PIRACICABA, SEXTA-FEIRA, 19 DE ABRIL DE 2024
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11 DE MARÇO DE 2022

Câmara contribuiu no pioneirismo de Piracicaba na imigração europeia


"A cidade foi pioneira em São Paulo e no Brasil", afirma José Eduardo Hefling Júnior; documento oficial mostra o empenho da Câmara na hospedaria dos imigrantes



EM PIRACICABA (SP)  

Foto: Arquivo Histórico da Câmara (1 de 3) Salvar imagem em alta resolução

Estação ferroviária da Cia. Ituana era o ponto de chegada dos imigrantes a Piracicaba

Estação ferroviária da Cia. Ituana era o ponto de chegada dos imigrantes a Piracicaba
Foto: Arquivo Histórico da Câmara (2 de 3) Salvar imagem em alta resolução

Câmara contribuiu no pioneirismo de Piracicaba na imigração europeia

Câmara contribuiu no pioneirismo de Piracicaba na imigração europeia
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Câmara contribuiu no pioneirismo de Piracicaba na imigração europeia

Câmara contribuiu no pioneirismo de Piracicaba na imigração europeia
Foto: Arquivo Histórico da Câmara Salvar imagem em alta resolução

Estação ferroviária da Cia. Ituana era o ponto de chegada dos imigrantes a Piracicaba



Documento do acervo histórico, datado de 12 de setembro de 1891 - conforme anexo abaixo - demonstra o quanto Piracicaba, então Vila Nova da Constituição se empenhou perante o governo de São Paulo, no fornecimento de casa própria que servisse de hospedaria para acolher os diferentes grupos de imigrantes pelo Estado, principalmente oriundos do continente europeu, a que o Brasil recorreu para substituir a mão-de-obra escrava, a exemplo de italianos, alemães, suíços e japoneses, além de outros povos que ocuparam os campos antes repletos por africanos, que livres em seus países de origem e sob pesados grilhões e açoites foram escravizados por séculos, pelo mundo afora.

O historiador e pesquisador José Eduardo Hefling Júnior, no livro "Ibicaba - o Berço da Imigração Europeia de Cunho Particular", reflete a atuação do senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, na edificação da fazenda "Ibicaba", numa época em que a povoação de Limeira, uma Freguesia, pertencia a Piracicaba, assegurando o pioneirismo da região perante a imigração europeia em São Paulo e no Brasil, pela necessidade de mão de obra para a produção de café, influenciada na chegada dos primeiros colonos no país, numa época em que predominava os pensamentos eugenistas, visando o embranquecimento da população.

A chegada de imigrantes de diferentes países impulsionou a economia, ajudando a definir a identidade e influenciando diretamente a cultura de Piracicaba, que completou 254 anos em agosto de 2021. “A cidade, que até o século 19 se chamava Vila Nova da Constituição, foi pioneira na imigração europeia no Estado de São Paulo e no Brasil”, afirma Hefling Júnior, autor de 22 livros, a maioria referente à temática. Seu trabalho de pesquisa foca a experiência pioneira que ocorreu na fazenda Ibicaba. Muitos abraçaram a ideia no final do século 19, com a importação de milhares de italianos, na tentativa de solucionar o problema da mão de obra, até então escrava, nas fazendas de café.

O historiador cita Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, que ocupou os cargos de deputado, senador e participante da Primeira Regência Provisória, sendo o principal responsável pelo desenvolvimento da então Província de São Paulo e, conseqüentemente, do Brasil. Vergueiro promoveu a imigração europeia pelo Sistema de Parceria, que teve seu início em 1841, com a instalação da primeira Colônia de Parceria, constituída por imigrantes europeus.

