Desde que, há quase três meses, o primeiro caso de contágio pelo novo coronavírus foi confirmado no Brasil, informações como o jeito certo de lavar as mãos, a importância do isolamento social e os sintomas da Covid-19 têm sido amplamente divulgadas pelos governos e órgãos de saúde de todas as esferas e pelos meios de comunicação.

No entanto, se a maior parte da população hoje tem consciência da gravidade do assunto e sobre como agir para reduzir os riscos da contaminação, outra parcela, composta pelas pessoas com deficiência, segue com as dificuldades que, já no dia a dia, sempre lhe impuseram limitações para o acesso às mesmas fontes de conhecimento a que o restante da sociedade tem.

Para reverter esse cenário, a Câmara de Vereadores de Piracicaba está investindo em meios para fazer chegar a todas as pessoas as informações para o combate ao novo coronavírus. As ações, centradas no conteúdo que o Legislativo compartilha em sua página no Facebook, incluem a adição de legendas para indivíduos com deficiência visual e a inserção de tradução em Libras (Língua Brasileira de Sinais) para a comunidade surda.

Um exemplo é a postagem feita na tarde desta quarta-feira (6), em que um vídeo do Ministério da Saúde com dicas de higiene e prevenção ao novo coronavírus traz legendas na tela e, no canto inferior direito, tradução em Libras feita por intérprete contratado da Câmara. A postagem também contém a descrição detalhada do vídeo, com o uso da hashtag #PraCegoVer.

A iniciativa do Legislativo piracicabano em tornar acessíveis os conteúdos para a conscientização de toda a população no enfrentamento da Covid-19 faz parte das ações do "Câmara Inclusiva", projeto que desde 2019, sob as diretrizes do "Parlamento Aberto", ouve a sociedade para converter sugestões em medidas para reforçar a inclusão na Casa de Leis.

Lideranças da comunidade surda em Piracicaba elogiaram a iniciativa. "Quando a Câmara de Vereadores aceita disponibilizar os seus materiais em língua de sinais, também ela aceita que na cidade existam pessoas que falam outra língua. Isso é essencial para que essa comunidade que não é usuária da língua portuguesa possa partilhar das informações sobre o coronavírus", comenta Beatriz Turetta, uma das administradoras do grupo Libras Piracicaba e Região.

Ela destaca que a Câmara, ao acrescentar ao conteúdo que veicula nas redes sociais instrumentos que o tornam acessível a todos os públicos, oferece soluções a dois dos principais problemas enfrentados pelos surdos hoje: a falta de contato com informações da própria cidade e a escassez de materiais produzidos por fontes confiáveis, como são os órgãos oficiais, já que mesmo essas pessoas sofrem o assédio das "fake news".

"Mesmo as informações mais simples do cotidiano, como o gráfico lançado pela Prefeitura sobre o coronavírus, que fala de pessoas confirmadas e suspeitas, teve surdo que me perguntou o que é esse 'confirmado', porque ele não conhecia a palavra 'confirmado'. Ainda que a informação chegue de forma simplificada em português, existem muito surdos que não dão conta, pois não tiveram uma educação bilíngue que favorecesse o entendimento", exemplifica Beatriz.

"A ideia de a Câmara de Vereadores de Piracicaba ser inclusiva favorece essa parcela da população que não está tendo acesso às informações que circulam na cidade. As pessoas surdas estão correndo riscos neste momento, não só mais os da desinformação, mas de vida. Precisamos nos responsabilizar para que essas informações cheguem até eles", completa a pedagoga, que tem mestrado e doutorado com foco em educação especial.

Euclidia Fioravanti, consultora de projetos do Centro de Reabilitação de Piracicaba, defende a "garantia de acessibilidade para todo mundo". "Nessa situação que estamos vivendo, a informação tem que chegar a todos. Algumas são mais difíceis de a comunidade surda saber, pois nem todas são acessíveis. Vejo algumas, mas são poucas, com tradução em Libras e, às vezes, há surdos que não utilizam Libras, mas precisam de legendas", exemplifica.

Letícia Françoso, conselheira do Comdef e secretária executiva do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência, salienta que a falta de sintonia entre o discurso federal e o local acentua a confusão na comunidade surda. "Quando temos um presidente que fala que é uma 'gripezinha' só, que podemos trabalhar e continuar uma vida social normal, e temos o decreto em Piracicaba que diz para usar máscara e ficar em casa quem pode, as pessoas surdas estavam com uma confusão muito grande na cabeça: 'Qual pessoa está falando o certo?'", relata.

"A Câmara de Vereadores de Piracicaba, com a iniciativa de ter a tradução em Libras, cumpre um papel muito importante para que as pessoas surdas não tenham informações cortadas, mas corretas do que e de como fazer neste momento. A transparência e a informação na linguagem correta vão evitar que essa pandemia se alastre por mais tempo", completa Letícia, ao citar como exemplo a importância de os órgãos oficiais orientarem adequadamente pais e mães surdos, já que estes vão, depois, repassar isso a seus filhos.

O presidente da Câmara, Gilmar Rotta (CID), ressalta que as medidas colocadas em prática refletem o diálogo aberto pela Casa com vários segmentos. "O projeto 'Câmara Inclusiva' é uma das experiências mais emocionantes que temos a oportunidade de conduzir aqui na Casa, com o apoio de servidores, de entidades e da sociedade. Cada nova ação nos faz ter a certeza de que estamos no caminho certo e atendendo a um dos pilares do 'Parlamento Aberto', que é a participação de todos indistintamente, seja em nossos espaços físicos ou digitais."

Servidora da Casa e integrante do grupo que participa da gestão do "Câmara Inclusiva", Antonia Jandira de Souza destaca que a inserção da tradução em Libras nos vídeos que informam sobre o novo coronavírus é uma forma de o Poder Público, representado pelo Legislativo, "interagir com a população surda de Piracicaba". "Os vídeos nas redes sociais fazem parte do objetivo da Câmara de gerar maior aproximação entre a Casa e a população piracicabana, como parte também das ações do Parlamento Aberto. A pessoa com deficiência está tendo essa abertura graças às iniciativas da Câmara de integrar a todos", comentou.