11 de setembro de 2025
Do protesto ao direito: a longa batalha do divórcio no Brasil
Série Achados do Arquivo faz apanhado histórico, discutido em plenário da Câmara, sobre a possibilidade de dissolução de casamentos no País
Um detalhe em uma ata revela o tamanho de uma disputa que atravessou o século: em 1912, a Câmara de Piracicaba rejeitou a proposta de telegrafar ao Rio de Janeiro, então capital do País, protestando contra o “projeto do divórcio”. O gesto surfaria em uma onda nacional que se formava — 156.126 manifestações semelhantes foram registradas em dioceses e federações católicas por todo o país. Nas décadas seguintes, o tema voltou ao plenário piracicabano com moções e requerimentos, espelhando uma sociedade dividida entre argumentos de ordem constitucional e religiosa e a defesa de um remédio civil para lares irremediavelmente desfeitos.
Dos telegramas aos debates jurídicos, dos púlpitos aos parlamentos, a história ganharia novo rumo apenas em 1977, com a Emenda Constitucional nº 9 e a Lei do Divórcio, e mais tarde com a própria promulgação à Constituição Federal de 1988.
A série Achados do Arquivo desta semana traz um assunto que suscitou embates desde o fim do Século 19 e percorreu o Século 20, tema que, seus idealizadores e defensores, tratavam como uma questão de justiça social, sobretudo às mulheres e seus filhos. Já seus opositores argumentavam pela inconstitucionalidade do assunto e também a religiosidade que o envolvia.
Ata de 2 de setembro de 1912, no verso da página 81, do livro de atas das sessões da Câmara Municipal de Piracicaba, lê-se o seguinte trecho:
“Proposta do Vereador, Senhor Alvaro de Azevedo para que a Câmara telegrafasse a Câmara e Senado Federal, protestando contra a aprovação do projeto do divórcio, - foi rejeitado contra os votos dos Senhores Antonio Corrêa Ferraz e Coronel Aquilino José Pacheco.” (em transcrição livre)
Tal projeto em protesto, tratava-se do projeto de lei de n.º 130/1912, do então deputado federal Florianno de Britto, que foi lido na Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro, na sessão de 29 de julho daquele ano, mas que deu entrada de fato na sessão do dia seguinte, 30 de julho. A justificativa do projeto abrange quase 30 páginas, que podem ser encontradas no volume 6, dos Anais da Câmara dos Deputados daquele ano, nas páginas 659 a 690 e 713 a 744. Como justificativa do projeto, Florianno de Britto iniciou argumentando:
“O divórcio é um problema social e jurídico, que só deve e pode ser analisado e resolvido á Luz da Sociologia contemporânea e de acordo com os ensinamentos do Direito [...]. A lei do divórcio não coage o cônjuge divorciado, que o não desejar, a contrair um novo matrimonio; como a lei do casamento civil não constrange os solteiros a se casarem ou os viúvos a contratarem um segundo enlace. [...] Assim, já por não ser uma lei coercitiva, já por girar apenas dentro da orbita que lhe marca o direito civil, independe o projeto do divórcio da intervenção, eclesiástica e escapa á ação ou á crítica das diversas religiões e seitas, em que se divide espiritualmente o mundo contemporâneo. Libertado da tutela religiosa, cuja direção só pode ser acatada e aceita no foro íntimo de cada um, o que não deve um país moderno, no qual se tenha conquistado a separação da Igreja e do Estado, é adiar o reconhecimento de uns tantos direitos de que gozam outros povos cultos, só porque a esses direitos se opõem crenças e dogmas, mais elevados e respeitáveis que sejam [...]” (em transcrição livre)
O projeto é lido naquele dia e fica sobre a mesa até posterior deliberação. Não houve discussão naquela sessão. Já no dia seguinte, no 1º expediente, tem a palavra o deputado Hosannah de Oliveira:
“Pouca coisa tenho a dizer, Sr. Presidente. Tive a grande honra de ser encarregado de transmitir á Mesa um telegrama de Petrópolis protestando contra o projeto do divórcio. V. Ex. sabe, Sr. Presidente, que essas questões devem necessariamente trabalhar fundamente no espírito de toda a nação «que estes protestos, estas manifestações são dignas de serem recebidas pela Câmara porque veem traduzir o verdadeiro pensamento do país. O telegrama é transmitido pelo Dr. Paulo Figueira de Mello, secretário da Federação Católica Petropolitana. Essa Federação conta 9.590 sócios. É com nome desses 9.590 sócios que o Dr. Figueira manda esse telegrama á Mesa protestando contra o projeto. Em tempo oportuno terei de apresentar novos protestos, que já se acham em meu poder, de Diamantina e outros pontos de Minas Gerais, e isto farei na ocasião em que o projeto tiver de ser discutido perante a Câmara dos Deputados” (em transcrição livre)
Na página 178, do volume 16, dos Anais da Câmara daquele ano, é possível visualizar a mobilização da sociedade da época protestando contra o projeto. Ali, encontra-se uma relação dos protestos contra o divórcio, enviados pelos Estados e Diocese do Círculo Católico do Rio de Janeiro. Na então capital federal, Rio de Janeiro, foram contabilizados 20.535 protestos, seguido de Pernambuco, com 23.407, Santa Catarina, com 19.158, Ceará, Pará e outros Estados, com destaque para as Dioceses de Campanha (Minas), Botucatu (São Paulo) Santa Maria e Pelotas (Rio Grande do Sul). Como já mencionado, ao todo, foram listados naquele ano 156.126 protestos contra o projeto divorcista.
