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07 DE MAIO DE 2018

Memorial Afro e Ação Afirmativa projeta Piracicaba no cenário nacional


Por ocasião dos 130 anos da Lei Áurea e 117 anos da Sociedade Beneficente Treze de Maio, Piracicaba se destaca em políticas de Ações Afirmativas, constata Capitão Gomes



EM PIRACICABA (SP)  

Foto: Fabrice Desmonts - MTB 22.946 (1 de 2) Salvar imagem em alta resolução

Capitão Gomes

Capitão Gomes

Martim Vieira

Martim Vieira
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Capitão Gomes



O vereador Carlos Gomes da Silva, o Capitão Gomes (PP) anuncia para esta sexta-feira (11), às 9h00, reunião com o titular da Sedema (Secretaria Municipal de Desenvolvimento do Meio Ambiente), José Otávio Machado Menten para início de conversações com o Executivo sobre a indicação 527/2018, de sua autoria, que contempla uma antiga aspiração da comunidade negra local na construção de Memorial Afro-Brasileiro, na Praça Dr. Jorge Tibiriçá, em homenagem aos povos africanos que foram escravizados e ali sepultados.

A iniciativa respalda a trejetória de luta do provedor da Irmandade de São Benedito do Brasil, em Piracicaba, José Mariano (83). O historiador e professor Noedi Monteiro e o jornalista da Câmara, Martim Vieira, além do assessor de gabinete de Capitão Gomes, o advogado Antonio Messias Galdino, que devem acompanhar a reunião.

O parlamentar também considera os 130 anos da assinatura da Lei Aurea, pela princesa Isabel, em 1888 e, dos 117 anos da Sociedade Beneficente Treze de Maio, em data que também marca o Dia das Mães, em 2018, (13 de maio), além de evento solene que acontece nas dependências do Clube 13 de Maio, no domingo à noite, às 19h00, quando será reverenciado a mãe mais vivida. Além de outras programações, perante autoridades e público em geral, que procuram sinalizar a trajetória da entidade, considerado o terceiro clube de negro mais antigo do Brasil, oriunda da Sociedade Beneficente Antonio Bento, de 1901. A solenidade também deve contar com a apresentação da Banda União Operária.

O vereador Capitão Gomes ainda ressalta o artigo do jornalista e servidor da Câmara, *Martim Vieira, em trabalho defendido na Universidade de São Paulo, onde se especializou em Ações Afirmativas, tendo como objeto de estudos as políticas de Ações Afirmativas que foram implantadas em Piracicaba, desde o ano de 2001 e, que projeta a cidade no cenário nacional. Além de focar parceria que contou com o poder público, incluindo a Câmara de Vereadores e a iniciativa privada, na inserção de afrodescendentes no segmento universitário.

ARTIGO

Ações Afirmativas à população negra em Piracicaba: Estudos Contemporâneos

Recentes dados do IBGE apontam que mais de 50% da população brasileira é negra. Neste contexto, o destaque se volta às chamadas políticas de Ações Afirmativas, de cotas raciais para negros, onde a cidade de Piracicaba se destaca no cenário nacional, em legislações que procuram assegurar avanços sociais.

O conceito de Ações Afirmativas no Brasil, na contemporaneidade ganhou reforço no final do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A medida governamental colocou em prática preceitos de convenções internacionais e tratados, a exemplo da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância ocorrida em setembro de 2001, em Durban, África do Sul, reunindo os principais países que passaram por processos de escravização. O encontro apontou para a perversidade do sistema, que representou um crime contra a humanidade.

Na Conferência, a maioria dos países ratificou acordos na implantação das chamadas políticas de Ações Afirmativas, como forma de contemplar parte do legado de trabalhos forçados com o qual diversas economias se fortaleceram, especialmente as oligarquias brasileiras que hoje detêm o complexo empresarial e industrial.

Logo após a Conferência, o governo brasileiro implantou um programa de Cotas no âmbito de alguns ministérios,  reservando 20% das vagas a título de reparações sociais. A decisão governamental envolveu o Ministério do Desenvolvimento Agrícola e Reforma Agrária e o de Justiça e Relações Exteriores.


