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03 DE JUNHO DE 2022

Epidemia de varíola na cidade foi contida com vacinação obrigatória


Decreto da Câmara Municipal, de 1895, dizia que todas as pessoas com idades de seis meses a 45 anos teriam que ser vacinadas, sob pena de multa de 10 mil réis



EM PIRACICABA (SP)  

Foto: Davi Negri - MTB 20.499 (1 de 4) Salvar imagem em alta resolução

Epidemia de varíola em Piracicaba foi contida na vacinação obrigatória

Epidemia de varíola em Piracicaba foi contida na vacinação obrigatória

Bondes eram depredados

Bondes eram depredados

Revoltosos saíam às ruas

Revoltosos saíam às ruas

Leva de desordeiros foi levada à prisão

Leva de desordeiros foi levada à prisão
Foto: Davi Negri - MTB 20.499 Salvar imagem em alta resolução

Epidemia de varíola em Piracicaba foi contida na vacinação obrigatória



A obrigatoriedade da vacina para conter a epidemia da varíola foi o assunto de ordem pública que marcou a história do Brasil no início do século 20. Em 1904, no Rio de Janeiro (capital do país naquela época) houve um "quebra-quebra geral" do povo revoltado com a decisão do presidente da época, Rodrigues Alves, em consonância com a visão do médico sanitarista Oswaldo Cruz, de impor a vacinação contra a varíola em todo o país, por meio de um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional. Os que se revoltaram foram foram punidos e até mesmo enviados à uma prisão no Acre.

Documento de posse e sob a guarda da Câmara Municipal de Piracicaba, transcrito pela arquivista Giovanna Fenili Calabria - conforme anexo abaixo -, demonstra que a cidade se antecipou na obrigatoriedade da vacina, ao constatar os primeiros casos de varíola alguns anos antes da revolta nacional. Lei datada de 23 de novembro de 1895 tratava da obrigatoriedade da vacinação na cidade. O decreto que regulamentava a funcionalidade desta lei tornava obrigatório a vacinação de crianças a partir de seis meses de idade à adultos de 45 anos, conforme dizia o primeiro artigo da lei.

Os vacinados eram procurados pelo "comissário vacinador", como era denominado o agente de saúde. O parágrafo único dizia que “em tempo de epidemia de varíola, as crianças, desde 30 dias, deveriam ser vacinadas, exceto quando não recomendado por médico”. A dose, segundo o texto oficial, era obrigatória de sete em sete anos. O comissário vacinador deveria retornar às casas para verificar o resultado da operação oito dias após a primeira aplicação. A multa prevista para quem se recusasse a tomar a vacina chegava a dez mil réis (R$ 1.230,00 reais nos dias de hoje). Um atestado de imunização deveria ser apresentado pelos pais às escolas públicas e privadas para aceite da matrícula e pelos trabalhadores nas fábricas e demais estabelecimentos.

Os documentos históricos também apontam para 1889, quando houve outro surto de varíola na cidade, onde foram registrados 31 casos e cinco óbitos. A lei da vacinação foi aprovada quase dez anos antes de medida similar tomada pelo Legislativo no Rio de Janeiro, cuja obrigatoriedade causou a manifestação popular, conhecida por Revolta da Vacina.

ACERVO - O decreto da lei da vacina para combater a varíola faz parte do acervo da Câmara Municipal de Piracicaba e está sob guarda do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo. O documento integra o livro de registro intitulado Leis e Resoluções de 1892 a 1903. A abertura é datada de 29 de setembro de 1892, assinada pelo então presidente da Câmara Joviniano Reginaldo Alvim.

Pelos registros das atas da Câmara, sabe-se que a cidade passava por uma grave epidemia de varíola. Há pedidos de providências enérgicas da edilidade, “mobilizando as forças vivas do município, no sentido de combater o mal e amparar os enfermos”.

Observa-se que José Pinto de Almeida apresentou seu relatório à Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia, no qual há notícia da epidemia de varíola na cidade. Os doentes eram recolhidos ao Lazareto São Sebastião, à custa da Irmandade.

"A edilidade teve seus trabalhos praticamente paralisados de 5 de março a 5 de junho. É que grassava na vila uma epidemia de bexigas (varíola) e os vereadores, com medo dela, não compareciam às reuniões de praxe". Esta foi a primeira comunicação do presidente Elias de Almeida Prado, na sessão do dia.

