A proliferação de fotos e vídeos dos tempos atuais torna “inimagináveis” os períodos em que o registro da vida cotidiana não era tão corriqueiro. Mas por muitos séculos – e até há alguns anos atrás –, preservar em imagens os hábitos de um povo eram momentos raros; tão raros que, hoje, quando parte destas relíquias estão ao alcance da população, elas acabam representando verdadeiros furos no futuro, por onde o passado começa a jorrar.

Integrante do amplo acervo da Cápsula do Tempo do Sud Mennucci – aberta no ano passado, durante as comemorações do bicentenário da Independência do Brasil –, as séries que reúnem selos, fotos e postais preservam a iconografia de 1922, período quando a caixa foi lacrada na parede do prédio da escola estadual como parte das celebrações do centenário do Grito do Ipiranga. 

Este material está disponibilizado no site da Câmara, por meio do link ‘Acervo Histórico’, administrado pelo Setor de Gestão de Documentação e Arquivo. 

Dentre as 16 fotografias, uma das mais icônicas é logo a primeira do acervo, em que aparecem professores e estudantes da turma de 1921 da Escola Normal de Piracicaba. As características das roupas demonstram a formalidade que habitava aquele ambiente, quando meninos e meninas usavam gravatas. 

Nas imagens de personalidades da comunidade escolar do período tem uma do então diretor do grupo escolar, Honorato Faustino – hoje, ele próprio patrono de outra unidade de ensino, localizada no bairro São Dimas. A descrição revela os trajes típicos da década de 20 e ainda traz o destaque para o símbolo da coroação de Napoleão Bonaparte na folha onde a foto está colada.

Em um momento mais descontraído – mas não menos formal –, outra fotografia retrata um “jogo de bola” entre os alunos da Escola Normal de Piracicaba no pátio do recreio. No centro da imagem, alunos que participavam do jogo e uma moça segurando a bola e ao redor diversas pessoas assistindo. No muro da escola, pessoas sentadas assistindo e outras ainda subindo para se sentar. 

SELOS E POSTAIS – No tempo em que ainda não existiam e-mails – e nem mesmo os telefones eram populares –, as cartas eram o meio mais comum de comunicação entre pessoas à distância. Assim, selos e postais ganham importância na representação iconográfica daquela comunidade.

A Cápsula do Tempo do Sud Mennucci conta com diversos itens, com inúmeros selos que representam o período. Alguns deles se destacam, como os que foram feitos em comemoração ao Centenário da Independência, exibidos numa chamada ‘Exposição Nacional’, realizada entre os dias 7 de setembro a 15 de novembro – culminando com a data da Proclamação da República. 

No selo observa-se a imagem de uma mulher segurando a bandeira do Brasil e ao fundo silhuetas de monumentos referentes à data. Também aparece o nome da gráfica Pimento de Mello & Cia., estabelecida no Rio de Janeiro. 

Em outro exemplar dos 13 itens que integram a série de selos comemorativos daquela época, aparece a imagem de uma pessoa ajoelhada talando em pedra a inscrição “1822 Brasil 1922” e o texto: “Brasileiros! Honrai com o vosso trabalho a comemoração do centenário da Independência”.

Como uma homenagem às lideranças nacionais, uma coleção de selos com escritos em francês – a influência europeia é outra característica da época – traz todos os chefes estados do Brasil, incluindo desde Dom Pedro I e Dom Pedro II, passando por Floriano Peixoto, Campos Salles e, claro, Prudente de Moraes, o terceiro presidente da República Brasileira, tendo sido o primeiro civil.

Já os postais são representações iconográficas de acontecimentos históricos, sob o olhar de quem viveu o início do Século 20 no Brasil. Dentre eles, está ‘A Batalha de Avahy”, onde há uma reprodução da obra de Pedro Américo retratando um dos principais momentos da Guerra do Paraguai, onde estavam presentes ícones da história militar brasileira, como Duque de Caxias.

Capital do Brasil na ocasião, a fundação do Rio de Janeiro também é destaque entre os postais. O destaque é a reprodução da obra de arte de Antônio Firmino de Monteiro, de 1881, onde reproduz o que teria sido a fundação da cidade do Rio de Janeiro. O documento descreve que, para expulsar os franceses que haviam se estabelecido no Rio, Estácio de Sá fortificou-se na entrada da baia e, vitorioso, fundou a cidade no alto do morro do Castello em 20 de janeiro de 1567, Dia de São Sebastião, homenageado com o nome da cidade.

Chefe do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara, Giovanna Calabria reflete sobre a importância deste material para dar uma ideia às novas gerações como era a vida naquele início de século, não apenas em Piracicaba, mas também no Brasil de modo geral. “Há uma frase muito comum que diz que ‘a história é formada por milhões de documentos cotidianos’, então eu entendo que a Cápsula do Temo é isso: a comunidade guardou documentos daquilo que eles viviam e a gente conta estes fatos a partir deste acervo”, avalia. 

CÁPSULA DO TEMPO – A abertura da Cápsula do Tempo do Sud Mennucci, ano passado, integrou as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil, envolvendo uma ampla parceria que envolveu a diretoria da escola, o Museu Histórico e Pedagógico “Prudente de Moraes” e a Câmara Municipal de Piracicaba, com a participação do Departamento de Comunicação Social e do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo.

O material da cápsula foi disponibilizado no link Acervo Histórico do site oficial da Câmara e, ainda, foi realizada a exposição ‘Mistérios Revelados’, no Museu Prudente de Morais, em que o público pode ver parte dos originais. No mesmo período, permaneceu em cartaz a exposição “O Tempo e a História”, conduzida pelo repórter fotográfico Davi Negri, com fotos atuais do prédio da escola.