Piracicaba

Piracicaba é uma das cidades pioneiras no cenário nacional na adoção de cotas raciais no serviço público, por meio da lei 5.202/2002, que reserva 20% das vagas aos afrodescendentes.

Também temos a lei que garante 40% de participação de negros em peças publicitárias oficiais. Além de outras legislações, como o Feriado de 20 de Novembro, em alusão ao líder negro Zumbi dos Palmares, no Dia da Consciência Negra e programas direcionados a segmentos sociais, a exemplo do programa de Anemia Falciforme, doença que afeta principalmente o povo negro.

A discussão sobre Ações Afirmativas não encontra respaldo na grande mídia, brasileira e internacional, que tem se pautado em questões superficiais, discutindo o tema em datas esporádicas.

Piracicaba ganhou destaque na realização de eventos prévios e pós-Conferência, com a presença dos principais representantes brasileiros, como a relatora da Carta de Durban, Edna Roland, e do presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Ricardo Henriques, que ocuparam as dependências da Câmara de Vereadores, bem como o Clube Treze de Maio para apresentar dados estatísticos sobre a desigualdade da comunidade negra nos mais de 500 anos de história oficial brasileira.

Isso reforça a noção de caráter discriminativo das cotas raciais, como forma de o Estado colocar o “dedo na ferida”, na tentativa de, pelo menos em 50 anos, tentar amenizar os índices sociais da desigualdade brasileira. Dados do IBGE e do IPEA apontam que masi 70% dos pobres brasileiros são negros. Além de incluirmos os índices de violência, que afetam diretamente o povo negro.

Inclusão pela educação

No ano de 2004, mais precisamente no início do mês de agosto, o trabalho de um grupo de voluntários em Piracicaba se traduziu na criação do Processo Seletivo “Prof. Benedito de Andrade” – em parceria com o Colégio Luiz de Queiroz (CLQ); a Organização Não-Governamental (ONG) Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento Sócio-Cultural (Afrobras), com sede na cidade de São Paulo e, que hoje se transformou na Universidade Zumbi dos Palmares, com foco principal ao aluno negro, tendo como reitor o professor José Vicente, idealizador da Universidade.

Além da parceria com a Sociedade Beneficente Treze de Maio de Piracicaba, a Prefeitura Municipal de Piracicaba e a Câmara de Vereadores de Piracicaba – na inserção de 90 afrodescendentes num dos melhores cursinhos pré-vestibulares, que na época contava com seis estudantes negros, num universo de mil alunos.

Diversos jovens afrodescendentes se inseriram no programa, com o propósito de alterar o rumo de suas vidas, tendo o processo educacional como principal ferramenta de transformação social. Foram disponibilizadas bolsas de estudos escalonadas, de 70% a 100%, com direito ao recebimento de apostilas gratuitamente. Também funcionou um sistema de aulas de reforço, com voluntários do próprio curso pré-vestibular do CLQ, que se revezavam a cada meia hora, em disciplinas básicas como matemática, química, física, português e geografia, além de outras áreas requeridas pelo grupo.

Além disso, foi montado um sistema de apadrinhamento, criado por um grupo de voluntários, com empresários, autoridades e pessoas da sociedade em geral que garantiram as necessidades básicas desse alunado, como o transporte escolar.

Projetos como estes tiveram pouca repercussão na mídia local e algum destaque em websites e bblogs de militantes da causa negra – a exemplo do website www.portalafro.com.br, que destinou profissional da mídia para registrar a aplicação das ações afirmativas em Piracicaba.

A simples inscrição no programa já servia de referencial positivo, a exemplo de uma jovem, do Bosques do Lenheiro, que relatou a conquista de um emprego só por estar inserida no programa em parceria com o CLQ.

