11 de abril de 2025

Procissão e palavrões: um escândalo na Sexta-feira Santa de 1847

Série ‘Achados do Arquivo’ destaca, nesta semana, um ‘barraco’ causado por um barraqueiro na Piracicaba do Século 19

Texto: Giovanna Felini Calabria
Supervisão: Rodrigo Alves - MTB 42.583

Barraqueiro é uma palavra que denota dois sentidos diferentes. Na definição formal, é a pessoa que possui, trabalha ou vende algo em uma barraca; já na gíria popular, refere-se a alguém que provoca escândalos e confusões. Ironicamente, em meados do Século 19, uma pessoa exemplificava, claramente, os dois escopos de tal verbete.

É um caso curioso, registrado em ata, que é o destaque da série Achados do Arquivo desta semana, numa parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba.

“O Sr. Mello indicou que Custódio José Lopes tem um abarracamento no meio da rua, e além disso, na sexta feira maior, ocasião de passar a procissão soltou várias palavreadas de pouco respeito, cabendo no possível, seja lançado o abarracamento e o mesmo multado. O Sr. Cunha indicou que se oficiasse ao Fiscal para dar providências” (em transcrição livre)

A pequena citação, sem contexto e explicações precisas, leva a uma interpretação possível: o barraqueiro Custódio havia causado um verdadeiro barraco em plena Semana Santa!

Sexta-feira Maior, conhecida também como Sexta-feira Santa, é uma importante data para a religião cristã, na qual rememora-se a crucificação e a morte de Jesus Cristo. Nesta data específica, marcada por jejum, abstinência e pelas celebrações da Paixão de Cristo, realiza-se, tradicionalmente, a chamada Procissão do Senhor Morto.

E é neste cenário, tão marcado pelas expressões religiosas de fé e amor, que o barraqueiro (vendedor em uma barraca) sintetizou o sentido duplo da palavra, quando, aparentemente, ofendeu com “palavreado de pouco respeito”, as pessoas que passavam em procissão na rua na qual estava instalada seu espaço de comércio. O barraqueiro deu barraco!

É difícil imaginar o que teria motivado Custódio a se exaltar. Teria ele se indignado com o movimento da rua, que atrapalhava suas vendas? Ou será que algum fiel deixou de pagar por alguma compra? Nunca saberemos, mas o episódio nos brinda com uma certeza: se havia paz naquela Sexta-feira Santa, foi interrompida por um furacão em forma de feirante.

A passagem registrada em ata pela Câmara Municipal de Piracicaba leva crer que que existiam mais irregularidades ligadas à barraca de Custódio José Lopes, mas devido à falta de informações, é impossível adentrar em tal assunto. Desta forma, a série Achados do Arquivo limita-se ao tumulto na procissão da Sexta-feira Maior.

Ao sugerir que se “lance o abarracamento” (certamente um jeito formal e elegante de dizer ‘tirem a barraca dele dali!’), os vereadores não apenas zelavam pela ordem pública, como também registravam — talvez sem querer — uma das primeiras ocorrências do que hoje chamaríamos de "barraco em via pública". Uma tradição que continua viva em muitas esquinas do Brasil.

De qualquer forma, não é possível saber, ao certo, a origem da gíria, tampouco da expressão, mas sabe-se que em Piracicaba um barraqueiro armou uma barraca e um barraco, ao mesmo tempo, em um dos maiores dias santos da fé cristã.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.

Revisão: Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa: Giovanna Felini Calabria