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01 DE DEZEMBRO DE 2023

Achados: a invasão da Revolta Liberal na Piracicaba do Século 19


Documento preservado pelo Setor de Documentação e Arquivo da Câmara registra a tomada da Vila da Constituição por liberais revoltosos



EM PIRACICABA (SP)  

Pintura de Célio Nunes que retrata a vitória do Barão de Caxias na Batalha de Santa Luzia em Minas Gerais, durante as Revoltas Liberais de 1842 (Museu Histórico Aurélio Dolabela)

Pintura de Célio Nunes que retrata a vitória do Barão de Caxias na Batalha de Santa Luzia em Minas Gerais, durante as Revoltas Liberais de 1842 (Museu Histórico Aurélio Dolabela)

Busto de Rafael Tobias de Aguiar, político que liderou a Revolta Liberal e hoje é patrono da R.O.T.A. da Polícia Militar de São Paulo

Busto de Rafael Tobias de Aguiar, político que liderou a Revolta Liberal e hoje é patrono da R.O.T.A. da Polícia Militar de São Paulo
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Pintura de Célio Nunes que retrata a vitória do Barão de Caxias na Batalha de Santa Luzia em Minas Gerais, durante as Revoltas Liberais de 1842 (Museu Histórico Aurélio Dolabela)



No começo do ano de 1842, no dia 20 de janeiro, tomou posse como Presidente da Província José da Costa Carvalho, o 1º Barão de Monte Alegre. Porém, o que ninguém esperava, era que o fato levaria a uma revolta no Estado, conhecida como Revolta Liberal, e motivada principalmente por divergências políticas contra as medidas centralizadoras do Gabinete Conservador, e o recém-nomeado Presidente da Província era o maior alvo. Mas qual foi o papel de Vila da Constituição, a Piracicaba do Século 19, em virtude do ocorrido?

Alguns fragmentos desta revolta estão em um dos livros de ofícios preservados pelo Setor de Documentação e Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba, que tratam de um conflito armado resultante da invasão dos liberais em Vila da Constituição enquanto se deslocavam até a Província de São Paulo, no intuito de depor o então presidente José da Costa Carvalho, o Barão de Monte Alegre.

O primeiro dos ofícios que é relacionado à Revolta Liberal é de 5 de fevereiro de 1842, remetido pela Câmara de Vila da Constituição ao próprio Barão. Neste ofício, há um forte antagonismo dos membros da Câmara em relação aos liberais quando estes são referenciados, bem como é requisitado do presidente um destacamento de homens, já que, de acordo com alguns dos integrantes do Legislativo, os recursos do Município seriam insuficientes:

A Câmara Municipal desta Vila, tendo fundados receios que uma quadrilha de ladrões tenta acometer a Vila, segundo já o tem feito nas Vilas vizinhas, por isso recorre a Vossa Excelência pedindo um destacamento de doze homens, os quais comandados por um oficial inferior, protejam a mesma Vila, atentando que está a Câmara convencida que os recursos do Município não são suficientes para acautelar qualquer desavisado que por ventura apareça.” (em transcrição livre)

Outro ofício sobre a revolta, também remetido ao Presidente da Província, é de 19 de junho de 1842 e ao contrário do anterior, que era envolto em receios e tons alarmantes, revela o resultado do que parece ter sido um conflito armado, resultado favorável aos apoiadores do governo, que viram o Município retornando à calmaria. Nele, também contata-se que a Vila foi, de fato, invadida e tomada pelos liberais por um período:

A Câmara Municipal desta Vila tem a satisfação de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que esta Vila se acha livre dos sediciosos que dela se apoderaram desde o dia 20 de maio até 16 de junho, dia em que os mesmos sediciosos e suas autoridades criadas abandonaram a mesma Vila, dando lugar às autoridades legitimamente constituídas para continuarem a exercerem as funções de seus cargos. O Município goza atualmente de paz e tranquilidade.” (em transcrição livre).

Apesar do conflito ter chegado ao fim, os membros da Câmara ainda enviariam dois ofícios ao presidente tratando deste assunto. Em um deles menciona um nome central para todo o ocorrido: o Coronel Rafael Tobias de Aguiar, que contribui para a compreensão do contexto histórico geral que Piracicaba tomou parte. O ofício gira em torno de um questionamento ao presidente sobre o que fazer com os vereadores e juízes de paz que se rebelaram ao cumprir ordens do mencionado Tobias de Aguiar durante o período de conflito:

A Câmara Municipal desta Vila leva ao conhecimento de Vossa Excelência o procedimento de alguns Vereadores e Juízes de Paz desta Vila, os quais tiveram ingerência e exerceram as funções de seus cargos durante a época de sedição nesta Vila, dando execução às ordens do Coronel Rafael Tobias de Aguiar, e como a Câmara tem dúvida sobre qual o procedimento que deve ter com tais autoridades, consulta a Vossa Excelência pedindo providência a este respeito.” (em transcrição livre)

Antes de tratar do quarto – e último ofício – sobre a Revolta Liberal na Vila da Constituição, é importante contextualizar sobre quem foi Rafael Tobias de Aguiar e qual foi o seu papel neste conflito que marcou o século 19.

Nascido em Sorocaba, Rafael Tobias de Aguiar foi uma figura política do Estado de São Paulo, ex-presidente da Província e líder da Revolta Liberal, ao lado do Padre Antônio Feijó, que foi seu colega de escola. Os revoltosos nomearam seus próprios presidentes para as províncias de São Paulo e Minas Gerais e o de São Paulo acabou sendo Rafael Tobias de Aguiar, nomeado em 17 de maio de 1842, em Sorocaba, tornando-se a capital provisória da Província.

