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02 DE OUTUBRO DE 2009

Psicóloga fala das dificuldades de se compreender o racismo no Brasil


A Psicóloga Ieda Medeiros Cordeiro Espírito Santo, ocupou a Tribuna Popular da Câmara de Vereadores de Piracicaba, na reunião ordinária de ontem (01/10), em nome do (...)



EM PIRACICABA (SP)  

Foto: Fabrice Desmonts - MTB 22.946 Salvar imagem em alta resolução


A Psicóloga Ieda Medeiros Cordeiro Espírito Santo, ocupou a Tribuna Popular da Câmara de Vereadores de Piracicaba, na reunião ordinária de ontem (01/10), em nome do Conselho das Entidades Sindicais de Piracicaba - Conespi, para se manifestar contra as práticas veladas de racismo no Brasil, como no recente caso de violência ocorrido nas dependências do Carrefour da cidade de Osasco, onde um cidadão negro foi agredido por seguranças do Hipermercado e, acusado pela polícia militar de tentar roubar o próprio carro, enquanto aguardava sua esposa que fazia compras. O caso foi exibido na TV Globo, Jornal Nacional, pelos jornalistas William Bonner e Fátima Bernardes (conforme vídeo abaixo). Na Câmara de Piracicaba, o plenário aprovou Moção de Apelo, de autoria do vereador José Antonio Fernandes Paiva (PT), à Secretaria de Segurança Pública, para apurar o caso. Por determinação da Mesa Diretora da Câmara, a fala de Ieda Medeiros foi incluída na ata da Ordem do Dia, constando nos anais históricos do legislativo piracicabano.  

  

Para Ieda Medeiros, o preconceito racial no Brasil é um fenômeno difícil de ser compreendido, percebido e, consequentemente, enfrentado. Talvez isso ocorra em função da forma como quase que imperceptível e inconscientemente se promove mecanismos que se ancoram na manifestação explícita de afeto e simpatia, na familiaridade que passa uma sensação de não existência e naturalidade.

 

Ieda diz que o sentimento e aparência, resulta na ação ou na falta de uma, no que diz respeito a tomar providências quando as situações que ocorrem os casos de racismo.  Ieda considerou observadores perplexos, que apenas expressam palavras vagas como: "que horror, em que mundo nós estamos, como pode". Entretanto essas palavras ficam no ar, sem efeito e sem eco suficiente capaz de provocar movimento das águas.

 

A consideração é que em pleno século 21, as pessoas apesar de afirmarem que não existe racismo no Brasil, percebem racismo em outras pessoas exceto em si próprias. A pergunta é como podemos perceber esse assunto, que é complexo e confuso, o que dificulta ainda mais a concretização de medidas que contribuam para a mudança desse quadro.

 

Sobre o incidente de racismo em Osasco, Ieda considera que em função disso, quando presenciamos um caso desses, não podemos nos calar, principalmente em ver uma mãe preocupada com o futuro dos filhos, já prevendo que esse ciclo maldoso, pernicioso não vai parar: "Pode acontecer com os meus filhos, porque eles são negros.... Até quando isso vai acontecer", indaga a mãe.

 

Para Ieda, a angústia revelada por essa mãe nos leva a pensar nas dificuldades da população negra para construir uma identidade positiva que sirva de mola propulsora para um empenho ético e político na realização das escolhas, absolutamente livres e impreteríveis, por meio das quais possa inventar a si mesmo e o seu mundo a fim de melhorar sua condição social.

 

Ieda mostra que um olhar mais apurado sobre a situação permite entender que a violência racista, bem como outras formas fundamentalistas de segregação, esconde uma causa real, que é a incansável busca em destruir o processo de individuação, da identidade do sujeito, no caso do negro, por meio de uma introjeção de valores morais, éticos e sociais que nem sempre correspondem aos seus anseios e desejos. Em contrapartida a esses valores, idealizados por outro sujeito, podem levar à interpretação e sentimento de não pertença de nenhum outro grupo que não seja o seu próprio, no caso, a minoria dominante branca.

