
25 DE ABRIL DE 2012
"Considero esta cerimônia um digno funeral para todos os meus amigos que não tiveram essa sorte." Com um português fluente, fruto de quem desde os 17 anos vive no B (...)
"Considero esta cerimônia um digno funeral para todos os meus amigos que não tiveram essa sorte." Com um português fluente, fruto de quem desde os 17 anos vive no Brasil, mas ainda com sotaque, a sobrevivente Rita Braun resumiu com uma frase a importância do Dia Municipal da Lembrança, celebrado em reunião solene na noite desta terça-feira (24).
A cerimônia em memória às vítimas do Holocausto, criada a partir de uma proposta do vereador João Manoel dos Santos (PTB) aprovada pela Câmara em 2008, ocorreu na Igreja Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, dentro da Faculdade Salesiana Dom Bosco, no Centro de Piracicaba, e reuniu um público superior a 100 pessoas, entre autoridades, religiosos e universitários. A solenidade, que começou com a execução dos hinos de Israel e do Brasil, contou com momentos marcantes, como o acendimento de sete velas em homenagem aos mortos pelo massacre, a exibição do vídeo "Nazismo Nunca Mais", de Ben Abraham, e o depoimento de duas sobreviventes.
Confinada no gueto aos nove anos, Rita Braun contou em detalhes como era a vida de um refugiado. Entre as atrocidades a que assistiu na época, a sobrevivente lembra-se de ter visto cachorros atacando e arrancando pedaços de judeus e crianças sendo colocadas vivas em sacos plásticos e jogadas numa vala, onde eram cobertas com terra e cal. Rita Braun disse não entender como pôde ser cometida tamanha barbárie contra um "povo cujo único crime era ter nascido judeu". Ela alertou os jovens para manifestações que podem representar ameaças aos valores humanos, citando o governo do Irã. "Precisamos ficar atentos, lembrar sempre. O que mais me apavora é que o mundo não aprendeu."
Outra sobrevivente do Holocausto, Nanette Konig contou como conseguiu escapar por duas vezes da morte, a segunda delas por causa de um guarda que, ao atirar em pessoas que faziam uma fila para serem alvejadas, acertou o ar. "Eu tive a sorte que outros não tiveram." Nascida em Amsterdã, Konig foi deportada da Holanda para o campo de concentração de Bergen Belsen, tornou-se colega de Anne Frank na escola judaica e foi a única sobrevivente de sua família ––resistindo inclusive à tifo e à tuberculose. "É uma crueldade tão grande que não dá para entender. Espero que isso não aconteça nunca mais", disse ela sobre o Holocausto.
O presidente da Câmara destacou o valor do Dia Municipal da Lembrança e o fato de a cerimônia sempre ser dirigida a estudantes. "O que nós pretendemos com essa reunião solene é levar para as escolas esse tema, discutindo com os jovens e resgatando um pouco o que foi o Holocausto. Embora alguns tentem passar para a população de que não houve o Holocausto, ele infelizmente aconteceu. Foram mais de 11 milhões de pessoas ––entre negros, ciganos, homossexuais e religiosos–– que foram mortos, torturados", afirmou João Manoel.
"Nós queremos conscientizar os jovens para que nenhuma ideologia maléfica como essa, do nazismo, volte e os envolva, os manipule, de maneira tal que venha a acontecer, em nome da democracia, fato como esse. É bom que os jovens lembrem que nem tudo que é democracia é o melhor, porque Hitler foi eleito por um processo democrático. Queremos que a juventude nunca se envolva nessas ideologias, porque o ser humano foi criado para viver em comunidade, para amar, não para odiar. Quando o Hitler envereda por esse caminho, ele vai pelo ódio, pelo rancor, que levaram a esse massacre, a esse genocídio. Queremos que as futuras gerações relembrem isso, contem essas histórias, principalmente nas escolas, porque é onde acreditamos haver maior facilidade de conscientizar os jovens", acrescentou o vereador.
Além de João Manoel, compuseram mesa Jayme Rosenthal, presidente da Comunidade Israelita de Piracicaba e representante da Federação Israelita do Estado de São Paulo; o padre José Airton Trindade, diretor da Faculdade Salesiana Dom Bosco de Piracicaba; o professor Adelino Francisco de Oliveira, coordenador de projetos de extensão da faculdade; o conselheiro da Acipi Washington Marciano; e a ex-vereadora Laurisa Jorge Cortellazzi.
João Manoel acendeu a primeira vela, sendo seguido por Rosenthal, Édson Benedito de Castro (representando as pessoas com deficiência), padre Airton Trindade, Héride Fernanda de Almeida Leite (representando os negros), Laurisa e Adelino. Daniel Rosenthal, ao falar pelo pai, Jayme, disse que o Holocausto é "uma página negra da nossa história".
O repúdio ao massacre também foi abordado pelos demais oradores. "Nós, nessa casa de Dom Bosco, queremos nos unir nessa luta da defesa dos valores da pessoa humana", disse padre Airton Trindade. "Nós precisamos nos despir de paradigmas e preconceitos, cumprindo o mandamento que diz: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei", declarou Héride. "Que a luz do amor ilumine todos os corações, dissipando todo o ódio e preconceito", pediu Laurisa. "Vamos marcar posição de resistência, rejeitando toda forma de totalitarismo e opressão. Precisamos criar definitivamente uma cultura de paz", comentou Adelino.
TEXTO: Ricardo Vasques / MTB 49.918
FOTOS: Davi Negri / MTB 20.499