29 de setembro de 2025

Palestra na Escola do Legislativo discute Cultura Oceânica e mudanças climáticas

Atividade nesta segunda (29) trouxe membros do Centro de Referência em Ensino de Ciências da Natureza da Esalq/USP e debateu estratégicas educacionais sobre o tema

Geleiras e mares podem ser física e até cognitivamente distantes para quem mora no interior do Brasil, acostumado com climas e paisagens tropicais, às vezes áridas. No entanto, eles se interligam de formas muitas vezes inesperadas, evidenciando que o mundo é um só, a despeito das divisões geográficas e segmentações políticas.

Tanto é verdade que a fuligem proveniente de queimadas, poluição e desmatamentos que ocorrem em regiões tropicais e subtropicais pode resultar, nas zonas polares, em um fenômeno denominado "neve negra", que favorece o acúmulo de calor e o consequente derretimento das geleiras:

“Mais recentemente, há vários estudos de que as queimadas que ocorrem principalmente nas regiões de trópicos, como para limpezas de florestas e aberturas de terrenos agrícolas, contribuem, sim, para o derretimento das geleiras. O que acontece: as fuligens das queimadas não ficam só restritas aqui, elas percorrem o mundo todo pela atmosfera e podem cair justamente em lugares com gelo e neve, como as geleiras. Esse fenômeno se chama neve negra”, explica Levi de Zen Itepan, biólogo e aluno de Prática Profissionalizante do Centro de Referência em Ensino de Ciências da Natureza (Crecin), da Esalq/USP.

A explicação foi dada no contexto da palestra intitulada “As mudanças climáticas no derretimento das geleiras e a sustentabilidade dos oceanos”, promovida na tarde desta segunda-feira (29) pela Escola do Legislativo, que também contou com a participação da Professora Doutora Rosebelly Nunes Marques, responsável pelo Crecin, e de Charles Albert Medeiros, mestrando pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades CENA/Esalq e membro do Centro.

“A Escola do Legislativo é uma escola cidadã, que traz várias temáticas, e receber vocês aqui para debater esse tema é muito importante”, disse a vereadora Silvia Morales (PV), do mandato coletivo A Cidade é Sua e Conselheira da Escola do Legislativo, na abertura da palestra.

Mudanças Climáticas - A atividade buscou destacar como as mudanças climáticas, ainda que às vezes inicialmente apenas visíveis em pontos distantes, impactam diretamente o cotidiano global, resultando em consequências muitas vezes catastróficas e de grandes proporções.

Embora o clima da Terra tenha passado por diversas alterações ao longo dos milênios, a questão central agora é a velocidade com que essas mudanças nos padrões climáticos e na temperatura média do planeta ocorrem:

“O clima vai mudando ao longo do tempo, mas a diferença é que, desde a revolução industrial do século XIX, a principal causa que tem acelerado as mudanças climáticas é a queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e o gás natural. Os principais gases que estão sendo liberados na atmosfera são o dióxido de carbono e o metano. E qual o problema? Essas mudanças estão sendo muito aceleradas, e os sistemas da Terra não estão comportando essa velocidade de alteração”, aponta Itepan.

De acordo com o biólogo, o aumento de incêndios florestais, o branqueamento dos corais, as secas prolongadas e as grandes enchentes, como as que assolaram o estado do Rio Grande do Sul em 2024, são alguns dos exemplos diretamente perceptíveis dos impactos dessas mudanças.

Outro ponto notável, e um marcador dessas alterações, é o derretimento da Criosfera (a porção da Terra que contém gelo, como geleiras e glaciares).

Seu derretimento não só resulta na perda de ecossistemas glaciais, como também está intimamente ligado à elevação do nível do Oceano, ao alagamento e à destruição de ecossistemas costeiros, podendo ter como consequência, até mesmo, a reintrodução de patógenos e outros elementos químicos até então congelados.

"97,5% da água do planeta é salgada e está nos oceanos, e apenas 2,5% é água doce. No entanto, essa água doce não está disponível e acessível, já que cerca de 70% dela está na forma de geleiras, que são a principal fonte e reserva de água doce. No mundo inteiro as geleiras estão começando a desaparecer, e toda essa reserva de água doce está indo para o Oceano, virando água salgada. Assim, você tem crises hídricas, problemas de abastecimento de água para a agricultura e assim por diante", acrescenta.

O papel da educação - Diante de um cenário que demanda ações concretas, a educação e a capacitação de professores para levar esse conhecimento e essa preocupação adiante se mostram mais do que necessárias: “Sozinhos não temos nada. Ninguém consegue fazer nada sozinho. Precisamos unir as forças para que possamos fazer realmente alguma diferença. E essa diferença se faz no ‘pequenininho’ mesmo, naquilo que a gente consegue fazer e que está ao nosso alcance”, destaca a professora Rosebelly Nunes Marques.