Quase 40 anos depois, na Ata da 14º Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Piracicaba, em 23 de agosto de 1951, sob a então presidência de Pedro Krahenbuhl, é apresentada na ordem do dia a Moção de n.º 3/1951, do vereador Milton Rontani e outros:
“De autoria do vereador Milton Rontani e outros, foi aprovada a Moção n.º 3/1951, no sentido de que a casa se manifestasse junto da Câmara Federal contrariamente à aprovação do projeto de lei da autoria do deputado Nelson Carneiro que dispõe sobre instituição do divórcio no Brasil” (em transcrição livre)
Ainda na Ata, lê-se que o vereador Domingos José Aldrovandi havia tecido considerações no sentindo de que não subscreveria a moção, pois para ele, a redação dada parecia-lhe imprecisa. Em sua visão, o referido projeto não criava o divórcio, mas sim, “referia-se apenas a certos casos especiais relativos ao mesmo. Declarava-se assim nem pró nem contra a moção”.
O conteúdo da Moção:
“Sr. Presidente
Nobres colegas.
A Câmara Municipal de Piracicaba, acompanhando as forças vivas da nação na manifestação contrária à aprovação do projeto de lei de autoria do Deputado Nelson Carneiro, que legaliza o divórcio no pais – se dirige pela presente moção à Câmara Federal, manifestando também sua desaprovação àquela proposição, que viria desagregar a família brasileira. Sala das Sessões, 23 de agosto de 1951” (em transcrição livre)
Assinaram também a Moção os então vereadores Emilio Sebe, Guilherme Vitti, Francisco Antonio Cesta Netto, Militão Prates Ferreira, Diaulas Pedroso, Haldumont Campos Ferraz, Samuel de Castro Neves e João Batista Vizioli.
Dois dias depois, o Presidente encaminha cópia da Moção para a Câmara Federal, no Rio de Janeiro. O projeto fruto da Moção era o projeto de lei n.º 786/1951, de autoria do então deputado federal Nelson Carneiro, que tinha como objetivo acrescentar ao art. 219, do Código Civil de 1916, o seguinte inciso:
“Art 1. Acrescente-se ao art. 219, do Código Civil o seguinte:
"V - A incompatibilidade invencível entre os cônjuges” (em transcrição livre)
Tal inciso, referia-se a um desentendimento intenso e irreparável entre o casal, que tornava a continuação da vida matrimonial impossível. Assim, o art. 219, cujo qual o deputado acrescentava um inciso, carregava o seguinte texto: Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge. Já os quatro incisos seguintes detalhavam o referido artigo, onde o primeiro dizia “respeito à identidade do outro cônjuge, sua honra e boa forma, sendo esse erro tal, que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.” O segundo tratava da ignorância de crime inafiançável, anterior ao casamento e definitivamente julgado por sentença condenatória, seguido da ignorância, anterior ao casamento, de defeito psíquico irremediável ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência. E por fim, o inciso quatro, quanto ao defloramento da mulher, ignorado pelo marido (em transcrição livre).
