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18 DE MARÇO DE 2021

Teoria e história do feminismo fecham discussões temáticas na Câmara


Contribuição de Glaucia Fraccaro, da Federal de Santa Catarina suscita novos debates, que passam pelo empreendedorismo, economia feminista e agroecologia.



EM PIRACICABA (SP)  

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No mês em que se reverencia a luta das mulheres, com destaque ao dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, a Escola do Legislativo de Piracicaba "Antonio Carlos Danelon - Totó Danelon", promoveu a realização do minicurso "História do Feminismo", comandado por Glaucia Fraccaro, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com foco na introdução à história do feminismo no Brasil e no mundo, por meio de uma abordagem dos séculos XIX e XX, que envolve a "história vista de baixo", com foco na realidade das trabalhadoras e o peso do passado escravista no Brasil, além de despertar a percepção das permanências e das rupturas e o pensamento crítico sobre o passado e o presente. O curso, iniciado nesta quarta-feira (17), das 9h às 11 h foi concluido na amanhã desta quinta-feira (18), e manteve um público superior a 100 pessoas, que via on-line ouviram e interagiram com a palestrante.

A professora Glaucia agradeceu a acolhida que a Escola do Legislativo de Piracicaba lhe concedeu nestes dois dias de curso, além de realçar os mais de 100 participantes, que via on-line prestigiaram o evento. A vereadora Rai de Almeida (PT) e a diretora da Escola do Legislativo, Silvia Morales (PV), do Mandato Coletivo a Cidade É Sua reiteraram a importância de dar sequencia nas sugestões que foram apresentadas durante a realização do minicurso, sendo que para o segundo semestre será avaliado a recepção de temáticas que passam pela discussão do empreendedorismo, da economia feminista e da agroecologia, tendo em vista o período de crise devido ao coronavírus, no desencadeamento de demandas sociais que sobrecarregam o papel da mulher. 

A professora Glaucia também nominou diversos pesquisadores que podem contribuir com as discussões destas temáticas, além de se colocar à disposição da Escola do Legislativo para oferecer outro de seus cursos, voltado especificamente sobre a história do racismo no Brasil, que também implica na discussão do papel das mulheres. Lembrou que na Fazenda Ibiaca, em Cordeirópolis, interior do Estado de São Paulo, região de Piracicaba, há toda uma estrutura que mostra o que foi o processo de escravidão do negro africano no Brasil, onde o Estado, como nação, deu toda retaguarda em detrimento aos grupos europeus que vieram para o Brasil, com vista ao trabalho assalariado, nas cidades, em contraponto aos negros libertos, que eram vítimas da lei da vadiagem ao vagarem pelas ruas, em busca de empregos. 

Em suas explanações na manhã desta quinta-feira (18), Glaucia Fraccaro discorreu sobre a avaliação das propostas analíticas, no pensar o feminismo, não só na filosofia, mas a partir das lutas e, outros movimentos, e por fim, mostrar o quanto ele é político e permeado de disputas. E, enfatizou que a proposta do curso é contar histórias das mulheres e delimitar a partir das lutas, das disputas e da própria expêriencia histórica.

A consideração é que os conceitos também tem história, são frutos dos conflitos, das diferentes visões, no que o feminismo, difere da ideia da pluralidade, pois ele é permeado por disputas, como um campo político, a exemplo do sindicalismo, mais ou menos ligados ao Estado, ou com uma visão voltada à classe trabalhadora, mas não necessariamente ao feminismo.

Para falar da teoria, Glaucia apresentou cinco conceitos, passando pelo patriarcado, gênero, relações sociais de sexo, interseccionalidade e decolonial, considerando que a ciência histórica é diferente da sociologia, partindo da sociedade para discutir conceitos, sendo que este processo é individual.

No patriarcado, o poder é dos homens, é conceito ahistórico (que nega a história) e, estabelece hierarquia sem levar em conta os tempos. Glaucia também cita o que foi pensado por Kate Millett, e Carole Pateman, no livro Contrato Sexual (1988), tendo a familia como paradigma do privado, num sistema, e não em relações sociais.

A consideração é que o gênero feminismo surgiu a partir de 1975, na psicanálise, a partir de coisas de funcionam para homens e mulheres, na descrição do papel social, sendo que foi usado para designar sistema, por Gayle Rubin (1975), a partir do estudo do tráfico de mulheres, que continuam a ser traficadas para exploração sexual em quase todos os países.

Glaucia mostra que Joan Scott, em artigo, criticou a função descritiva do gênero, pois o entendimento dela é que a ciência normatiza, sendo que para mudar era preciso significar a relação de poder, em um jeito de evitar que os conceitos normativos dizem o que fazer.

Também cita Danièlle Kérgoat e Helena Hirata, que atuavam no campo da esquerda, na visão de que o conceito da mais valia tinha de ser suplantado, pois implicava transpor uma reflexão sobre a mulher para chegar a uma análise da realidade social que as mulheres vivem, mostrando que não há uma essência ou uma constância feminina, mas um grupo social que é sobrecarregado com um certo tipo de tarefas designadas pela divisão social e sexual do trabalho, onde há necessidade de mostrar seu aspecto histórico e social (portan, arbitrário e resersível). 

