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27 DE MARÇO DE 2023

Achados do Arquivo: atas da Câmara registram primeiro teatro da cidade


Em meados do século XIX, artistas se organizaram para buscar o “primeiro espaço da imaginação” da então Vila da Constituição



EM PIRACICABA (SP)  

Foto: Davi Negri - MTB 20.499 Salvar imagem em alta resolução

Bruno de Oliveira é o autor da pesquisa sobre o primeiro teatro de Piracicaba



A origem etimológica da palavra “teatro” está no grego “théatron”, do qual presume um espaço de apreciação ou observação, um lugar onde se vê – “theá” refere-se à visão e “-tron” ao espaço de protagonismo. Em uma tradução mais ampla, é um espaço físico onde as pessoas vão a fim de assistir outras pessoas apresentarem peças dramáticas de vários gêneros.

No Brasil de meados do século XIX, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro já contavam com esses espaços de artes e tendo como destaque dramaturgos como Gonçalves de Magalhães, Martins Pena e Artur de Azevedo.

Em Piracicaba -- na então Vila da Constituição --, alguns de seus moradores, apreciadores da arte, começavam a se movimentar para que a cidade também tivesse um local para apresentações teatrais. O Achados do Arquivo traz nesta edição esse relato, neste dia 27 de março, quando se comemora mais um Dia Mundial do Teatro.

A primeira vez que veio à tona a ideia foi em 1852, como registrado na ata da sessão extraordinária da Câmara, de 29 de fevereiro de 1852:

“Foi lido um requerimento do Capitão Ricardo Leão Sabino, pedindo a proteção da Câmara para lhe conceder um terreno no Largo da Forca, para levantar um teatro. Posto em discussão, foi adiado”. (em transcrição livre)

Na sessão seguinte, em 7 de março, a ata indica que o pedido “foi despachado na forma requerida”. No entanto, após mais de um ano, o Teatro ainda não tinha sido construído. O tema volta na sessão ordinária de 20 de julho de 1853, trazido à tona pelo vereador Francisco Ferraz de Carvalho:

“Indicou mais o sr. Ferraz que, não havendo nesta Vila nenhum divertimento público que sirva de recreio aos seus habitantes e, sendo o teatro o único que aqui se pode ter, é por isso de parecer que esta Câmara represente ao Exmo. Presidente da Província a este respeito, pedindo a suspensão interina do artigo de Posturas que condena com a pena de multa aos que dão espetáculos, ficando sujeitos só os estrangeiros que o quiserem dar, até que se reúna a Assembleia Provincial, única que pode revogar esse artigo. Posto em discussão, passou”. (em transcrição livre)

Por aqueles dias, o assunto relativo ao Teatro movimentava a cidade. No dia seguinte, em 21 de julho, um grupo denominado “Sociedade do Teatro” – talvez o primeiro grupo do gênero da cidade – apresentava à Câmara uma solicitação de terreno para edificar o Teatro, conforme consta na ata da sessão:

“Foi apresentado um requerimento da Sociedade Fundadora de um Teatro pedindo um terreno que faz frente à rua dos Pescadores (atual Prudente de Moraes) e atrás da cadeia desta Vila, para ali fazer-se uma casa para teatro. Posto em discussão, a Câmara deliberou que informe o suplicante ou marque o terreno que precisa para edificar essa obra”. (em transcrição livre)

Já no dia seguinte, em 22 de julho, a Sociedade do Teatro, através de seu secretário, fornecia à Câmara as informações necessárias:

“Foi apresentado o requerimento e a informação do Secretário da Sociedade do Teatro, na qual informação marca o tamanho do terreno por ele requerido para dita casa de Teatro, cujo tamanho é cento e cinquenta palmos de fundo, com setenta de largura. Posto em discussão, ficou sobre a mesa”. (em transcrição livre)

O assunto foi adiado em mais uma sessão, sendo que em 23 de julho finalmente a Câmara deliberou o seguinte:

“Quanto ao requerimento da Sociedade do Teatro, que ontem ficou sobre a mesa, entrando em discussão, teve o seguinte despacho: Deferido, debaixo das condições seguintes: Ficando a Sociedade, por seu representante, sujeita ao pagamento dos emolumentos que forem devidos, como se pagam as datas e estas sirvam de termo de proporção, e quando, por ventura, se extinguir a Sociedade, o terreno ocupado pelo Teatro ficará sempre pertencendo à Câmara, e a Sociedade só poderá dispor das benfeitorias, ficando igualmente a Sociedade sujeita ao art. 2ª das Posturas de quinze de março de mil oitocentos e quarenta e quatro, ficando igualmente a cargo do arruador e fiscal da Câmara demarcar o terreno pedido.” (em transcrição livre)

Após dias de deliberação na Câmara, os artistas organizados na forma da Sociedade do Teatro conseguiram erigir o primeiro Teatro de Piracicaba, cuja porta principal ficava de frente para a atual rua Prudente de Moraes e localizado nessa mesma rua, provavelmente nas proximidades de onde atualmente termina a rua Santo Antônio.

Servidor do Departamento de Gestão de Documentos e Arquivo, Bruno Didoné de Oliveira, responsável pela pesquisa, destaca que o Teatro destoava do caráter excludente, sobretudo contra a população negra, que havia na região central da cidade naquele período. “Em 1853, a praça tinha, de um lado a igreja matriz, onde prevalecia uma doutrina rígida, punitiva e excludente. Do outro lado da praça, a Câmara e a Cadeia, sendo que para fazer parte da primeira era exigida uma série de requisitos e, na segunda, iam os ‘malfeitores’, e sem contar o pelourinho, onde era um local de açoites”, relata.

Era nesse clima que os artistas de então viviam. “Na impossibilidade de alterar esse estado de coisas, resolveram resistir. Propuseram a construção do Teatro, certamente com o objetivo de apresentarem outros mundos, com outros sentimentos e emoções”, avalia Bruno Oliveira.

Ele destaca que o Teatro não ficava exatamente na praça, junto aos edifícios-sede do poder eclesial ou governamental. “Enquanto na praça Câmara-Cadeia ficavam de frente para a Igreja Matriz, o Teatro ficava atravessando a rua, na parte de trás da Câmara-Cadeia e fora desse núcleo”, destaca. “Era uma forma de chamar as pessoas a deixarem a realidade da praça do poder e a cruzarem a rua rumo ao local onde o poder que imperava era o da imaginação”, conclui.

DIA MUNDIAL DO TEATRO - Celebrado em 27 de março, o Dia Mundial do Teatro é marcado pela fundação do Instituto Internacional do Teatro, em 1948. A organização foi criada por iniciativa do primeiro Diretor Geral da Unesco, Julian Huxley, e do dramaturgo e romancista JB Priestly. O objetivo era construir uma organização alinhada com os objetivos da Unesco em cultura, educação e arte, e que concentrasse seus esforços na melhoria do status de todos os membros das profissões das artes cênicas.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. Ela foi criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, e conta com publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Câmara Municipal de Piracicaba.



Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Supervisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Revisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337


Achados do Arquivo Documentação

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