PIRACICABA, QUINTA-FEIRA, 28 DE MARÇO DE 2024
Aumentar tamanho da letra
Página inicial  /  Webmail

24 DE NOVEMBRO DE 2021

Individualismo, fome e crueldade: reflexões sobre a força do coletivo


Durante roda de conversa na Escola do Legislativo, na segunda-feira (22), educadores apontam críticas à cultura do mérito pessoal.



EM PIRACICABA (SP)  

Salvar imagem em alta resolução

Roda de conversa pode ser acessada no canal da Escola do Legislativo no Youtube





O dito popular afirma que “Deus ajuda quem cedo madruga?”, em uma alusão a que o esforço individual é suficiente para receber bênçãos, as quais, em uma sociedade calcada no materialismo, significam acumular bens ao longo da vida. A força e responsabilidade do coletivo diante do sofrimento alheio foram refletidas durante roda de conversa, na tarde de segunda-feira (22), na Escola do Legislativo “Totó Danelon – Antonio Carlos Danelon”, da Câmara Municipal de Piracicaba.

“Quem são aqueles que merecem e conquistam uma vida digna ou não”, questiona Rafael Gonzaga, doutor em história social pela PUC-SP. Ele exibiu dois vídeos para embasar o contraponto entre o discurso do mérito individual, “em que todos podem, é só querer”, e um sistema político-econômico em que a exploração está em todas as esferas da sociedade, família ao trabalho, passando pela estrutura das cidades.

Doutor em Ciência Política pela USP, Tiago Lazirer reflete o mérito individual a partir da pandemia, cujo impacto teve diferentes dimensões de acordo com as condições de acesso material de cada indivíduo. “Uma menina de 16 anos, que era abusada pelo pai, via a possibilidade de sair de casa como um escape. Com o isolamento, ficou presa à sua casa, sofrendo ainda mais com a situação, o que a levou a tentar suicídio”, diz, ao explorar o tema a partir de uma situação extrema.

Neste sentido, Lazier reflete que considerar somente o esforço individual, sem analisar o contexto social, se torna uma forma de crueldade. “Devemos problematizar esse raciocínio (do mérito pessoal), porque ele simplesmente não faz sentido”, destacou, ao defender que “somos todos interdependentes”. “É preciso criar condições coletivas para que o esforço individual nos recompense”, definiu.

“A fome é como a pandemia. Se você nasce em uma família que tem dificuldade de se sustentar, você está vivendo em uma situação análoga à pandemia. A falta de saúde, de educação e onde informação é chave para emprego melhor, sua capacidade de se autoajudar é extremamente limitada”, acrescenta.

Célia Regina Rossi, coordenadora da Rede Acampa pela Paz e o Direito a Refúgio – Brasil, analisa que o pensamento embutido no dito popular “individualiza as situações de sofrimento como se fossem um problema apenas do pobre”. Mas ela exemplificou com a situação em que são oferecidos cursos gratuitos a estudantes de classe pobre, mas somente isso não é suficiente. “Ele precisa de mobilidade, ele precisa de mecanismos educativos, como acesso à internet”, acrescenta.

Retomando a situação imposta pela pandemia, ela lembra de casos como uma mãe que tinha apenas um celular, mas três filhos em aulas on-line. “Independente onde o indivíduo mora, o papel do Estado é dar condições a pessoas de diferentes esferas”, enfatizou, ao cobrar a responsabilidade do poder público na igualdade social.

Mediador da roda de conversa, o professor de Pós-Graduação em Educação na Unimep, Josué Adam Lazier, destacou que a coletividade “ocorre em um chão histórico”. Graduado em Teologia, ele critica o discurso político-religioso homogêneo, que cria polarização ao ser pura e simplesmente, “definindo o que é bem e o que é mal”, pontua. “Eu defendo um discurso polifônico, de vários sentidos”, diz.

Adam Lazier utiliza a capacidade de mobilização social como instrumento para construção de um discurso que, ao mesmo em que absorva diferenças, consiga ter uma unidade em torno das necessidades coletivas. “Há movimentos neste sentido, como a aglutinação de movimentos sociais e populares, que não abandonam seus discursos, mas consegue integrá-los, por isso defendo a polifonia”, concluiu.

A roda de conversa integra um ciclo intitulado “Política, religião e futebol se discute, sim!”, em que a Escola do Legislativo estimula uma conversa mais informal em torno de necessidades urgentes da sociedade.

A íntegra da palestra pode ser assistida no YouTube, no canal da Escola do Legislativo, basta clicar neste link.



Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Supervisão:  Rodrigo Alves - MTB 42.583


Escola do Legislativo

Notícias relacionadas