De acordo com escritura pública, em 20 de julho de 1816, o português Nicolau Pereira mudou-se para a Vila Nova da Constituição (Piracicaba), onde adquiriu os sítios Taquaral e Monte Alegre, utilizados para criação de gado e engenho. Entre inúmeros bens adquiridos, Vergueiro assinou em 1817 o Auto de Posse da Fazenda Ibicaba, que deu origem à Imigração pelo Sistema de Parceria. Em 1820, o Brasil exportou 97,5 mil sacas de café, e em 1859, exportou mais de 2 milhões. O valor triplicou em curto espaço de tempo. Em 1840, chegou a 18 mil contos de réis e, em 1858, esse valor foi triplicado. Relatórios apontam que a colheita mais significativa foi a de 1860 e 1961, que atingiu quase 3 milhões de sacas para exportação, que significava aproximadamente 80 milhões de arrobas, num valor de 80 mil contos de réis.

O aumento da produção exigia cada vez mais o emprego de um número maior de escravos africanos para trabalhar nas roças de café e cana de açúcar, e também para auxiliar nos portos. Entre 1840 e 1850, foram trazidos mais de 30 mil escravos por ano. “A partir de 1851, com a proibição do tráfico de escravos para o Brasil (Lei Eusébio de Queiróz, decretada em 4 de setembro de 1850), houve uma queda nas negociações e o preço do escravo subiu significativamente. Essa realidade obrigou os fazendeiros a procurar mão de obra europeia, aproveitando-se da situação precária de algumas regiões do Velho Mundo”, explica Hefling Júnior.

Documentos do período mostram que fazendeiros brasileiros, principalmente na Província de São Paulo, animados pelos resultados alcançados nos primeiros anos na colônia da Fazenda Ibicaba, faziam pedidos para que a empresa de Vergueiro importasse e lhes repassasse colonos. Entre 1847 e 1857, foram repassados milhares de imigrantes europeus a inúmeros produtores de café.

Povoação, freguesia e vila

Em 1º de agosto de 1767 aconteceu a fundação oficial da povoação de Piracicaba. No dia 21 de junho de 1774, a povoação se torna freguesia e foi separada de Itu. No dia 10 de agosto de 1822, a Freguesia de Piracicaba se transformou em vila e recebeu o nome de Vila Nova da Constituição. Já em 24 de abril de 1856, a Vila Nova da Constituição foi elevada à categoria de cidade, com o nome de Constituição. Recebeu o nome de Piracicaba em 1877, após petição do então vereador Prudente de Moraes, que se tornou o primeiro presidente civil do Brasil, cargo que ocupou entre 1894 e 1898.

POVOAÇÃO - o início da povoação se deu então com a instalação de engenhos, na vinda de senhores de escravos e a expulsão dos posseiros que havia na área. Já é possível observar que, pelo censo de 1822, na Vila Nova da Constituição, a região do Morro Azul e Tatuibi (Limeira), tinha uma população de 951 pessoas livres e 546 escravos. Identifica-se nesse recenseamento, sesmeiros, proprietários de grandes engenhos, sitiantes e posseiros. Os caminhos que ligavam estas propriedades à capital da província eram precários, fato que levou Nicolau Pereira de Campos Vergueiro a liderar um grupo de fazendeiros como Bento Manuel de Barros, José Ferraz de Campos e outros para pedir junto ao governador a construção de uma estrada que facilitasse o escoamento da produção dos engenhos da região.

IBICABA - fundada em 1817 pelo Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, a fazenda foi sede da primeira e uma das mais importantes colônias do Brasil. Foi a pioneira na substituição de mão-de- obra escrava pela de imigrantes europeus, principalmente Suíços e Alemães, trinta anos depois de sua fundação. O Senador Vergueiro foi o responsável pela vinda dos primeiros imigrantes da Europa, muito antes da abolição da escravatura, em 1888. Sua empresa "Vergueiro e Companhia" recrutava os imigrantes, financiava a viagem e o imigrante tinha que quitar sua dívida trabalhando por, pelo menos, quatro anos.

