23 de setembro de 2025

Política Municipal de Cuidados: reunião antecede apresentação de projeto de lei

Rai de Almeida promoveu discussão sobre proposta voltada às pessoas que se dedicam ao trabalho de cuidar do lar, da família e de indivíduos sob sua responsabilidade

Prestes a ser protocolada na Câmara, a proposta da vereadora Rai de Almeida (PT) para que Piracicaba passe a contar com uma Política Municipal de Cuidados recebeu novas contribuições. A ideia é de que o projeto de lei traga diretrizes e princípios que guiem o Executivo na criação de um plano com ações voltadas às pessoas que se dedicam ao trabalho —não remunerado e, muitas vezes, invisibilizado— de cuidar do lar, da família e de indivíduos sob sua responsabilidade.

A reunião realizada na Câmara na tarde desta terça-feira (23) deu continuidade às discussões que Rai de Almeida têm promovido sobre o tema, a exemplo do evento em Piracicaba, em março do ano passado, que teve a presença da secretária nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres, Rosane Silva. Na ocasião, o debate antecedeu a entrada em vigor da Política Nacional de Cuidados pela lei federal 15.069/2024, publicada em dezembro e depois regulamentada em julho.

"Chamamos esta reunião para coletivizar a discussão das políticas públicas de cuidado. Trazemos neste projeto a conceituação, as diretrizes, os objetivos e os princípios de uma Política Pública Municipal de Cuidados. Como a lei nacional já faz o indicativo de que vai avançar a partir da adesão dos estados e municípios, então nada melhor do que ter esse debate", comentou Rai de Almeida.

A minuta apresentada durante a reunião diz que uma Política Municipal de Cuidados deve promover "a superação da divisão sexual e racial do trabalho" e "a distribuição das tarefas de cuidado entre todos os sujeitos da sociedade", além de dar direcionamento prioritário das políticas públicas a quem trabalha, de forma remunerada ou não, no cuidado de outra pessoa, algo hoje "exercido majoritariamente por mulheres em funções como mães, avós, domésticas, babás, cuidadoras, professoras e enfermeiras".

Rai de Almeida disse que os debates em torno do tema colaboraram para ampliar o conceito da política de cuidados. "Quando falamos do cuidado das crianças, precisamos falar de educação e saúde. Quando a criança está doente, quem a leva para o atendimento é geralmente a mãe. Quando pensamos numa mãe solo, se ela não tiver uma escola em tempo integral para seu filho, com horário estendido de funcionamento, ela vai ter uma série de dificuldades e restrições para ter um trabalho, melhorar sua formação, ter lazer e vida social", exemplificou.

NÚMEROS - Com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), a vereadora chamou a atenção para o fato de a dedicação ao cuidado do lar e da família ter "diferenças gritantes" conforme o gênero, a raça e a classe social. "Em 2021, 30% das mulheres em idade ativa não estavam procurando emprego devido às suas responsabilidades com os filhos. Entre as negras, eram 32%, enquanto entre as brancas, 26,7%. E, entre os homens, apenas 2%", comparou.

Ao mencionar outro dado, de 2019, que aponta que as mulheres brasileiras dedicaram ao cuidado de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro do tempo que os homens (21,4 horas contra 11 horas semanais), Rai de Almeida defendeu a necessidade de "buscar o compartilhamento desse trabalho com todos os membros da família".

"Entre as mulheres negras, são 22 horas semanais. Entre as mulheres com renda inferior a um quarto do salário mínimo, sobe para 25 horas. Já entre as que têm renda de mais de oito salários mínimos, são 14 horas. Ou seja, quanto mais vulnerável a mulher, maior a dedicação dela ao trabalho do cuidado", observou a vereadora.

"A Polícia Nacional de Cuidados exige que coloquemos sobre ela a questão de gênero, raça e classe social, porque temos como comprovar largamente que no Brasil a questão do cuidado tem essas características", acrescentou a socióloga Fernanda da Silva Souza, durante a reunião. Pesquisadora do tema, ela defendeu a importância de uma Política Municipal de Cuidados, pois "dá respaldo a mulheres e homens", já que estes "também se prejudicam, como quando têm dificuldade para o autocuidado".

Fernanda destacou que a Política Nacional de Cuidados tem como fundamentos "quatro Rs": "reconhecer o que está acontecendo, reduzir quem está com sobrecarga, redistribuir as responsabilidades e recompensar esse trabalho". "A Política Nacional de Cuidados está nascendo no bojo de políticas fiscais que estão reduzindo políticas sociais, sendo que investir em política social gera renda. Não tem como fazer políticas públicas sem olhar para as que já existem, pois são elas que vão garantir a redistribuição e reduzir o trabalho das mulheres", afirmou.

A socióloga observou que, no Brasil, predomina o olhar de que o cuidado é função somente da família, ignorando o dever do Estado em prover serviços que reduzam essa carga sobre as pessoas. "O que a Política Nacional de Cuidados traz como novidade é que ela olha igualmente para quem está sendo cuidado e para o direito de quem cuida. Liberar tempo para as mulheres não é um favor. Os serviços precisam assumir a maior parte do trabalho quando a mulher 'não dá conta'. Primeiro, é uma mudança cultural que deve haver, de as outras partes olharem para essa obrigação e se sentirem parte disso, eticamente."

Segundo a pesquisadora, há hoje uma "crise do cuidado", em que "existe mais demanda de cuidado do que oferta dele, inclusive no serviço público". "Quem está resolvendo a crise do cuidado são mulheres, negras e pobres, que garantem que homens estejam na linha de produção, fazendo sucesso como CEOs sem saber o nome da faxineira que limpa seu local de trabalho. É o trabalho dessas mulheres que sustenta o mundo e precisa ser reduzido, redistribuído e recompensado", afirmou.

Outras mulheres que participaram da reunião também colaboraram na discussão. "É uma discussão importante porque podemos contribuir com nossas vivências, pois a mulher tem a sobrecarga da responsabilidade com o cuidado da casa, dos filhos, da família", pontuou a assistente social Fabiana Menegon, coordenadora do Cram (Centro de Referência de Atendimento à Mulher). "Na 5ª Conferência Municipal da Mulher, em julho, um dos eixos era 'Cuidar de quem cuida'. E uma das propostas aprovadas por unanimidade foi a necessidade de uma Política Municipal de Cuidados, o que vem referendar essa proposta", completou.

Katia Del Monte, que integra a Pastoral da Terra, mostrou preocupação com o preparo dos serviços públicos para cuidar das pessoas. "Hoje, as unidades de saúde funcionam das 7h às 16h, um horário em que a maioria das mulheres está trabalhando. Ela tem que sair mais cedo do trabalho ou então descontam o seu dia, o que é bem pesado", exemplificou.

"Passando o projeto, terá de haver prioridades: me preocupo com os idosos, com as famílias que, em último caso, vão desesperadamente procurar asilos. Hoje a única 'creche' para idosos só atende quem está em situação de risco, em total vulnerabilidade", relatou Maria de Fátima dos Santos, da Pastoral de Ecologia e Saúde.

Texto: Ricardo Vasques - MTB 49.918
Supervisão: Rodrigo Alves - MTB 42.583

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