
21 DE JUNHO DE 2023
Roda de conversa abordou a importância de São Benedito para a comunidade negra, a história das Irmandades Negras e a restauração da igreja
História da Igreja São Benedito foi abordada em roda de conversa
Imóvel tombado desde 2002 como Patrimônio Histórico Cultural de Piracicaba, a Igreja São Benedito faz parte do Rotas Afro, movimento de afro-turismo que conta as histórias negras de quatro cidades do interior paulista: Piracicaba, Campinas, Rio Claro e Vinhedo.
A história da Igreja São Benedito e a importância do santo para a comunidade negra foram abordadas na roda de conversa “Rotas Afro nos arquivos da Câmara Municipal de Piracicaba”, promovida pela Escola do Legislativo “Antonio Carlos Danelon - Totó Danelon" e realizada na tarde do último dia 6 de junho.
Na ocasião, o encontro foi sediado na Igreja onde foram apresentados registros presentes no acervo da Câmara referentes aos locais que compõem as Rotas Afro em Piracicaba.
Acervo – O servidor do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara, Bruno Didoné de Oliveira, leu um trecho de sessão ordinária de 5 de maio de 1888 que chamou a atenção por demonstrar, no mínimo, “uma má vontade da Câmara e do poder da época com a Irmandade de São Benedito e, consequentemente, com a população negra”.
Segue a transcrição do trecho original:
“Sessão ordinaria do dia 5 de Maio de 1888.
O Senhor Vereador Manoel Pedreira apresentou a seguinte: Indico que Camara mande demolir um cerco de taipas que existe atraz da igreja de São Benedito, visto como [advirá] dessa demolição - conveniencias ao transito publico e céssão os actos offensivos a moral que n’aquelle logar praticam pessoas do povo.
Paço da Camara, 5 de Maio de 1888. Manoel Pedreira.
Discutido, ficou autorisado o Senhor Presidente para entender-se com o representante da irmandade de São Benedicto, e no caso de recusa promover a desapropriação. E nada, mais havendo foi lida, approvada e assig- nada esta acta em sessão do dia seis de maios de 1888.
Eu, José Antonio d’Oliveira Silveira, Secretário a escrevi.
Irmandades - A produtora cultural e fundadora do projeto Rotas Afro, Julia Madeira, destacou a importância de São Benedito para a comunidade negra. “Sempre quando chego na igreja, falo desse contexto histórico, comento que antes de ser igreja era uma capela, Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, e após ser uma capela, acontece a construção da igreja”, relatou.
Julia Madeira observou que no altar da Igreja São Benedito em Piracicaba o santo não está com um pano, mas é muito comum São Benedito estar segurando Jesus com um pano na mão. “Eu sempre falo disso, eu falo que é o nosso único santo negro e são poucos os lugares que a gente não o vê segurando com o pano”, disse.
Segundo a produtora cultural, também é muito comum a imagem de São Benedito ficar nas cozinhas, cuidando de uma questão muito delicada para a comunidade negra: a alimentação.
A doutora e mestre em História Social, Marilda Aparecida Soares, participou do encontro como uma das facilitadoras. Ela relatou que a história da Igreja São Benedito tem “algo muito especial”, o fato de que as Irmandades Negras cumpriam uma função para além da religiosa. "Cumpriam uma função assistencial e agregadora e, em todos os locais onde houve ocupação no período colonial, vamos encontrar as Irmandades Negras”, afirmou.
Em suas pesquisas, a historiadora encontrou registros de que, quando chegou a notícia da abolição da escravatura em Piracicaba, os negros se reuniram para prestar homenagens na porta da Igreja São Benedito. “Segundo as pesquisas de João Nassif, a dona Idalina, que era a Baronesa de Rezende, fica bastante emocionada com as várias manifestações dos negros libertos aqui e ai ela encomenda uma imagem de São Benedito na Itália”, contou.
A imagem chegou a Piracicaba em 1889 e passou a ser a figura central da igreja de São Benedito.
Restauração - Na roda de conversa, o vereador Acácio Godoy apontou que o prédio da igreja passou por um processo de levantamento histórico para a recuperação. “Uma equipe foi contratada, fez um levantamento demorado, rasparam a parede para encontrar qual era a tinta que estava no fundo, quais eram as cores originais. Foi feito todo um levantamento e a igreja agora visa levantar os custos, o investimento para efetuar a recuperação”, afirmou.
Acácio Godoy relatou que a primeira etapa da recuperação do prédio é o levantamento: “Para saber qual era o fundo e o tijolo, já que ela não foi construída numa única época. Há outro pedaço construído décadas depois, sendo outro tipo de material usado”, explicou.
Rotas Afro nos arquivos da Câmara Municipal de Piracicaba – Realizada no início de junho, a roda de conversa foi mediada pelo vereador Acácio Godoy (PP) e teve como facilitadores a fundadora do Rotas Afro, Julia Madeira, e os especialistas Antônio Filogênio de Paula Junior e Marilda Aparecida Soares, que contextualizaram a origem afro no Brasil e em Piracicaba.
Os servidores Giovanna Fenili Calabria, Dayane Cristina Soldan e Bruno Didoné de Oliveira, do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara, apresentaram registros relacionados às rotas afro que estão no sistema ATOM (Acess To Memory), disponível no site oficial da Câmara Municipal de Piracicaba.
Registros da Câmara sobre os demais locais da Rotas Afro, a história de personalidades negras e o contexto da escravatura na cidade integram em uma série de reportagens publicadas pelo Departamento de Comunicação Social da Câmara.