Durante sua exposição, ela realizou um resumo das diversas atividades realizadas pelo Centro de Referência em Ensino de Ciências da Natureza desde 2011. “A nossa frente é a formação de professores, inicial e continuada, e também o apoio. Nós criamos oportunidades para formar os professores em formação nas universidades e também para os professores em exercício, que têm a oportunidade de conhecer os materiais e projetos que fazemos e, se têm interesse, podem levar para suas salas de aulas. A nossa contribuição maior é socializar esse conhecimento, é socializar essas práticas”.

De acordo com a coordenadora do Crecin, o grupo busca a ampliação das chamadas metodologias ativas, “dentro daquilo que o professor tem dentro da sua sala de aula. Não adianta propormos algo muito difícil, que demande muitos recursos. Eu preciso propor coisas simples, materiais simples que fazemos”.

Parte deste material -como jogos educativos feitos com plásticos reaproveitados e impressões plastificadas, a fim de serem o mais duráveis possível - foi apresentado aos participantes após a palestra.

O trabalho do grupo tem sido reconhecido nacional e internacionalmente, a exemplo de selos da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), como, em 2022, do “Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável” e, em 2025, pelo “Ano Internacional da Preservação de Glaciares”, “Ano Internacional das Cooperativas” e da “Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável”.

Cultura Oceânica - A formação de alunos e professores também tem como um de seus pontos altos a familiarização com a chamada “Cultura Oceânica”, que, de acordo com o mestrando Charles Albert Medeiros, visa promover a conscientização da influência do Oceano na humanidade e da influência da humanidade no Oceano.

Ele ressalta que a cultura oceânica vai muito além de uma relação de proximidade física e geográfica com os mares, como aquelas vivenciadas por quem mora em uma cidade litorânea, com impactos diretos na vida global.

De acordo com Medeiros, a cultura oceânica conta com sete princípios essenciais: “a Terra tem um Oceano global e muito diverso; o Oceano e a vida marinha têm uma forte ação na dinâmica da Terra; o Oceano exerce uma influência importante no clima; o Oceano permite que a Terra seja habitável; o Oceano suporta uma imensa diversidade de vida e de ecossistemas; o Oceano e a humanidade estão fortemente ligados; há muito por descobrir e explorar no Oceano”.

“Esses princípios falam praticamente de tudo, desde a questão de que é o Oceano que permite a vida na Terra, por questões climáticas, alimentação, transporte e assim por diante, até questões em que nós estamos fortemente ligados ao Oceano, não apenas na questão turística, mas quando falamos em Oceano temos questões ligadas à memórias afetiva, olfativa, auditiva”, diz.

É nesse contexto que nascem as Escolas Azuis, que são unidades educacionais que, dentro de seus currículos, já têm inseridos os contextos de ensino sobre o Oceano. “No Brasil já existem Escolas Azuis, instituições públicas e privadas parceiras das Escolas Azuis e, além disso, o Governo Federal, neste ano, já assinou a proposta de inserção do currículo Azul, em âmbito nacional, para todo o país trabalhar este tema”, explica Charles Albert Medeiros.

De acordo com ele, esse ensino é de extrema relevância para a população brasileira, já que boa parte dela vive próxima às zonas litorâneas:

“O Brasil hoje é um país que tem a maior parte de sua população inserida no litoral ou em cidades próximas. Quando falamos em derretimento de geleiras, parte dessas cidades tende a desaparecer. E para onde essas pessoas vão migrar? Além disso, parte dessas cidades tem uma questão histórica, de patrimônio, de onde começou o Brasil. Hoje também existem cooperativas de pescadores, de coletores de mariscos. E o que eles terão como base de sua subsistência? Esses são processos que passamos a refletir quando pensamos no Oceano como algo do nosso cotidiano”.

Ainda segundo Medeiros, desde março deste ano, o Crecin realizou 51 ações que envolveram 5984 participantes. Deste total, 22 foram realizadas escolas municipais de Piracicaba, sete em escolas particulares da cidade, além de duas ações em parceria com o Museu Prudente de Moraes e a “Feira Eureca”, junto com a Secretaria Municipal de Educação.

“Na rede municipal de educação já trabalhamos com 3395 alunos e 115 professores, desde o ensino infantil até o ensino superior. Mas a ideia, como a professora Rosebelly disse, é deixar os recursos disponíveis. Quando conversamos com as escolas, deixamos o convite aberto para que conversem conosco para fazermos formações exclusivas com os professores, no sentido de explicar como os materiais são feitos, as bases de dados pesquisadas, como pensar em alternativas cabíveis para a escola. Trabalhamos esses conceitos para ajudar o professor”, acrescenta.

A palestra foi transmitida ao vivo e está disponível no canal do YouTube da Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Piracicaba.

Texto: Fabio de Lima Alvarez - MTB 88.212
Supervisão: Rodrigo Alves - MTB 42.583