No conceito de interseccionalidade, Glaucia aponta para Ângela Davis (ativista do movimento Negro Americano), como um dos segredos mais bem guardados das sociedades capitalistas, devido à real possibilidade de transformação radical das tarefas domésticas, conforme descrição de seu livro:  Muler, Raça e Classe (1983).

Para Glaucia, as pessoas gostam de definir o feminismo por polêmica, sendo que a realidade é bem outra, a exemplo da contestação sobre o governo Bolsonaro, na política violenta, sendo que o concenso foi constituido pelas mulheres, na síntese de numa unidade.

Para Glaucia o livro de Ângela Davis é um manifesto das domésticas, ao falar o tempo todo da mulher escrava. Também cita Kimberley Chó, jurista, no processo seletivo nos Estados Unidos, frente ao ordenamento jurídico, que não possuiu uma lei sobre raça e gênero, onde mulheres negras não aparecem como assassinadas pelo Estado, pela policia.

O entendimento é que temos a liberdade como indivisível, onde é preciso falar do sonho americano pois ele é constituido por raça, onde a desigualdade já está na base da sociedade. Glaucia também cita Hill Colin, na promoção do debate. Além de citar Maria Lugones (2014), na discussão do decolonial.

A consideração é que a mulher europeia burguesa não é entendida como seu complemento, mas como alguém que reproduzia raça e capital por meio de sua pureza sexual, sua passividade e, por estar atada ao lar, a serviço do homem branco europeu e burguês.

Glaucia defende que no feminismo há mais que polêmica, onde a política se faz todos os dias, não se define primeiro pelo conceito, mas sim na prática, no fazer, a exemplo do feminismo negro e sindicalista, que é produzido a partir da emancipação, com produção de efeito. A história do feminismo é contada como se fosse estritamente burguesa, por pessoas, brancas, por movimentos como ondas, a exemplo do sufrágio (voto), do uso da pilula e onde hoje temos a terceira onda, na diversidade.

A professora também falou da Federação Brasileira do Progresso Feminino, em 1922, do sufrágio feminino ,1934, ano internacional da mulher, 1975, internacionalização do 8 de março, 1980, primeiro encontro das feministas, em cronologia arbitrária, mas que mostra que não há uma corrente só.

No presente, o feminismo aparece de traz para frente, como a greve no Chile, 2019, em 2018, greve na Espanha, com mais de cinco milhões de participantes. Em 2016, na Polonia, em greves e atos públicos, 2016, na Argentina, o que mostra que o movimento é contínuo.

Glaucia também aborda sobre a história contada, onde aparece a  maioria das militantes de classe média ou alta, com ligações na esfera do poder, com acesso direto aos políticos, através de seus contatos sociais, sendo que o movimenrro sufragista carregou como peso morto a indiferença da massa das mulheres por seu destino político.

Para a professora, a ideia de que o feminismo é branco e de elite está circunscrito nos Estados Unidos. E, cita que temos no Brasil a chamada democracia racial, que permeia pela maioria dos pensadores, até hoje, sendo que isto torna-se um problema de raça que não é igual ao dos Estados Unidos. Segundo Glaucia, a própria ativista Angela Devis mostra que temos Lélia Gonzales, que contrapõe esta visão de democracia racial, onde no Brasil fizemos a miscigenação acontecer pelo estupro da mulher negra.

"A consideração é que nosso problema foi esconder o processo de exclusão, onde a República chamou italianos para dar emprego na cidade e colocar egressos na margem da sociedade, e criaram a lei da vadiagem. Temos uma estrutura toda de exclusão", constata Glaucia, ao dar ênfase às oito páginas, do artigo de Lélia Gonzales, que desmonta a tese da democracia racial no Brasil.  

Glaucia também considerou o papel da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e outros movimentos que contribuiram para a discussão desta temática. E, concluiu suas explanações ressaltando que a luta por direitos civis é uma parte da nossa história, onde não dá para definir o feminismo a partir das polêmicas, sendo que a história tem que ser contata a partir de sínteses, pois a história acontece em um período e não em outro, onde a luta por emancipação é contínua. "O feminismo pode ser considerado um movimento de massas, plurarista e segmentado por correntes. É político, e por isso tem disputas", disse.

Glaucia também reservou parte do minicurso para responder a questionamentos e reafirmar os encaminhamentos ratificados pelas vereadoras Silvia Morales e Rai de Almeida, em sugestões de novos cursos que devem passar pela análise do Conselho da Escola do Legislativo de Piracicaba, visando preencher a grade do segundo semestre.

TRAJETÓRIA - Glaucia Fraccaro, graduada em História, Mestre em História e Doutora em História Social é professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e foi coordenadora de Autonomia Econômica das Mulheres da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Em 2016, defendeu a tese "Os Direitos das Mulheres - organização social e legislação trabalhista no entreguerras brasileiro" e, em 2017, recebeu o prêmio "Mundos do Trabalho em Perspectiva Multidisciplinar, da ABET (Associação Brasileira de Estudos do Trabalho).

SERVIÇO - o curso online foi transmitido ao vivo pelo aplicativo Zoom (os inscritos receberão o link de acesso para a sala de reunião por email e/ou WhatsApp) e também pelo Canal da Escola no YouTube, através do link: https://www.youtube.com/channel/UCof7kyatk6Sz4xk7lhYc



Texto:  Martim Vieira - MTB 21.939


Escola do Legislativo Rai de Almeida Silvia Maria Morales

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