Exemplos de superação

A aluna Mariana Santos Silva, nos seus 20 anos de idade entrou no programa do curso de pré-vestibular em 2005 e,  rebuscou o sentido da palavra “diligência” para traçar o destino de sua vida e, hoje, se orgulha de ser Engenheira Florestal, pela Universidade Estadual de Mato Grosso (UFMT). Segundo ela, “diligência é uma habilidade adquirida, que combina persistência criativa, esforço inteligente, planejado e executado de forma honesta e sem atrasos, com competência e eficácia, de modo a alcançar um resultado puro e dentro do mais alto nível de excelência”.

Outro exemplo de superação também aconteceu em 2005, com a aluna Eliana Baptista, de 32 anos, que estava fora do processo escolar há 13 anos. Divorciada e com dois filhos, de oito e treze anos, ela não prosseguiu nos estudos, quando se casou aos 18 anos. A participação no cursinho facilitou sua formação em Administração, pela Faculdade Dom Bosco e na garantia de um emprego na Prefeitura Municipal de Piracicaba. Em 2010, Eliana se despontava como uma das principais secretárias-executivas do prefeito municipal de Piracicaba, Barjas Negri (PSDB). Em seu depoimento ela se diz confiante e afirma que seus filhos aprenderam a dar prioridade aos estudos, antes de querer formar a família deles.

Parceria

A criação do Processo Seletivo “Prof. Benedito de Andrade”, em 2004, surgiu da constatação de que o universo de estudantes negros brasileiros que concluem o ensino superior não chegava a 2%, o que levou o grupo de piracicabanos a lançar o desafio de inclusão educacional.

Para isso, era necessário chamar a atenção das autoridades constituídas e dos empresários do setor educacional, além de organizações que atuam na defesa dos direitos humanos e, principalmente, do próprio negro e negra, na aceitação do desafio que, na época, pretendia levar à reflexão do quanto se poderia mudar a realidade pessoal de cada indivíduo pelo processo educacional.

O modelo conceitual adotado pelo grupo suplantou os famigerados cursinhos pré-vestibulares voltados à população carente, mantidos por voluntários, em bairros periféricos. A ousadia foi tentar avançar no que poderia ser um diferencial oferecido a esses cidadãos. Assim, a concepção final se pautou na inserção do aluno negro, no que de melhor a cidade poderia oferecer.

Estabelecida a parceria, o passo seguinte foi romper as distâncias e as barreiras sociais, culturais e humanitárias de jovens que, embora vivessem numa mesma cidade, habitavam universos distintos.

Mecanismos específicos foram estabelecidos na tentativa de quebrar barreiras e inserir, num primeiro momento, um grupo de 90 alunos, negras e negros, dos mais variados bairros da região periférica de Piracicaba, em uma das melhores escolas particulares.

O programa mudou a índole de muitos alunos, que nos dias atuais já conseguem vislumbrar o quanto o curso universitário, com direito a pós-graduação, mestrado e doutorado, pode sinalizar de diferencial para o legado de suas gerações futuras.

O trabalho pioneiro desse grupo abriu fronteiras, com outros cursos pré-vestibulares voltando seus olhares comerciais no potencial do aluno negro, visto que a cidade de Piracicaba, de 400 mil habitantes é constituída por um terço de afrodescendentes, segundo o IBGE, no Censo 2010. A experiência também serviu de parâmetros para a criação de cursinho popular mantido pela prefeitura, que procura inserir alunos de baixa condição social.

Crime coletivo

O conceito de crime coletivo no processo de escravidão, principalmente do negro africano, reflete nos estudos do jurista Fábio Konder Comparato, em artigo divulgado pelo jornal Folha de São Paulo.

Segundo Comparato, a escravidão de africanos e afro-descendentes no Brasil foi o crime coletivo de mais longa duração praticado nas Américas e um dos mais hediondos registrados na história. Foram milhões de jovens capturados durante séculos na África e conduzidos com a corda no pescoço até os portos de embarque, onde eram batizados e recebidos com ferro em brasa, com a marca de seus respectivos proprietários.

