 2024
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01 DE MARÇO DE 2024

Março Roxo: a triste história do pequeno Dom Afonso Pedro de Bragança


Em 1845, Câmara celebrava o nascimento do herdeiro de Dom Pedro II que viria a morrer com apenas dois anos após ataque epiléptico



EM PIRACICABA (SP)  

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Imperatriz Teresa Cristina com Pedro Afonso sentado no colo e com as princesas Isabel e Leopoldina. Reprodução do quadro de Ferdinand Krumholz.



O nascimento de um herdeiro para uma Casa Real é acontecimento com desdobramentos com significados que vão dos espirituais aos políticos. Em 23 de fevereiro de 1845, no Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, nascia Afonso Pedro de Alcântara Cristiano Leopoldo Felipe Eugênio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança. Era o primeiro filho do imperador Dom Pedro II e da imperatriz Dona Teresa Cristina de Bourbon.

Tema da série “Achados do Arquivo” desta semana, o nascimento de Afonso Pedro foi comemorado com festividades do mais alto patamar. O bebê era sinônimo de alegria para a sociedade brasileira da época, primeiramente por ser homem, mas sobretudo porque significava que seria o futuro imperador do Brasil e que sucederia a Dom Pedro II.

A Câmara Municipal da Vila da Constituição – a atual Piracicaba – celebrou o nascimento do herdeiro imperial em ata da sessão extraordinária do dia 24 de março de 1845, um mês depois:

“O Senhor Presidente declarou que o motivo da presente sessão era a portaria do Exímio Presidente da Província, de 4 do corrente na qual o mesmo exímio Presidente declara que Sua Majestade a Imperatriz deu a luz no dia 23 de fevereiro próximo passado, um príncipe e com feliz sucesso. [...] A Câmara deliberou que esta Câmara lavrasse um edital convidando os habitantes desta Vila para que iluminassem suas casas nos dias 30, 31 deste, e 1º de abril, bem como sejam convidados para assistirem o Te Deo que terá lugar as cinco horas da tarde na Igreja Matriz [...] assim mais deliberou que encarregasse ao senhor fiscal desta Vila afim de mandar fazer alguns fogos de ar para o dia referido e convidasse os músicos desta Vila para o mesmo fim. [...]” (em transcrição livre)

Foi com clamor e alegria que a Vila da Constituição celebrou o nascimento de Afonso Pedro. Também reconheceu o pequeno como legítimo herdeiro do trono, conforme a sessão extraordinária de 22 de junho de 1845:

“Leu-se um oficio do secretário do governo de 6 de junho remetendo o instrumento pelo qual havia reconhecido o Príncipe Imperial o Sr. Dom Afonso como sucessor do Trono e Coroa do Império do Brasil” (em transcrição livre)

Afonso Pedro cresceu saudável até os dois anos, quando faleceu fatidicamente em 11 de junho de 1847. O fatídico passamento da criança ocorreu na biblioteca do palácio, onde brincava suntuosamente até que subitamente passou a ter uma série de crises convulsivas que o levou ao breve fim, com apenas dois anos, três meses e dezenoves dias de idade.

A morte revelou que Afonso sofria de epilepsia, assim como seu pai e outros membros da Família Imperial. Os sintomas foram registrados por meio de uma carta fúnebre do Imperador Dom Pedro II, datada de 11 de julho de 1847, endereçada a sua madrasta Dona Amélia de Leuchtenberg:

"Com a mais pungente dor, participo-lhe que meu caro Afonsinho, seu afilhado, morreu desgraçadamente de convulsões, que lhe duraram cinco horas sem interrupção, no dia 4 do mês passado, [...]."

Registros referentes à morte do jovem príncipe não foram encontrados nos documentos da Câmara, mas o falecimento do pequeno faz alusão ao sentido místico, comum da época, em que se nutria crendices acerca de doenças e fatídicos acontecimentos. Essas crenças com viés religioso ou supersticioso dificultava a aceitação e compreensão de doenças.

A morte de Dom Afonso Pedro relacionava-se, de modo fantasioso, à chamada “Maldição dos Bragança”, um mito arrolado ao passado do Reino de Portugal e do Império do Brasil. Teria iniciado, supostamente, com Dom João IV de Portugal, ainda no século 17, quando o monarca teria tratado de forma brusca e ignorante um frade franciscano que lhe pediu esmolas. Após o ocorrido, o frade teria rogado praga para que todo primogênito varão da família Bragança falecesse antes de chegar ao trono. O fato de muitos herdeiros primogênitos realmente falecerem antes da coroação atiçou cada vez mais o imaginário, dando força à crença da maldição.

Mas longe de maldições, de crenças e do imaginário popular, a epilepsia é algo real, que atinge considerável parcela da população. É imensurável a importância da informação e da conscientização quanto a doença. Neste sentido, a campanha ‘Março Roxo’ se insere como um momento importante para divulgação e maior prevenção da epilepsia, que é uma alteração temporária e reversível do funcionamento do cérebro, a qual resulta em crises epilépticas, convulsivas ou não.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 2% da população brasileira é acometida por essa doença que afeta também cerca de 50 milhões de pessoas no mundo. A iniciativa internacional passou a ser realizada em 2008, no Canadá, após a jovem Cassidy Megan compartilhar como era excluída da sociedade por conta da doença. A cor foi escolhida em alusão à lavanda, uma flor que faz alusão ao isolamento. Além da campanha ao longo do mês, o dia 26 de Março foi instituído como o “Dia Internacional de Conscientização sobre a Epilepsia”.

A pesquisadora Marleide da Mota Gomes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que incidentes familiares, registrados ao longo da História, são prova de que membros da Família Imperial Brasileira sofria de epilepsia. “Os casos sugerem que apresentavam epilepsia de incidência familiar predominantemente com crises tônico-clonicas generalizadas, além de eventos sintomáticos agudos, psicogênicos e orgânicos não epilépticos”, aponta a pesquisadora do Programa de Epilepsia do Instituto de Neurologia ‘Deolindo Couto’. “A epilepsia da Família Imperial poderia ser enquadrada como epilepsia generalizada com convulsão febril plus”, conclui.

A triste história do pequeno Dom Afonso Pedro não diz apenas sobre o trágico fim de um representante das famílias de “sangue azul” – como são classificados os membros de famílias reais mundo afora –, mas também traz a relevância da mobilização em torno do Março Roxo. (Texto e pesquisa: Gabriel Tenório Venâncio, estagiário de História do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo)

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, para realizar publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo do Legislativo.



Revisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337


Achados do Arquivo Documentação

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