Homenagem a padre Rafael recupera histórias de 5 anos em Piracicaba

"Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo do céu." (Eclesiastes, 3)

Padre Rafael tem 37 anos. Os cinco últimos, em Piracicaba, o aproximaram de outras vidas.

A começar pelo contato com Fernando, um jovem que morreu em decorrência de câncer. O religioso conheceu o garoto ao visitá-lo no Hospital dos Fornecedores de Cana, a pedido da assistente social.

"Há tempo de calar e tempo de falar."

– Fui lá, o Fernando estava jogando, não quis nem olhar para a minha cara. Entrei como quem não quer nada e, conversando, perguntei do jogo.

Foi o suficiente para o papo rolar, a amizade surgir e a oração ––os dois juntos–– acontecer. O reencontro foi o último pedido do jovem antes de partir. Na unidade de terapia intensiva, Fernando recebeu do sacerdote o sacramento católico que prepara para a ressurreição.

– Antes de morrer, ele pediu que queria ver 'aquele padre legal de novo' e aí fui dar a unção dos enfermos a ele, já na UTI, isolado. Foi gostoso perceber que, no pouco tempo juntos, pude marcar a vida dele.

A segunda história vem da vivência próxima a jovens infratores. Um deles, flagrado, foi apreendido. Coube ao pastor ir atrás daquele que se perdeu.

– Eu tinha arrumado um lugar para esse jovem se reabilitar, mas ele não conseguiu ficar, fugiu e acabou sendo preso.

Sobrou para o padre ter de ir à delegacia, colaborar com os trabalhos da polícia.

"Há tempo de procurar e tempo de perder."

– Depois de um ano e meio, ele me mandou uma carta pedindo perdão, porque tinha vergonha daquilo que tinha feito e de um dia poder perder o meu amor por ele. Eu disse: "Pelo amor de Deus, nunca!".

Outra lembrança, desta vez em uma das unidades do Colégio Dom Bosco.

"Há tempo de matar e tempo de curar."

– Um jovem passava pelo corredor, ele nem me cumprimentou. Foi reto, achei estranho.

O garoto planejava suicídio.

– Peguei no braço dele, ele puxou fora e, quando vi, havia marcas de corte no braço. Eu falei: "Cê é louco?", dei uma bronca nele.

Com amor e com bom humor.

"Há tempo de chorar e tempo de rir."

– Falei: "Se você morrer, eu te mato! Você é muito importante para mim, nunca esqueça isso!". E outro dia recebi uma carta desse jovem, me contando que, daquela vez, ele estava indo escrever sua carta de despedida da família.

"Há tempo de nascer e tempo de morrer."

E a vida que se ia nasceu de novo.

– Foi um gesto desse que fez esse menino ficar, e hoje ele está entre nós. Foi muito gostoso poder literalmente salvar vidas e almas.

As memórias relembradas pelo padre salesiano Rafael Galvão Barbosa durante a solenidade em que recebeu da Câmara de Vereadores de Piracicaba a Medalha de Mérito Legislativo se somaram às recordações que as pessoas que lotaram o salão nobre, na noite desta sexta-feira (29), guardam dele.

Autor da homenagem, o vereador Marcos Abdala (REP) expressou o sentimento de familiares, amigos e estudantes que, no dia a dia, convivem com o religioso no Colégio Dom Bosco, onde ele exerce a função de diretor de pastoral nas unidades Assunção, Cidade Alta e São Mário.

– Não há o que mais dizer a não ser "obrigado" ao trabalho que fez por Piracicaba. Padre Rafael marcou nossa sociedade, deixou plantada uma semente que gera muitos frutos. Agradeço a todos que vieram compartilhar conosco esta homenagem: a casa cheia mostra como a Câmara acertou em votar por unanimidade a Medalha de Mérito Legislativo ao padre Rafael.

O vereador agradeceu ao religioso ––que partirá em breve para a Itália, onde concluirá os estudos em Roma–– o legado de "amor, união e resgate dos jovens" deixado em sua passagem por Piracicaba.