A cada família cabia um número determinado de pés de café que pudesse cultivar, colher e beneficiar, além de roças para o plantio de mantimentos. O produto da venda do café era partido entre colono e fazendeiro, devendo prevalecer o mesmo princípio para sobras de mantimentos que o colono viesse a vender. Esses contratos ficavam conhecidos como  "Sistema de Parceria". Cerca de mil pessoas, entre portugueses, suíços e alemães viviam em Ibicaba, que era quase independente, havendo até circulação interna de moeda própria. Durante uma década, o modelo de colonização obteve sucesso e serviu de exemplo para todo país.

Devido a sua importância para a economia de São Paulo e ao reconhecimento da influência política do Senador Vergueiro, a Fazenda Ibicaba recebeu grandes personalidades, entre elas Dom Pedro II, a Princesa Isabel e o Conde D'eu. Foi usada durante a Guerra do Paraguai como estação militar. A extinção do tráfego negreiro em 1850 levou muitos fazendeiros a implantar o mesmo "sistema de parceria" criado pelo Senador Vergueiro. Os imigrantes, além de exercerem grande influência cultural, contribuíram com novas técnicas de produção, com a utilização de arado na plantação de café, eixo móvel para carroças e demais utensílios agrícolas. A oficina de Ibicaba fornecia máquinas e instrumentos para a região, visto que muitos imigrantes não tinham vocação agrícola, mas eram excelentes artesãos. Um dos primeiros motores a vapor de São Paulo foi importado pela Ibicaba e hoje encontra-se em um museu de Limeira.

INSURREIÇÃO - as dificuldades enfrentadas pelos colonos na adaptação ao clima e culturas locais, aliadas à subordinação econômica para os fazendeiros por não conseguirem saldar suas dívidas baseadas numa contabilidade questionável, foi-se criando uma crise que, em 1856, culminou na "Revolta dos Parceiros" ou insurreição dos imigrantes europeus, tendo, como palco, a Fazenda Ibicaba, a maior produtora de café da época. A revolta foi comandada pelo suíço Thomaz Davatz, que conseguiu inclusive que as autoridades suíças tomassem conhecimento das condições em que viviam os colonos. Tomaz Davatz, ao retornar a Europa, escreveu o livro "Memórias de um colono no Brasil", cujo teor inibiu o ciclo da imigração, o que facilita o entendimento deste período histórico.

Em 1886, foi criada a Sociedade Promotora da Imigração, que se encarrega de uma grande campanha publicitária para atrair mão de obra estrangeira, publicando panfletos vendendo a imagem do Brasil como um maravilhoso país tropical e apagando a impressão negativa deixada pelo livro de Davatz. Em 1877, chega o primeiro grande grupo de italianos para São Paulo, com cerca de 2000 imigrantes. É a política oficial da província, atraindo braços para a grande lavoura. A partir de 1882, o movimento cresce assustadoramente e o Estado, pela primeira vez, destina verbas para apoiar os imigrantes, criando inclusive a "Hospedaria do Imigrante", onde ficavam gratuitamente por sete dias esperando pelo fazendeiro que os fosse contratar.

A imigração italiana foi a que obteve o maior sucesso, tanto do ponto de vista de adaptação dos imigrantes, como de sua produtividade. Tal sucesso se deve a procedência rural da maior parte dos italianos, vindos principalmente da Itália Meridional, então terra de latifúndios. A identidade religiosa também foi um fator favorável, num tempo em que havia muita intolerância nesse terreno, devido ao grande poder da Igreja Católica. Até hoje, há predominância de sobrenomes italianos na região, que venceram as dificuldades iniciais, se estabeleceram definitivamente nesta terra, criaram raízes e permaneceram para sempre. A Fazenda Ibicaba e sua história costumam ser temas de vestibulares, tanto da "Fuvest" como de outras faculdades, além de servir como palco de novelas, a exemplo do final de “Sinhá Moça”, numa das imagens emblemáticas que simboliza o que foi o processo de escravidão, onde um grupo de cativos, com os seus parcos pertences nas costas sai da fazenda, ao passo que outro grupo, de imigrantes europeus, pelo mesmo caminho, são acolhidos pelos fazendeiros.