Essa carga humana era acumulada no porão de navios tumbeiros, onde as pessoas eram acondicionadas em locais com menos de um metro de altura. Quando desembarcados, eram conduzidos a mercados públicos para serem arrematados em leilões, sendo que o preço de cada “peça” dependia da largura dos punhos e dos tornozelos, além de verificação da arcada dentária.

A contextualização do tema traz à tona esse legado negativo do negro brasileiro, visto que aqui o processo de escravidão perdurou por mais 50 anos, bem depois de o mundo ter abolido essa prática.

Após serem comprados em leilões, os escravos iam para os domínios rurais, maltrapilhos, enfrentando jornada de trabalho superior a 16 horas, sob o chicote dos feitores. O tempo de vida do escravo brasileiro nunca ultrapassou os 12 anos, e a mortalidade sempre superou a natalidade, alimentando um incentivo constante ao tráfico negreiro.

O trabalho escravo fazia-se pela violência contínua. Daí a busca desesperada pela libertação, pela fuga ou suicídio. As punições ocorriam em público, geralmente pelos açoites. Era frequente aplicar a um escravo até 300 chibatadas, quando o Código Criminal do Império as limitavam ao número máximo de 50/dia.

Mas em caso de entendimento de falta grave, os patrões não hesitavam em aplicar mutilações: dedos decepados, dentes quebrados e seios furados. Havia o trauma irreversível da “desculturação”, pois os cativos eram brutalmente afastados de sua língua, costumes e tradições. Desde o embarque na África, procurava-se agrupar indivíduos de etnias diferentes, falando línguas incompreensíveis uns para com os outros. Para que pudessem se comunicar entre si, tinham que aprender a língua dos patrões, gritada pelos feitores.

Outro efeito desse crime coletivo foi a desestruturação dos laços familiares. As jovens escravas “de dentro” serviam habitualmente para saciar o impulso dos machos da casa grande, enquanto na senzala homens e mulheres viviam em alojamentos separados. O acasalamento entre escravos era tolerado para a reprodução, jamais para a constituição de uma família regular.

O resultado inevitável desse processo de exploração do ser humano foi a superposição do direito de propriedade aos deveres de parentesco, mesmo consanguíneo. O próprio Estado brasileiro contribuiu para suavizar e apagar da mente da elite dominante a culpa pela escravidão.

Registros históricos da época do Império mostram que o ministro das Finanças da época, o advogado e jornalista Rui Barbosa, comandou a queima de papéis oficiais confirmando a existência da escravidão no Brasil. Assim, fazendeiros que adquiriram “propriedades” – ou as “peças de guiné”, como eram considerados os escravos – não tinham como acionar o Estado para rever perdas monetárias. Efeito disso ganha reflexo ainda hoje, principalmente para historiadores que se veem privados de aferir a trajetória do antepassado negro brasileiro.

Estados Unidos

Já nos Estados Unidos, a história foi bem diferente. Nos anos 1980, estreou no Brasil a série Raízes – novela do escritor Alex Haley, exibida pelo SBT –, que identificou a origem de seu personagem, Kunta Kinte – jovem príncipe, filho de Omoro e Binta, que vivia na aldeia Juffure, a quatro dias de Gambia, na África do Sul – numa pesquisa que levou mais de 12 anos. E que retrocedeu 200 anos na história de sua família para identificar em uma aldeia o seu antepassado, possibilitando identificar até o navio que o transportou à América do Norte.

O diferencial da libertação do negro escravizado nos Estados Unidos também teve outra trajetória, onde não faltou apoio governamental, na época do presidente Lincoln, onde, em tese, cada ex-escravo teve direito à uma mula e um alqueire de terra para continuar a sua vida. Além disso, lá as políticas de cotas raciais funcionam há mais de 50 anos e, causa até espanto ao perguntarmos sobre o contingente de negros americanos nos dias atuais, sendo que freqüentemente as pessoas respondem que são 30, 40, 60 e até 90% da população,  sendo que ficam espantadas ao lembrarmos da eleição do primeiro presidente negro, Barack Obama, onde os dados mostraram que 12,3% da população norte americana é negra.