No dossiê de 312 folhas do projeto, é possível encontrar, logo nas primeiras páginas, o ofício s/n de 51 – da Confederação das Famílias Cristãs, onde apresentaram um parecer da Comissão de Legislação Social da referida Confederação acerca do projeto de Carneiro. O parecer foi publicado no Diário do Congresso, em 4 de julho daquele ano e foi dividido em duas partes: I – Análise da justificação do projeto e; II – A incompatibilidade invencível entre os cônjuges, como erro essencial capaz de anular o casamento. Assim, analisaram e refutaram as justificativas de Nelson Carneiro, que, em síntese, expôs a seguinte justificativa:
“A perfeita união entre homem e mulher é um dos pressupostos do casamento. Assim define o casamento Clóvis Bevilaqua: "é o contrato bilateral e solene, [...] estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses e comprometendo-se a criar e a educar a prole que de ambos nascer". Enfim, como bem assinala Pontes de Miranda, para que haja casamento "basta a comunhão de vida no sentido espiritual e social”. Quando, por força do desquite, a sociedade conjugal se desata, e partilhados são os bens do casal e decidida a sorte dos filhos comuns, passa a ser uma utopia o duo in carne una (os dois em uma só carne), o contrato matrimonial perde o seu conteúdo ético, a família está dissolvida. [...] O Código Civil enumera os casos de nulidade e de anulação de casamento, e dentre eles os de erro quanto à pessoa do outro cônjuge. [...] O projeto inclui, entre os motivos de anulação, a incompatibilidade invencível entre os cônjuges o dissidio sem remédio dos consortes já desquitados. Não constituirá qualquer ameaça aos lares felizes, mas apenas solução legal para os desgraçados, para tantos outros lares sem sol que se construíram sobre as ruinas daqueles sem ventura. [...] Sem ofender a Deus, serve aos homens, serve ao Estado, que tem interesse na multiplicação das uniões e das proles legitimas. Com esses altos propósitos, submetemo-la ao exame do Congresso. E confiamos que não lhe faltarão com o seu apoio quantos dos nobres colegas tiverem olhos para a realidade brasileira e ouvidos para os clamores dos que - e são tantos - não encontraram, no casamento irremediavelmente desfeito, o bem e a felicidade com que sonharam” (em transcrição livre)
A parte I do parecer da Confederação ainda foi dividida em mais 3 partes, na terceira, sob o título de “O erro essencial no casamento, como trampolim, que introduziria o divórcio em nossa legislação civil”, mencionaram a inconstitucionalidade do projeto, que feria o artigo 163 da Constituição Federal de 1946:
“Art 163 - A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado. E sejamos francos e honestos, acaso não é isso mesmo o que introduz em nosso direito o Projeto do Sr. Nelson Carneiro? – contra o mandamento constitucional, que não pode oferecer dúvidas – em proibir o divórcio, abertamente instituído, ou por meio de qualquer lei que possa permitir a dissolução do casamento, como muito bem diz Themistocles Brandão Cavalcanti ao comentar o artigo 163, in verbis: “O casamento indissolúvel está igualmente colocado sob a proteção do Estado. Será, portanto, inconstitucional QUALQUER LEI QUE PERMITA A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO, É PRECEITO QUE NÃO PODE DAR LUGAR A DÚVIDAS (ênfase dos autores).”
Ainda naquele dossiê, é possível encontrar diversos pedidos e manifestações contrárias ao projeto, bem como substitutivos do próprio Nelson Carneiro, de seu principal opositor, o deputado Monsenhor Arruda Câmara e o parecer da Comissão de Constituição e Justiça, opinando pela inconstitucionalidade do projeto:
“Em face do exposto, consideramos inconstitucional o projeto n.º 786/51, por violar, flagrantemente, o art. 163 da Constituição Federal. Luiz Garcia – relator.”
Onze anos depois, em uma segunda-feira, o assunto sobre o divórcio retorna ao plenário da Câmara Municipal de Piracicaba, mais especificamente na 4º sessão ordinária, datada de 26 de fevereiro de 1962.
Foi amplamente debatido o Req. N.º 16-62, do Vereador Fornazier, para que seja telegrafado à Câmara Federal solicitando-lhe rejeição da lei que institui o divórcio, pronunciando-se o Vereador Emilio Sebe sobre a matéria no sentido de sua conveniência e reputando a implantação do divórcio como um remédio salutar que seria logicamente adotado por aqueles casais que dele tivessem necessidade, e sendo medida já vigente nas maiores nações civilizadas do mundo” (em transcrição livre)
Naquele dia, votaram a favor do requerimento do vereador Alcides Fornazier, os vereadores Antonio Stolf, Sebastião R. Pinto e Mario Stolf, onde demonstraram, conforme em Ata:
“[..] as consequências funestas resultantes da aprovação da medida e o nenhum benefício que adviria para o povo brasileiro profundamente cristão e moldado nos princípios democráticos e evangélicos.”