CONTEMPORANEIDADE - enquanto em 2022 o mundo assiste aterrorizado a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, com o deslocamento em massa de pessoas de países em direção à Europa, além de conflitos e migrações forçadas que também acontecem na África e Ásia, Piracicaba, nos anos de 1890, vivia situação semelhante, acolhendo um grande número de imigrantes. A estação ferroviária da Cia. Ituana - conforme foto acima - era o ponto de chegada dessas pessoas à cidade. Em 9 de setembro daquele ano, por meio de ofício, a Intendência Municipal oferecia seu próprio prédio para que o governo do Estado estabelecesse nele um abrigo para os imigrantes. Garantia-se a hospedagem provisória a essas pessoas vindas de outros países, antes de destiná-las ao trabalho na lavoura do município. Também surgem nesta época diversos clubes de serviços e acolhimentos, a exemplo das sociedades beneficentes, como a de portugueses, italianos, espanhóis, sírio-libanesa e japoneses, considerando que também os próprios negros, após a Abolição da Lei Áurea, pela princesa Isabel, em 1888, se organizam, a exemplo da Sociedade Antonio Bento, em 1901, que se torna o Clube 13 de Maio, em 1948, entidade centenária que ainda hoje agrega o povo negro local, situada na rua Treze de Maio, 1118, região central de Piracicaba.

ITALIANOS - numa visão mais exata da imigração italiana, temos que voltar nossos olhos para a escravidão no Brasil, desde os primeiros tempos, algumas décadas após a chegada de Pedro Álvares Cabral ao litoral brasileiro, onde havia a necessidade de mão de obra para uma série de atividades, desde as exploratórias bem como as domésticas. Estas necessidades foram se tornando maiores com o decorrer do tempo. Os índios também foram utilizados para esta finalidade, mas mostravam-se menos adequados e não atingiam as metas que se faziam necessárias.

Estas precisões foram se tornando mais intensas, culminando no período colonial e imperial sua maior necessidade. Os escravos eram a base da economia, sendo utilizados na área agrícola, na exploração de metais, nos serviços domésticos, e demais atividades.

A proibição inglesa do tráfego de escravos para as Antilhas, com diminuição da mão de obra e consequente encarecimento do açúcar, fez com que a mesma situação fosse impactada ao Brasil. Em 1826 foi apresentado projeto à Câmara proibindo a entrada de escravos no Brasil. Em 1931 uma lei declarava livre qualquer africano que posteriormente viesse a ser trazido ao Brasil. O tráfego somente veio a ser suspenso com o decreto 581 de 4 de setembro de 1850. A abolição da escravatura somente viria a ocorrer em 13 de maio de 1888.

Quase um século se passou até a Lei Áurea. Os senhores rurais viam-se acuados desde as primeiras décadas do século XIX com o inexorável rumo da escravatura, e sentiam a necessidade cada vez mais premente de encontrar outra mão de obra que pudessem utilizar em suas atividades. Já em 1819 chegaram ao Brasil os primeiros imigrantes, vindos das Galés de Nápoles e Sicília. Mas havia uma certa rebeldia por parte dos elementos ligados à corte. A lavoura era o negro, a prosperidade da terra, o negro. Parecia impossível, em 1820 separar do destino do Brasil o negro, o engenho e o cafezal. E isto perdurou por quase um século.

ASSENTAMENTOS - em 1876 a Inspetoria de Terras e Colonização ditava normas de assentamento. Em 1886 já entrava em atividade a Sociedade Promotora de Imigração, criando a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo e criação de núcleos coloniais. Também como fator coadjuvante, a Europa, do século XIX foi assolada por uma série de revoltas internas e guerras. A fome predominava. A propriedade passava por uma série de alteração de valores. As doenças eram endêmicas. Havia a necessidade de se encontrar outros caminhos para a sobrevivência. O governo italiano, ciente de sua inépcia na solução de seus problemas, incentivou a emigração.