Brasil

Hoje, em pleno Século 21, essas consequências permanecem marcadas na mentalidade social e nas relações econômicas, sendo que, atualmente, negros e pardos representam mais de 70% dos 10% mais pobres da população brasileira, segundo dados do IPEA e do IBGE, em 2002. No mercado de trabalho, com a mesma qualificação e escolaridade, os negros recebem em média quase a metade do salário pago aos brancos; e as mulheres negras, até metade da remuneração dos trabalhadores negros. Nas cidades, mais de dois terços dos jovens assassinados entre 15 e 18 anos são negros.

O Artigo 3º da Constituição Federal Brasileira declara como objetivos fundamentais da República erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de qualquer espécie. Mas aquilo a que assistimos ainda hoje parece ser um Brasil desigual para seu povo, o que pode ser refletido em qualquer levantamento estatístico da realidade social.

Setor educacional

O conceito de Ações Afirmativas também engloba os setores educacionais, visando corrigir certas distorções que afetam o povo negro. O educador brasileiro Mário Sérgio Cortella defende a ótica de que “as cotas não resolvem a questão social dos afro-descendentes no país, mas abrem espaços para fazê-los aparecer. Embora o sistema não seja suficiente, é uma medida necessária porque enseja a formação de grupos afro0descendentes na sociedade.”

Isso indica que a situação social e educacional no Brasil não muda de um dia para o outro. Para o educador, o Brasil tem escondido em sua tela social um racismo que só não aparece porque o negro não disputa de fato o espaço do branco, sendo que em nosso país a convivência entre negros e brancos existe, mas há a suposição de submissão dos negros, o que o leva a não disputar espaço.

Para Cortella, nosso racismo só vem à tona em momentos em que a negritude ameaça o espaço do indo-europeu. Nos Estados Unidos, as cotas serviram para obrigar a convivência entre brancos e negros. Somos apenas a quinta geração depois da abolição da escravatura. Os bisavôs de muitos de nós vivenciaram a escravatura, o que significa que existe certo costume de imaginar os negros em funções subalternas. Se é subalterno, não disputa espaço. A eficácia das cotas aparece aí. A pergunta que se faz é se, sem essas políticas, haveria nos EUA um secretário de Estado como Colin Powell? Nós temos ministras negras, mas isso se deu pela indicação do atual governo. Pertenci a um governo dirigido por uma mulher da Paraíba (Luiza Erundina), que, além de nordestina, era de estatura baixa e solteira. Ela dizia que só faltava ser negra, porque do restante já a ‘acusavam’. Quando queriam ofendê-la, falavam de sua origem.

O então geógrafo e ex-professor emérito da USP, Milton Santos, no artigo “Ética enviesada da sociedade branca desvia o enfrentamento do problema negro”, já fazia o seu alerta social. Para Santos, aqui, o fato de que o trabalho do negro tenha sido, desde o início da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das classes dominantes, deu-lhe um papel central na gestão e perpetuação de uma ética conservadora arraigada e mantida por estereótipos que ultrapassam os limites do simbólico e têm incidência sobre os demais aspectos das relações sociais.

Por isso, talvez ironicamente, a ascensão, por menor que seja, dos negros na escala social, sempre deu lugar a expressões veladas ou ostensivas de ressentimentos – paradoxalmente contra as vítimas. Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por cinco séculos, treinada para desdenhar e não tolerar manifestações de inconformidade, vistas como um injustificável complexo de inferioridade, já que o Brasil, segundo a doutrina oficial, jamais acolhera alguma forma de discriminação ou preconceito.


* Martim Vieira Ferreira é especialista em Ações Afirmativas pela Universidade de São Paulo (USP) e jornalista diplomado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), onde se especializou em Gestão da Comunicação Jornalística, abordando o tema comunicação comunitária. É jornalista concursado e trabalha na Câmara de Vereadores de Piracicaba, há 20 anos.



Texto:  Martim Vieira - MTB 21.939


Cidadania Carlos Gomes da Silva

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