 

Esses valores, em seu caráter ideológico, acabam exercendo um poder de persuasão, que fixa os indivíduos em um lugar sem identidade e sem vínculo afetivo que o faça sentir parte deste lugar. A situação aqui reportada revela o quanto esses acontecimentos deixam marcas e estão presentes no processo de construção da identidade do negro.

 

Para Ieda, a condição do negro no Brasil é problemática, o que dificulta o processo de transformação, crescimento e maturação das crianças, especialmente daquelas em situações de risco, como a que presenciamos. Precisamos abordar algumas das possibilidades de desenvolvimento, procurando os espaços nas quais as pessoas possam ter garantido o seu direito de serviços de bem-estar que, apesar de viverem numa cultura individualista que é pouco sensível à solidariedade, possam perceber mudanças internas que acompanham este processo, e possam vivenciá-lo de forma positiva, como um movimento em direção à totalidade, por meio de uma integração de partes conscientes e inconscientes das personalidades.

 

Segundo Ieda, não é raro vermos famílias negras, que procuram esconder ou que quando surgem conversas sobre preconceitos, essas recebem tratamento de desdém ou como algo engraçado, divertido, cômico.  A forma como se elabora o preconceito na sociedade parece fazer parte de um inconsciente coletivo, uma vez que a mesma acontece de forma velada, minimizada e politicamente correta.  Por conta dessa pressão, muitas pessoas só passam a se ver como negras quando sofrem algum tipo de discriminação. Até então, se vêem como morenas ou até mesmo pardas. Na realidade, isso nada mais é do que uma fuga da discriminação que leva indivíduos a se identificaram com símbolos ligados ao grupo dominante.

 

Racismo silencioso

 

Ainda sobre as crianças, Ieda toma em conta as palavras de Ferreira, em seu livro: O brasileiro, o racismo silencioso e a emancipação do afro-descendente, que fala sobre o racismo silencioso. Segundo ele, dentre os espaços favoráveis às distorções dos referenciais da comunidade negra, está a escola, a qual é um microcosmo da sociedade que rodeia a criança, reproduzindo de maneira subliminar uma imagem caricatural do negro, estimulando os estereótipos de submissão do afro-descendente. Tudo isso, apoiado numa visão de mundo eurocêntrico, que cria um processo pedagógico que leva a pessoa negra a não reivindicar os seus referenciais culturais e seus interesses políticos e sociais. Além disso, os padrões de beleza derivados da estética branca são usados como referência correta e positiva em contraposição a uma estética negra considerada primitiva, menor e exótica.

 

Em sua pesquisa, Ferreira também conta um episídio de uma das mulheres entrevistadas que se esfregava muito quando começou a tomar banho sozinha pois achava que a cor da sua pele era sujeira. O que revela uma maneira de aproximação de criar alguma ligação, uma identificação com padrões estereotipados da cultura dominante, a saber - branca.

 

Segundo Ieda, toda essa influência recebida faz com que as pessoas negras internalizem conceitos que a desqualificam enquanto pessoa, e as qualificam como "raça" inferior o que justifica uma busca por outros ideais que não sao os seus. O racismo é um crime hediondo, previsto no Código Civil Brasileiro, que infelizmente permeia nossa sociedade, pois, dentro da lógica capitalita os negros e as negras são sempre considerados "suspeitos".

 

Dentre desse contexto, cabe efetuar uma reflexão muito séria: em que medida o tratamento da questão racial, de forma velada e minimizada está contribuindo para o processo de desconstrução de indentidade do negro? Até quando essa postura, politicamente correta, de afirmarmos que o Brasil é um país desprovido de preconceito vai camuflar posturas e atitudes que revelem o contrário do postulado?

 

"Como cidadãos responsáveis e comprometidos com a defesa dos direitos humanos, temos o dever de repudiar e pensar nas consequências psicológicas causadas pela intolerãncia racial presente em nossa sociedade", finalizou. 

 

Martim Vieira Mtb 21.939

Fotos: Fabrice Desmonts Mtb 22.946



Texto:  Martim Vieira - MTB 21.939


Câmara Legislativo

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