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02 DE FEVEREIRO DE 2024

Arquivo da Câmara: um cântico para a História de Piracicaba


Regimento datado de 1892 revela a preocupação do Legislativo em preservar a memória da Casa de Leis (e da cidade)



EM PIRACICABA (SP)  

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Livro da década de 1960, 'Um cântico para Leibowitz' revela a transformação de significados de documentos produzidos e reproduzidos em diferentes épocas



No que antes era o território dos Estados Unidos, uma ordem religiosa preserva fragmentos de uma sociedade que fora destruída por uma guerra nuclear. No fundo de uma caverna, cravada no meio do deserto, um monge encontra pedaços do que havia sido um projeto de engenharia, mas que naquele contexto de mundo pós-apocalíptico ganha contornos de sacralidade e historicidade. 

É neste enredo que se desenrola o livro de ficção-científica ‘Um cântico para Leibowitz’, do escritor Walter M. Miller Jr., publicado em 1960. Embora o foco do autor era demonstrar os perigos da energia nuclear utilizada para fins bélicos – afinal, o mundo vivia o auge da Guerra Fria –, ele trata nas entrelinhas como documentos cotidianos de um período mudam de significado ao passar do tempo. 

“A História é formada por uma imensidade de documentos cotidianos”, destaca a arquivista Giovanna Calabria, chefe do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba. Assim como os monges da Ordem (fictícia, é bom ressaltar) Albertiana de Leibowitz, ela é responsável por preservar documentos que registram tempos distantes; no caso, do Legislativo e da cidade. 

“Muitas vezes, são registros feitos em momentos pontuais e com finalidades específicas, que, ao longo do tempo, se transformam em marcas de um passado distante, como reflexos da memória de uma sociedade”, argumenta.

Giovanna e toda a equipe do Setor de Documentação do Legislativo são herdeiras desta ‘ordem’ de arquivistas da Casa de Leis, que já no Regimento Interno de 15 de dezembro de 1892, assinado pelo então presidente Manoel Moraes Barros, institui a normativa para organização, sessões e competências do trabalho de preservação de documentos na Câmara de Piracicaba.

São 75 artigos que tratam de diferentes assuntos, com destaque a três deles que definem explicitamente como a produção da Câmara deve ser preservada:

“Art. 71º - O arquivo da Câmara será conservado em devida forma, em estantes fechadas, distinguindo-se os papéis por classes:

1º - Papéis da Câmara como corporação legislativa, leis, posturas e resoluções;

2º - Papéis oficiais dirigidos à Câmara por autoridades administrativas, judiciárias e quaisquer outras, separados um dos outros;

3º - Papéis oficiais de funcionários da municipalidade;

4º - Papéis endereçados por qualquer particular;

5º - Todos os livros findos da escrituração da Câmara.

Art. 72º Os papéis e livros serão classificados por espécies ou títulos, em ordem cronológica, com competentes rótulos, a fim de facilitar as buscas.

Art. 73º - O arquivo fica sob guarda e inspeção imediata do secretário, a quem incumbe velar pela boa ordem dos documentos e livros nele existentes, e representar sobre qualquer melhoramento a introduzir” (em transcrição livre)

“Há mais de um século, portanto, a principal normativa que norteia os trabalhos do Poder Legislativo piracicabano já trazia preocupações com a segurança e organização dos documentos”, acrescenta Giovanna. “Ações institucionais, afixadas no regimento, foram a pedra fundamental para o processo de imortalização dos registros históricos, processo este que se estende até hoje, e continuará a existir”, destaca a arquivista.

A série ‘Achados do Arquivo’ – que reinicia a temporada 2024 nesta semana e chega à sua 100ª edição – exemplifica como ocorre essa dinâmica dos fatos cotidianos que se tornam históricos. A memória de Piracicaba e do Poder Legislativo é mantida por meio de documentos que foram produzidos para fins administrativos e que hoje se revelam como depoimentos do passado.

Mas para virar fonte, não basta apenas produzir o registro. Ele precisa resistir ao passar do tempo – e dos conflitos inerentes a ele –, vencer a luta contra a deterioração e a desorganização, além de se manter acessível e recuperável. Para virar História, o documento precisa sobreviver. “A batalha contra o impiedoso tempo é brutal. Mas a história é perseverante”, conclui Giovanna.

Achados do Arquivo – A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo e de Documentação, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba. Ela traz publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo do Legislativo.



Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337


Achados do Arquivo Documentação

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