
26 DE MAIO DE 2025
Arquiteto Luis Kehl abordou a história das favelas, em atividade promovida pela Escola do Legislativo
Arquiteto Luis Kehl falou sobre a forma de organização das favelas, a partir da necessidade de proximidade das pessoas por questões de sobrevivência
A história das favelas foi o tema de palestra promovida pela Escola do Legislativo na última sexta-feira (23), ministrada pelo arquiteto Luis Kehl. A abertura da atividade feita pelo diretor da escola, vereador Pedro Kawai (PSDB). O especialista é formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo), com mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas e especialização em urbanização de favelas e núcleos precários. O palestrante defendeu que as pessoas se congregam através das favelas, por questões de sobrevivência e que representam a maneira natural do homem de se organizar.
Ele salientou que, atualmente, mais de um bilhão de pessoas vivem em favelas no mundo e que a questão se agravou a partir da década de 70, a partir das políticas neoliberais. Destacou que, até 2030, três bilhões de pessoas vão necessitar de moradias e serviços de infraestrutura, o que demandaria a construção de cerca de quatro mil casas por hora.
Explicou que as favelas têm origens em canteiros de obras abandonados, populações refugiadas, programas de governo mal conduzidos, guerras civis e causas locais. “Esses são os estopins para que populações desassistidas se unam na tentativa de conseguir uma dinâmica de vida para sobreviver, na congregação da mesma miséria, se sustentar de uma forma mais humana e solidária”, afirmou.
Segundo o palestrante, o mundo sempre teve pobres, mas populações inteiras em estado de miserabilidade vieram depois da Revolução Industrial, em que as pessoas eram obrigadas a trabalhar muito e recebiam muito pouco, permanecendo na miséria.
No Brasil, a história das favelas começou no Rio de Janeiro, com os chamados cortiços. Eram locais explorados por capitalistas, onde proliferavam muitas doenças pela falta de condições de higiene. No final do século 19, o governo decidiu derrubar os cortiços e os moradores, muitos deles ex-escravizados, libertos pela Lei Áurea, ocuparam o Morro da Providência, assim como ex-soldados que haviam recebido a promessa (não cumprida) de moradia em função da campanha de Canudos.
“As favelas se constituíram como casebres próximos por uma multidão de necessitados. A proximidade era questão de sobrevivência”, lembrou o palestrante. Na atividade, ele apresentou vários textos da época que descreviam as favelas, sempre em um contexto que responsabilizava o pobre pela situação. “Não se menciona a possibilidade de que as pessoas foram empurradas para aquela situação. É como se nascesse uma multidão de pessoas com predestinação ao caos”, comentou. “Não se encontram textos que apontam a responsabilidade do Estado”.
Na ocasião, as favelas eram uma característica própria do Rio de Janeiro, já que, em São Paulo, as primeiras favelas começaram a surgir somente a partir da década de 50.
Linha do tempo – O palestrante também detalhou como, ao longo do tempo, ocorreram as tentativas governamentais de eliminar as favelas, o que se chamava de “libertar a cidade da vergonha”. “Não se pensavam em políticas públicas, em gerar emprego. É como se o governo andasse independente da sua população. Não se pensava que o Estado deveria intervir para resolver essas coisas. O governo era apenas um orquestrador dos fluxos de capital no país. O problema da população era dela”, afirmou. “O tempo todo tenta-se acabar com as favelas, mas não se trabalham as causas sociais. Apenas tiram as pessoas de um lugar e colocam em outro".
Houve tentativas como, em 1922, de derrubar os casebres; em 1929, a proposta de construção de moradias para a população com o primeiro plano urbanístico do Rio de Janeiro; em 1937, a proibição de construção de novos casebres pelo Código de Obras; em 1941, a proposta de realização de um censo das favelas durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Urbanismo. “Há 84 anos propuseram esse censo e até hoje ainda estamos fazendo”, apontou.
Foi somente em 1942 que, por iniciativa da assistente social Maria Hortência do Nascimento Silva, foi construído o primeiro centro social em uma favela. Em 1949, o Censo do Distrito Federal apontou a predominância de negros e pardos nas favelas, que, segundo o documento elaborado por um órgão do próprio governo, eram pessoas “hereditariamente atrasadas”, sem considerar o contexto da abolição, que não foi acompanhada de políticas públicas para os libertos.
A partir da década de 50, iniciou-se a organização social dos favelados, que começam a reivindicar a instituição de políticas públicas, como creches, programas de urbanização dos núcleos e remoções apenas a partir da definição de espaço para realocação dos moradores. “Desde a década de 50, os moradores lutam por seus direitos”, salientou. Em 1962, foi fundada a Federação das Associações das Favelas. No final da década de 60, é a primeira vez que se fala em habitação de interesse social e, em 1983, outro marco foi o projeto Favela-bairro, durante o governo Brizola, como tentativa de urbanização das favelas.
O palestrante também fez um paralelo entre as características urbanísticas das favelas modernas e as primeiras aldeias neolíticas. “Qualquer semelhança com uma favela moderna não é coincidência. É assim que as pessoas se congregam. É uma questão de sobrevivência, de proximidade, de defesa”, explicou. E também falou sobre a semelhança entre as favelas em várias partes do mundo. “São as forças similares que produzem as formas construídas. A favela é a maneira natural do homem se organizar”, concluiu. “O pensamento burguês loteia e vende. O pensamento espontâneo forma a aldeia. A primeira característica da favela é o pertencimento, o reconhecimento de comunidade. As favelas nascem sem castas, mas com o tempo acabam reproduzindo as hierarquias da sociedade”.
O conteúdo completo da palestra pode ser conferido no Youtube da Escola do Legislativo.