
25 DE SETEMBRO DE 2009
Conforme iniciativa do vereador José Antonio Fenandes Paiva (PT), a Câmara de Piracicaba, na reunião ordinária de ontem (24), aprovou o teor da Moção de Apelo (106/ (...)
Conforme iniciativa do vereador José Antonio Fenandes Paiva (PT), a Câmara de Piracicaba, na reunião ordinária de ontem (24), aprovou o teor da Moção de Apelo (106/09), à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, ao Carrefour de Osasco e à Polícia Militar pelos atos de violência, racismo e humilhação, praticados no dia 07 de agosto de 2009, contra um trabalhador negro, funcionário da USP, Januário Alves de Santana (39), por seguranças do Hipermercado e posteriormente policiais militares de Osasco. O apelo é para que se apure e puna os responsáveis com o rigor da Lei. Em anexo, um vídeo exibido em edição do Jornal Nacional, registrando o ato de agressão.
Januário foi tomado como suspeito de um crime impossível, roubar o próprio carro, um EcoSport, da Ford. Foi tido como ladrão e submetido por cinco seguranças a uma sessão de espancamentos, com direito a socos, cabeçadas e coronhadas, que afetou o seu maxilar. E, agredido verbalmente por policiais que o humilharam dizendo "Você tem cara de ter passagem pela polícia, no mínimo três passagens". Isso aconteceu numa salinha próxima à entrada da loja, na Avenida dos Autonomistas, em Osasco. Enquanto esperava a mulher, um filho de cinco anos, a irmã e o cunhado que faziam compras no Hipermercado.
Sua esposa, ao saber dos fatos, declarou que teme pelo futuro de seus filhos: "Acham que o negro não pode viver, não pode ter seus bens conquistados com o suor de seu próprio trabalho", lamentou.
Racismo no Brasil é, no mínimo, uma atitude de ignorância às próprias origens. Qual é o antepassado do "verdadeiro brasileiro"? Afinal de contas, aqui se instalaram povos de todos os lugares do mundo e vivem neste país que sempre foi hospitaleiro com os estrangeiros e, muitas vezes, hostil com sua população.
O que existe na maioria das vezes é o racismo camuflado e que todo mundo faz questão de não enxergar. Os alvos, mesmo que inconscientemente, sempre são os mesmos. Negros, mestiços, altos demais, baixos ou anões e, principalmente, os mais pobres sofrem com a discriminação e não conseguem emprego, estudo, dignidade e respeito. Estes não têm vez na sociedade brasileira.
Segundo a Constituição Brasileira, qualquer pessoa que se sentir humilhada, desprezada, discriminada, etc... por sua cor de pele, religião, opção sexual... pode recorrer a um processo judicial contra quem cometeu tal atrocidade. Mas, neste país, situações como a de Januário acontecem com tanta frequencia que, reproduzir e denunciar tal fato, muitas vezes causa estranheza nas pessoas.
Em nossa cultura poderíamos enumerar o vasto número de piadas e termos que mostram como a distinção racial é algo corrente em nosso cotidiano. Quando alguém auto-define que sua pele é negra, muitos se sentem deslocados, parece ter sido dito algum tipo de termo extremista.
É no passado que podemos levantar questões sobre como o brasileiro lida com a questão racial. A escravidão africana instituída em solo brasileiro, mesmo sendo justificada por preceitos de ordem religiosa, perpetuou uma idéia corrente onde as tarefas braçais e subalternas são de responsabilidade dos negros. No entanto, também devemos levar em consideração que o nosso racismo veio acompanhado de seu contraditório: a miscigenação que questiona se realmente somos ou não pertencentes a uma cultura racista. Porém, a miscigenação não exclui os preconceitos.
A agressão sofrida teve caráter de se constituir em ato que suscita vergonha e aversão, contraria veementemente os preceitos da Constituição Federal, que garantem, no artigo 5.o, que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade, completando o inciso XIII, do mesmo artigo 5.o, em que a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos temos da lei.
A agressão sofrida teve caráter físico e verbal, de forma ultrajante e vergonhosa. A Januário não foi dado um tratamento digno de cidadão brasileiro, pois a sua raça fez com que fosse julgado, condenado e declarado pelos cinco seguranças como ladrão, pois na avaliação de um racista, um negro não pode possuir um carro EcoSport, não pode ter um bom emprego, não pode estudar em uma Universidade, não pode pertencer a uma classe social mais abastada e, que se estivesse próximo de algum objeto considerado pela sociedade como algo de valor, provavelmente deve estar roubando.
Situação semelhante ocorreu na cidade de Rio Claro, quando policiais militares do 37.o Batalhão da Polícia Militar, no dia 01 de agosto, por volta das 15h30, defronte a Farmácia da Unimed, agrediram fisicamente e verbalmente um trabalhador, quebrando-lhe o óculos. O trabalhador, também da raça negra, não teve permissão para se identificar, sendo que naquele momento aguardava sua esposa, que é branca. Tal gesto da parte de homens cuja função perante a sociedade deveria não ser outra senão servir e protegar, revela o flagrante preconceito que o mesmo em 2009, decorridos mais de 120 anos da abolição, ainda povoa a mente e o coração de muitos incrustados na sociedade.
"Espera-se que sejam apurados devidamente os fatos, pois racismo é crime e, como qualquer crime, merece atenção das autoridades e que sejam aplicadas as devidas punições a todos aqueles que estão direta e indiretamente envolvidos em tal delito para que ocorrências como a noticiada não mais ocorram, sob pena do recrudescimento das boas relações de convívio, urbanidade, respeito e cidadania entre os seres humanos de nossa pátria, razão pela qual apresentamos a presente Moção de Apelo", finalizou Paiva.
Martim Vieira Mtb 21.939
Foto: Fabrice Desmonts Mtb 22.946