Posto a votação em plenário, o Requerimento n.º 16/1962 foi aprovado, com dois votos contrários, seguido da fala do vereador Emilio Sebe, o mesmo que, em 1951, havia assinado e votado a favor da Moção contrária ao projeto divorcista. Entretanto, naquela década de 1960, mudou de opinião e declarou:
“Voto favorável ao divórcio porque acho que é um remédio para os casais infelizes”.
O requerimento era de apelo e em regime de urgência, para que, sobretudo a bancada paulista da Câmara dos Deputados, rejeitasse o projeto de divórcio do deputado federal Nelson Carneiro. No documento, está registrado o seguinte conteúdo:
“Em regime de urgência, o Legislativo Federal deverá apreciar o P.L. nº 1810/60, de autoria do deputado Nelson Carneiro e que visa implantar o divórcio no Brasil. À sua aprovação representará serio golpe nos altos princípios cristãos que orientam a família brasileira. Os inconvenientes serão enormes agravando-se ainda mais a desorganização que se observa em todas as camadas sociais com o número elevado de desquites e abandonos do lar, por motivos, às vezes, os mais injustificáveis. Assim somos contrários à adoção daquela medida e para isto,
REQUEREMOS, regimentalmente, à Mesa seja telegrafado ao sr. Hebert Levy, deputado estadual por São Paulo nos seguintes termos: ‘Câmara Municipal Piracicaba apela bancada paulista demais deputados rejeição projeto divorcista’” (em transcrição livre)
No dia seguinte, o telegrama foi enviado à Brasília.
Nelson Carneiro, novamente ele, apresentou em 18 de abril de 1960, o projeto de lei n.º 1810, cuja ementa:
“Regula a anulação do casamento por erro essencial quanto as qualidades pessoais do outro cônjuge e dá outras providencias.”
Por erro essencial quanto às qualidades pessoais do outro cônjuge, entende-se quando o conhecimento da verdade sobre essa pessoa, após o casamento, torna insuportável a vida em comum. Neste caso, o casamento poderia ser anulado se, por parte de um dos cônjuges, ao consenti-lo, houvesse um erro essencial sobre a pessoa do outro. No atual Código Civil, os artigos 1.556 e 1557, detalham alguns erros essenciais, dentre eles enganos sobre a honra, boa fama, ignorância de crime ou a existência de doenças graves e transmissíveis anteriores, que tornem assim insustentável a convivência do casal.
Naquele ano, novamente ele justifica o projeto:
“Há oito anos passados, por 116 votos contra 89, a Câmara dos Deputados não acolheu as emendas oferecidas ao texto original do Projeto n.º 786, de 1951, e que modificava dispositivos do Código Civil. Toda a Câmara está lembrada do interesse excepcional que a aludida iniciativa suscitou em todos os círculos sociais, dos mais elevados aos mais modestos, no interior e nas capitais. [...] Tudo não obstante, o despretensioso projeto, destinado a corrigir alguns dos males do organismo familiar brasileiro, fortaleceu em todo o país a consciência de que alguma coisa de novo é preciso fazer para substituir dispositivos envelhecidos e envilecidos [..]. O próprio Monsenhor Arruda Camara, que com tanto brilho liderou as forças conservadoras, não pode fugir a tentação de sugerir emenda ao questionado art. 219 do Código Civil. Mas a luta parlamentar, que se deveria travar em torno da regulamentação de mais um caso de anulação de casamento, desbordou para o debate sobre a instituição do divórcio. E foi bom que assim acontecesse. De tal maneira tem sido dolorosa a experiencia do desquite, principalmente para o destino da mulher e dos filhos, que há necessidade de uma solução legal para os lares irremediavelmente desfeitos, num esforço pela moralização da própria família.”
Naquela década de 60, a Comissão de Constituição e Justiça também votou pela inconstitucionalidade do projeto, onde votaram de acordo com a declaração de voto do deputado Monsenhor Arruda Camara, sendo contra os votos dos deputados Artur Vigilio, Nelson Carneiro, Hélio Cabal, Almino Affonso, Lycio Haner e Gurgel do Amaral. Por fim, por meio de um requerimento do autor, o projeto foi retirado e enviado ao arquivo da Câmara, para que pudesse assim permanecer ali: No celeiro da história.