CAPITAL - Toda essa movimentação, em Piracicaba, ocorreu antes da decisão nacional da obrigatoriedade da vacina. De acordo com informações contidas na Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz (oswaldocruz.fiocruz.br), em 1904 houve uma grande epidemia de varíola no Rio de Janeiro e, somente neste ano, mais de 3.500 morreram vítimas da doença. 

"Das atividades de combate às doenças que Oswaldo Cruz comandou como diretor de Saúde Pública, a mais difícil e polêmica foi a campanha de vacinação contra a varíola", diz o texto. Apesar do país estar enfrentado uma epidemia, naquela época já havia imunizante contra a varíola, desenvolvido pelo médico inglês Edward Jenner, disponível no país. A vacinação contra a varíola era obrigatória no Brasil desde o século XIX, mas a medida nunca foi cumprida, o que acarretou no aumento abrupto dos casos de varíola.

O texto da biblioteca virtual afirma ainda que "em razão disso, Oswaldo Cruz propôs que o governo encaminhasse ao Congresso Nacional um projeto de lei ratificando a obrigatoriedade da vacinação em todo o país. A proposta concedia amplos poderes às autoridades sanitárias, incluindo a aplicação de multas aos refratários, que não obedeciam as leis. Houve a exigência de atestados de vacinação para matrícula nas escolas, para ingresso no serviço público e até para a realização de casamentos e viagens", como ocorreu similarmente alguns anos antes, em Piracicaba.

O projeto de lei de obrigatoriedade da vacina foi chamado pela população de “Código de Torturas”. "Oficiais do Exército, monarquistas, operários, adeptos do positivismo, estudantes, jornalistas e até entre médicos havia adversários da vacinação, ou seja, em praticamente todos os setores da sociedade. Era previsível que criassem até um movimento – a Liga contra a Vacina Obrigatória", afirma o texto do site.

Oswaldo Cruz e os defensores da vacina sustentavam, segundo o texto, "que ela havia sido adotada com sucesso em diversos países da Europa. Para seus detratores, no entanto, a obrigatoriedade era uma clara violação da liberdade individual e muitos acreditavam que a própria vacina ajudava a propagar a doença. Havia também um aspecto moral a ser considerado: como os chefes de família poderiam permitir que suas mulheres fossem obrigadas a desnudar braços e coxas para receber a inoculação?"

O texto afirma ainda que "apesar de toda a divergência que gerou, em 31 de outubro de 1904 a lei da vacinação obrigatória foi aprovada pelo Congresso. A essa altura os ânimos já estavam mais do que exaltados. A regulamentação da lei, nove dias depois, acendeu o estopim que faltava: no dia 10 de novembro tinha início a Revolta da Vacina".

"Durante uma semana, milhares de pessoas saíram às ruas do Rio de Janeiro para protestar. O comércio fechou as portas em várias localidades; o transporte público entrou em colapso. Em meio à rebelião, uma insurreição militar tentou depor o presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves. O desfile de 15 de novembro teve de ser cancelado. Com o apoio de tropas do Exército, Rodrigues Alves resistiu ao ataque e se negou a demitir Oswaldo Cruz, principal alvo das manifestações. A decretação do estado de sítio no dia 16 permitiu ao governo recuperar o controle da situação", segundo a biblioteca.

A revolta foi contida por meio da violência e o saldo final foi de 30 mortos, 110 feridos e 945 prisioneiros. "Quase a metade dos detidos foi mandada para o Acre, onde muitos foram submetidos a trabalhos forçados. Embora vitorioso, Rodrigues Alves foi obrigado a ceder em pelo menos um ponto: anunciou o fim da vacinação obrigatória".

"Em 1906, o número de mortes por varíola no Rio havia caído para apenas nove. Contudo, dois anos depois, uma nova e violenta epidemia elevou o número de óbitos para mais de 6.500 casos. A revogação da obrigatoriedade cobrava o seu preço", finaliza o texto.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligados ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.



Texto:  Martim Vieira - MTB 21.939
Supervisão:  Rodrigo Alves - MTB 42.583




Achados do Arquivo Documentação

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