Consciente da situação caótica da Europa, o Brasil instituiu a imigração assalariada. Era a garantia do transporte grátis das pessoas e suas bagagens. Livros foram editados e traduzidos para o italiano e alemão pelo Brasil. Terras eram vendidas a valores baixos e a longo prazo para pagamento. A imigração para o Brasil ocorria em total aceitação não só na Itália, bem como em outros países. Publicidade altamente elaborada descrevia que aquela era a terra onde havia direitos, poderia se trabalhar, ser dono da terra e havia fartura de alimentos. Este seria o paraíso e a terra prometida para aqueles corpos e almas alquebradas. Mas as coisas não eram bem assim.

IMIGRANTES - considera-se que os imigrantes, pessoas simples, artífices e agricultores em sua grande maioria, foram iludidos dentro de suas futuras atividades e funções que estariam destinados ou aptos a exercer. Mas, a realidade era a de substituir a mão de obra dos escravos negros. E para atingir seus objetivos, foram utilizados de artifícios dos mais variados, onde realmente a renda destes recém-chegados era ínfima, e viviam mergulhados em dívidas com os proprietários das terras. Pouco podiam fazer para saldarem seus débitos, e ficavam praticamente prisioneiros de seus senhorios, que não os deixavam abandonar a propriedade onde se encontravam.

Tinham conhecimento de um sistema de leis, mas desconheciam as daqui. Eram pois, facilmente iludidos em seus conceitos. A língua que falavam era diferente, o que ocasionava dificuldades em sua comunicação com os brasileiros. A assistência médica era praticamente nula, bem como não possuíam poder aquisitivo para consultar um profissional. As doenças tropicais eram praticamente desconhecidas. Suas ingerências políticas eram nulas, e muito dos alimentos, desconhecidos. E as autoridades aplicavam as leis conforme a necessidade dos de maior poder, ignorando muitas vezes a justiça e distorcendo a verdade.

As revoltas explodiam aqui e ali, ocasionadas pela ganância, pelo exercício do poder do senhor, pela injustiça. Realmente, o imigrante nada mais foi do que o “escravo branco” neste sistema corrupto da época. Mas estas realidades não ficaram ocultas por muito tempo, e tornaram-se públicas, fazendo com que um alto comissário da emigração italiana, Prinetti, viesse ao Brasil, tomasse ciência do que aqui acontecia e finalmente cancelasse a licença a quatro companhias italianas de navegação que executavam a imigração assalariada bem como as operações de recrutamento, interrompendo assim este ciclo.

Algumas poucas famílias conseguiram romper e escapar das armadilhas que eram armadas. A grande maioria, principalmente os “contadinos”, agricultores de pouca ou quase nenhuma cultura, tornaram-se praticamente reféns destes senhorios, devido às manobras que eles engendravam. Atritos os mais diversos ocorreram, e que resultaram em revoltas das mais variadas, inclusive em assassinatos de ambos os lados.

A ambição algumas vezes desmedida, incentivava a ocorrência de desentendimentos graves entre eles próprios, que algumas vezes degeneravam para agressões e mesmo até morte. Outras vezes, o desespero era tanto que acabava por gerar até mesmo suicídios, por alguns imigrantes por sentirem-se totalmente desorientados e não poderem adequar uma solução a seus problemas.

Mesmo entre os artífices, o mesmo ocorreu, com bem menor intensidade. Aparentemente o equacionamento de soluções era mais fácil, e possuíam eles um maior grau de educação, adaptando-se melhor às situações. Também vieram pessoas com alta experiência em suas atividades, como fotógrafos, escultores, sapateiros, ferreiros, etc. Outros poucos imigrantes conseguiram retornar à Itália. Alguns conseguiram superar as dificuldades que se apresentavam, uns mais rapidamente, outros mais vagarosamente. Estes fizeram a América.