"Há tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou."

– Estamos tristes por você ir, mas ao mesmo tempo felizes por sabermos que busca mais conhecimento. Quando retornar, alguma cidade será beneficiada com sua presença, assim como nós fomos. Nesses cinco anos, você só nos deixou alegrias e bons exemplos.

A participação de padre Rafael na vida de várias pessoas também foi mencionada pelo presidente da Câmara, Gilmar Rotta (MDB), que falou do religioso dirigindo-se aos que vieram prestigiá-lo.

– Cada um de nós tem um momento com ele. Pense agora nas vezes que passou com o padre Rafael, em que chegou até ele, ouviu uma palavra de conforto, pediu um apoio ou uma oração. Cada um sabe o que ele fez, onde ajudou e tem no coração quem foi o padre Rafael.

Gilmar Rotta destacou o grau de importância da Medalha de Mérito Legislativo concedida pela Câmara e lembrou a missão do sacerdote.

– Ficaremos tristes por estar nos deixando, mas tudo tem um caminho a ser percorrido, como você fez desde a infância, chegando a Piracicaba, e agora continuará. Depois vai voltar a cuidar das ovelhas, pois com toda a certeza é um filho de Deus ligado a nós.

Padre Rafael agradeceu a homenagem e a presença de familiares ––alguns vindos de São José dos Campos (SP), onde ele nasceu––, dos amigos que fez em Piracicaba, de funcionários do Colégio Dom Bosco e dos estudantes e seus pais que compareceram à solenidade.

"Há tempo de abraçar e tempo de apartar-se."

– Estou sem palavras para poder agradecer, não mereço tanto. Quando recebi a notícia de que receberia a medalha, fiquei com frio na barriga e muito feliz. Aqui tem muita gente querida, que fez parte da minha história em Piracicaba.

O sacerdote disse que "vai ser difícil" deixar a cidade.

"Há tempo de demolir e tempo de construir."

– É gostoso entrar numa sala e ver que com vocês construí uma história. Vocês me acompanharam, me ensinaram, me acolheram e me fizeram cada vez mais amar Piracicaba. Desde que soube que tinha que ir embora, meu coração ficou apertado. Meu maior medo hoje é não conseguir ser tão feliz quanto fui aqui. Não sei o que virá pela frente, porque nessa cidade carreguei muito minhas forças. Aqui não só construí minha família, como a ampliei. Tenho várias mães, várias avós que me ensinaram a ser mais humano.

Para o padre, a presença de pessoas próximas na solenidade provou que a "noite não foi improvisada, mas construída".

– E não sozinha, mas com os amigos que fiz aqui. Saio de Piracicaba mais pleno, completo e feliz. Olhando para vocês, meus amigos, digo: "Muito obrigado". Devo isso a vocês, que me ensinaram a ser acolhedor, amoroso e sincero, que são características dos piracicabanos que vou levar sempre comigo.

Joyce Karine Possignolo, Maria Teresa Berchmans e Rosebel Aparecida Francisco, funcionárias do Colégio Dom Bosco, também foram reconhecidas durante a solenidade com moções de aplausos entregues por Abdala em razão do trabalho que fazem pela educação nas unidades Assunção, Cidade Alta e São Mário.

A cerimônia teve, ainda, homenagens aos pais de padre Rafael, Lídia Maria e Paulo Raimundo, que completou 69 anos nesta sexta-feira, e músicas interpretadas pela dupla sertaneja Moyses Rico e Gabriel e por um grupo de alunos do ensino médio do Colégio Dom Bosco Cidade Alta.

Compuseram mesa na solenidade, além de Abdala e Gilmar Rotta, o assessor de relações institucionais da Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente, Antonio Celso Bisson, a assessora da pastoral do Colégio Dom Bosco, Rosineide Andrade, e as orientadoras educacionais Jocimara Francetto e Silvia Maria Daniel, também da instituição de ensino.