
04 DE JULHO DE 2025
Processo que relata um assassinato em outubro de 1913 é o destaque da série Achados do Arquivo desta semana
Processo que relata assassinato em outubro de 1913 é o destaque da série Achados do Arquivo
Piracicaba, 30 de outubro, 1913. Por volta das 17h30, estrondos de tiros ecoam pela rua Boa Morte. Um homem caído na sarjeta, com um ferimento na cabeça, e outro, com um ferimento na perna, sendo conduzido ao Delegado de Polícia. Este é o cenário inicial que originou um processo-crime, registrado no início Século 20, onde estão relatados o contexto, precedentes e consequências desta cena.
A série “Tribunal do Júri – Capitão Rodrigo Alves Nogueira” é o destaque do Achados do Arquivo desta semana, uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba com o objetivo de divulgar documentos históricos preservados no Legislativo municipal.
O homem preso em flagrante era um fazendeiro de 59 anos de idade, identificado como Capitão Rodrigo Alves Nogueira. Suas declarações, corroboradas por depoimentos de testemunhas oculares, permitem um primeiro vislumbre do que aconteceu naquela tarde de 1913:
O Capitão Rodrigo estava na frente da sua casa, localizada na rua Boa Morte, encostado em um poste de luz elétrica, quando, vindo do centro da cidade, em um trole (meio de transporte de tração animal), apareceu Julio Corrêa de Godoy, que freou o animal e, sem dizer uma palavra sequer, desfechou tiros contra Rodrigo. Buscando defender-se do ataque, Capitão Rodrigo também sacou seu revólver e, dentre as rajadas, duas balas acertaram os alvos, sendo que uma definiu um destino.
Os autos de corpo de delito, incluídos no processo, localizam com exatidão o destino cada uma dessas balas. Uma a face anterointerna, no terço médio, da coxa esquerda do Capitão Rodrigo Alves Nogueira, a outra na região temporal do lado direito a três centímetros acima da sobrancelha de Julio Corrêa de Godoy.
Segundo o laudo, Julio, acolhido na Santa Casa de Misericórdia, estava em condição gravíssima, com “pulso miserável” e “estado comatoso”. Logo, o auto de corpo de delito deu lugar ao auto de autópsia, com seu falecimento por hemorragia cerebral no dia 1º de novembro de 1913.
A assustadora cena, presenciada pelos moradores e transeuntes da rua Boa Morte, levou um homem a morte e outro a prisão. Sabe-se, portanto, as consequências do inesperado confronto, faltam agora os precedentes. E é no depoimento da testemunha Amalia Borges de Godoy, que se encontram as informações chaves para a definição do motivo:
“(...) há quinze anos casou-se com Julio Corrêa de Godoy com quem sempre viveu relativamente bem até que na fazenda de Rodrigo Nogueira onde Julio era administrador, deu-se um incidente que veio transtornar por completo a vida do casal; que tinha ido para a fazenda de Rodrigo em dezembro de 1911 e uns dois meses depois disto devido a corte que o mesmo Rodrigo lhe fazia teve com ele relações carnais, quais continuaram por todo o tempo em que esteve na fazenda (...)” (em transcrição livre)
Segundo Amalia, em dezembro de 1912 – menos de um ano antes do crime –, ela teve um “momento de alucinação” e contou para a mulher de Rodrigo a relação dos dois, o que causou um grande escândalo e, por consequência, a retirada de Julio da administração da fazenda e, então, naquele momento, ele soube da traição. Após o ocorrido, eles passaram um período separados, mas Amalia voltou à companhia do marido, com quem viveu até 28 de outubro de 1913. Sobre esse período reatados, ela diz:
“(...) Julio não lhe deixava faltar roupa nem comida, mas a maltratava muito dizendo-lhe que lá havia de matar aos poucos; que na terça feira última cansada dos maus tratos recebidos disse a Julio que iria abandona-lo tendo ele dito que poderia ir se embora; que nesse dia antes de Julio vir a cidade lhe disse que na volta ele não mais a encontraria em casa (...).” (Em transcrição livre)
Amalia realmente saiu de casa e foi nesse período, novamente separados, que ela soube de todo o ocorrido entre Julio e Rodrigo.
As alegações do réu, Capitão Rodrigo Alves Nogueira, muito se assemelham ao depoimento de Amalia, no que tange a relação extraconjungal mantida entre os dois, e ainda acrescenta que Julio por muitas vezes o ameaçou ou tentou agredi-lo.
O acontecido na rua da Boa Morte, apesar de repentino e inesperado, era uma agressão de um homem traído ao ex-amante de sua mulher. É impossível saber se Julio planejou o ataque ou o fez em acesso de raiva, afinal, único portador desta informação não sobreviveu. Mas talvez um simples infortúnio do destino tenha colocado o Capitão Rodrigo, encostado em um poste, enquanto Julio transitava em seu trole.
Rodrigo Alves Nogueira, réu, passou por todos os ritos do processo-crime, incluindo o tribunal do júri. Ao final, foi considerado inocente, por ter cometido o crime em defesa própria. Chegando-se assim ao fim de um crime ocorrido na Piracicaba do início do Século 20, ironicamente na rua denominada em homenagem daquela que roga por todos na hora da morte.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.