Na sua trajetória política, Tobias de Aguiar, partidário de ideias liberais, apresentava-se sempre contrário à centralização do poder e foi justamente este o motivo desencadeador que levou à Revolta Liberal. No final de 1841, foram elaborados projetos que retomavam o programa centralizador defendido pelos conservadores pró-Portugal que dominavam o Ministério naquele período, mais expressivamente a lei 261, de 3 de dezembro de 1841, que reformava o Código do Processo Criminal, uma lei reacionária que amputava os avanços liberais do Código Penal de 1830 (monumento de reforma e modernização do poder judicial e da sociedade brasileira), e a decisão avivou o partido liberal.

Logo que Tobias de Aguiar tomou posse, em 17 de maio de 1842, em Sorocaba, o movimento liberal já ameaçava algumas cidades desde fevereiro, mas ganhou ainda mais força e começou a se espalhar rapidamente em outras cidades da Província e em Minas Gerais, sendo Piracicaba uma delas. A força militar que avançava até São Paulo foi denominada de Coluna Libertadora, comandada por Tobias de Aguiar e composta de 1500 homens, todos estes empenhados em invadir São Paulo e depor o Barão de Monte Alegre, a quem Tobias de Aguiar chegou a chamar de “traidor, lambe-botas de Pedro II”.

Em 14 de junho de 1842, um pouco antes da batalha, casou-se tardiamente aos 47 anos com Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, ex-amante de Dom Pedro I e com quem já tinha seis filhos. Foi durante este período, entre 15 a 20 de junho, que as últimas batalhas aconteceram e acabaram levando à derrocada final dos revolucionários.

Liderados por militares de alta estirpe, como o Barão de Caxias, Luís Alves de Lima e Silva, os partidários do governo foram desmantelando o levante liberal em cada cidade dos arredores da província, bem como na capital, onde se localizava o coração da revolta, liderada por Tobias de Aguiar.

Depois de travada a batalha com as tropas do Barão de Caxias, Tobias de Aguiar, já derrotado, fugiu do campo de batalha no intuito de chegar ao Rio Grande do Sul e juntar-se aos farroupilhas, planejando futuramente voltar à São Paulo. Porém, quando já havia chegado no Sul, acabou sendo detido em Palmeira das Missões e levado até Fortaleza da Laje, uma pequena ilha no Rio de Janeiro, e lá permaneceu preso. Em 20 de junho, o último dia da batalha, Barão de Caxias invadiu Sorocaba e prendeu o Padre Antônio Feijó, que durante este período havia ficado hospedado na casa de Tobias de Aguiar escrevendo colunas revolucionárias para o jornal ‘O Paulista’, de alto teor combativo e separatista.

Devido ao curto período da revolta, apenas quatro edições deste jornal tiveram a redação do Padre Antônio Feijó. Já em Piracicaba, os liberais que haviam tomado Vila da Constituição desde 20 de maio acabaram abandonando-a no dia 16 de junho, voltando então a Vila à normalidade.

Tobias de Aguiar ficou atrás das grades por pouco tempo. Logo recebeu anistia, em 1844. Sendo o chefe mais popular do Partido Liberal Paulista e considerado um dos homens mais populares da pátria, ao sair da prisão, foi recebido de braços abertos por uma multidão em São Paulo.

Ele se tornou o patrono da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com nome homenageando o Batalhão Tobias de Aguiar, responsável pela ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). Morreu em 7 de outubro de 1857, aos 63 anos, enquanto fazia uma viagem de Santos para o Rio de Janeiro a bordo do vapor Piratininga, supostamente acometido de uma grave moléstia.

Armamentos deterioradosO último ofício enviado pelos membros da Câmara de Vila da Constituição ao Presidente da Província, tratando de questões relacionadas à falta de armamentos na Vila, mostra que o receio sobre caso algo inesperado acontecesse e que exigisse medidas defensivas:

“A Câmara Municipal desta Vila representa à Vossa Excelência a necessidade que há de armamentos, equipamentos e munições de guerra, visto que do armamento que aqui existia, uns estão deteriorados e outros os sediciosos se apoderaram deles, e apesar do Município atualmente gozar de tranquilidade, receamos que em algum imprevisto a Guarda Nacional não poderá prestar auxílio necessário, visto a falta de armamento e munição, e por isso a Câmara espera que Vossa Excelência irá providenciar a respeito.” (em transcrição livre)

Nos ofícios, fica revelada a situação interna de Piracicaba naquele período. Há expressa a ferrenha posição pró-governo de algumas autoridades políticas, bem como que outros vereadores e juízes de paz se revelaram apoiadores da revolução e respondiam as ordens de Rafael Tobias de Aguiar.

Vila da Constituição foi tomada por vários dias pelos rebeldes no ápice do tumulto. Depois que a revolta foi contida, a situação armamentista da comunidade ficou precária, já que muitos dos revolucionários tinham se apoderado dos equipamentos militares, restando aos membros da Câmara apenas equipamentos deteriorados.

Esta foi a participação da Piracicaba do Século 19 neste breve -- porém singular -- evento histórico que ocorreu no Estado de São Paulo. (Texto de Brenno Rodrigo Monteiro)

Achados do Arquivo
– A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo e de Documentação, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba. Ela traz publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo do Legislativo.



Revisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337


Achados do Arquivo Documentação

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