As discussões sobre o divórcio no Brasil permeiam há muito e ganhou força após a Proclamação da República em 1889. Antes disso, mesmo após o grito às margens do Ipiranga, em 1822, o casamento permaneceu sob domínio e registro da Igreja Católica. Foi quando em 11 de setembro de 1861, por meio do Decreto n.º 1.144, que se iniciou um movimento de separação da Igreja Católica com o Estado no âmbito civil, que permitiu assim o registro de casamentos, nascimentos e óbitos, extensivo sobretudo àqueles que não professavam a religião oficial do Estado, admitindo assim que os pastores de religiões toleradas pelo Estado pudessem praticar atos que produzissem efeitos civis.
O casamento por meio dos oficiais de registro civil, foi promulgado no ano de 1890, instituído pelo então presidente marechal Deodoro da Fonseca, por meio do Decreto n.º 181, de 24 de janeiro. Tal decreto foi responsável por instituir a obrigatoriedade do casamento civil para todos os cidadãos, trazendo assim a responsabilidade do registro, ou seja, da prova documental, para o Estado. Porém, esse rompimento não ocorreu sem protestos da Igreja Católica ao longo do tempo, que continuava a manter suas próprias regras para o matrimônio, sendo ele portanto indissolúvel.
Mesmo contendo um capítulo com a denominação de divórcio, o decreto de 1890 não reconhecia totalmente a dissolução do casamento, o Art. 88 dispunha:
“O divórcio não dissolve o vínculo conjugal, mas autoriza a separação indefinida dos corpos e faz cassar o regime dos bens, como si o casamento fosse dissolvido”(em transcrição livre)
Com o tempo, o termo utilizado para essa figura jurídica de não dissolução do vínculo conjugal foi o desquite, que extinguia as obrigações do casamento, porém era mantido o vínculo, ou seja, havia a separação de bens e corpos, mas os cônjuges eram impedidos de contrair um novo matrimônio. Já no divórcio, o vínculo conjugal é completamente extinto e os cônjuges podem contrair um novo casamento mediante vias legais.
Três anos depois do referido decreto, o primeiro a levantar a bandeira do divórcio no Brasil foi o deputado Érico Coelho, em 1893; sete anos depois, em 1900, o senador Martinho Garcez; e em 1910, foi a vez de Alcindo Guanabara, que propôs um projeto que permitia o segundo casamento após o desquite. Em 1912, data que motivou este “Achados”, foi a vez do deputado Florianno de Britto.
Por quase 40 anos o tema ficou silente, mas pelos próximos 26 anos que se seguiriam, Nelson Carneiro reavivou o assunto, apresentando na Câmara os projetos de lei de n.º 786/1951; nº. 3.099/1953; nº. 1568/1960; e o projeto n.º 1.810/1960. Somente em 1977, o “pai do divórcio” como era considerado e já como senador da república, conseguiu aprovar a Emenda Constitucional n.º 9, regulamentada pela Lei n.º 6.515/1977, conforme segue suscintamente.
“Art 1º - A separação judicial, a dissolução do casamento, ou a cessação de seus efeitos civis, de que trata a Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, ocorrerão nos casos e segundo a forma que esta Lei regula.
Art 2º - A Sociedade Conjugal termina:[...]
IV - pelo divórcio.
Parágrafo único - O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.”
A partir daquele instante o divórcio era constitucional e regulado. Entretanto, para a ação de divórcio acontecer de fato e de direito, era indispensável que o casal estivesse separado há pelo menos cinco anos ininterruptos, sem que houvesse nenhuma possibilidade de reconciliação. Outro ponto da lei, é que a cada pessoa era permitida a dissolução de apenas um único casamento, ou seja, por no máximo duas vezes poderiam ser contraídas núpcias.
A aprovação da Lei do Divórcio, em 1977, foi um marco no Brasil, pois permitiu assim novas combinações familiares. Esse avanço foi significativamente ampliado pela Constituição Cidadã de 1988, que aboliu o conceito de "família legítima" ao conferir proteção estatal às uniões estáveis e às famílias monoparentais. A lei, fruto de uma longa luta articulada por Nelson Carneiro, também eliminou o estigma da "mulher desquitada", garantindo direitos a uma parcela da população que antes não tinha sua realidade familiar reconhecida pelo Estado, ou seja, a lei atingira seu objetivo, que era atingir os grupos antes invisibilizados.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.
Supervisão: Rodrigo Alves - MTB 42.583
Revisão: Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa: Dayane Cristina Soldan
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