SOBREVIVÊNCIA - com todos estes desencontros presentes no dia a dia, a vida era uma verdadeira aventura a ser enfrentada. Havia a necessidade de se tomar alguma conduta para que os percalços fossem enfrentados com maior facilidade. E a solução encontrada foi a Sociedade de Mutuo Socorro. Cada família contribuía com uma quantia estipulada, e na necessidade, as despesas eram pagas por esta organização beneficente. Assim, conseguiam ter acesso à assistência médica, adquirir medicações, até mesmo sepultar seus parentes e retornar à Itália. Quando havia necessidade, faziam quermesses e jogavam tômbola para angariar mais fundos.

Esporadicamente recebiam valores monetários, resultantes de heranças de parentes falecidos na Itália, que auxiliavam também na reorientação dos valores existenciais. Havia tendência a pessoas de mesma etnia morarem próximas. Assim, o bairro Vila Rezende, foi habitualmente um reduto de italianos e seus descendentes desde o final do século XIX até os primeiros decênios da segunda metade do século XX. Se alguns vieram casados, outros contraíram núpcias aqui. Habitualmente não havia miscigenação, e as uniões conjugais eram habitualmente entre noivos da mesma origem. O matrimônio fora desta condição não era muito aceito por nenhum dos lados, e o choque de costumes e valores acabava por criar atritos entre o casal e os familiares. Alguns destes atritos chegaram até mesmo a ocasionar a morte de um cônjuge.

Os imigrantes com seus costumes e tradições introduziram novos hábitos alimentares no dia a dia. Entre eles, o uso do trigo e seus derivados, como macarrão e a pizza, risoto, polenta, pão preto e outros. Segundo o hábito antigo, o chefe da casa era sempre o varão. A ele cabia zelar pelos destinos da família. À mulher cabia o exercício da maternidade, as atividades domésticas e o criar os filhos. Quando casava, levava um dote e era praticamente destituída da herança.

A tradição habitual fazia com que os filhos seguissem a mesma profissão dos pais. A educação era extremamente falha e reservada aos mais opulentos. O aprendizado e o trabalho já começava na infância. Era dever dos filhos ajudarem os pais nas atividades profissionais. Torna-se claro que vieram os mais diversos tipos de pessoas nesta corrente imigratória. E entre estas, “persona non grata” que utilizavam todos os tipos de artimanhas para poderem obter recursos de modo não muito honesto. E isto ocorria tanto na área rural como urbana.

Nesta época era existente na Europa o sistema anarquista. Este foi trazido junto com os imigrantes, ocasionando novos valores e mudanças nas condutas sociais e políticas até então reinantes. Chegou mesmo a haver a fundação de uma colônia sob este sistema no Brasil. Mas alguns imigrantes (principalmente os urbanos) tinham ideias diferentes. Vendo as necessidades que se faziam necessárias no dia a dia, encaminhavam a educação de seus filhos para aquelas áreas que se mostravam carentes. Se os imigrantes eram artífices, muitos de seus filhos foram professores, e seus netos viriam a possuir nível superior.

O sentimento cívico era por demais intenso. O sete de setembro e outras datas cívicas eram extremamente comemoradas, com ruas enfeitadas com bandeirolas, bandas tocando, discursos e fogos de artifício à noite. Chegou a República no Brasil, e com ela a grande naturalização. Todos os estrangeiros foram solicitados a optar por uma nova nacionalidade. Poucos aceitaram. Ainda permanecia a ideia que aqui fariam sua riqueza e depois voltariam à terra natal. Se naturalizassem perderiam o direito à cidadania italiana. A grande maioria não conseguiu concretizar esta sua vocação.

Gradativamente os imigrantes foram assumindo seu papel dentro da organização social brasileira. Lentamente foram liberando-se do jugo opressor, atingindo seu ’’status“ de liberdade. Os que permaneceram na região urbana foram geralmente mais privilegiados, conseguindo uma melhor condição social. Muitos poucos foram otimamente bem sucedidos e conseguiram riqueza.

ACHADOS DO ARQUIVO - a série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligados ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.



Texto:  Martim Vieira - MTB 21.939
Supervisão:  Rodrigo Alves - MTB 42.583




Achados do Arquivo Documentação

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