São 14 horas de uma segunda-feira e três crianças divertem-se com um pião. O material, em vez de utilizar a tradicional madeira, é produzido com CD, cola colorida, tampa de garrafa PET e bolinha de gude. Num outro canto, dois garotinhos exploram a sonoridade de uma bateria. A baqueta, no entanto, é composta por um tronco de árvore, enquanto os tambores – coloridos – são formados por latas de tintas. Gritos de alegria e empolgação tomam conta do espaço, que não é exatamente uma sala de aula, mas está ocupado pelos estudantes, que sentem-se à vontade para interagir, tocar e sentir cada uma das peças apresentadas na exposição aberta pela Câmara de Vereadores.

Professora de educação infantil, Fernanda Ferreira é quem acompanha os pequenos ao hall do prédio anexo da Câmara, na rua do Rosário, 833, Centro. Ela assina a curadoria da mostra, com o historiador Fábio Bragança, diretor do Departamento de Documentação e Arquivo da Câmara. A diferença é que em “Lugares das Crianças: Território de Invenções”, não é ela, nem o diretor do departamento, o autor das peças, tão menos artistas conhecidos da cidade ou em fase de projeção. As obras são dos próprios alunos, estudantes da Escola Municipal Antônio Boldrin, do bairro Parque Orlanda 1.

Tecidos, lápis de colorir, feltro, garrafas descartáveis e barbantes estão entre os materiais utilizados para a criação dos objetos, que celebram também o mês das crianças. Há binóculos produzidos com papel celofane e tintas, jogo da memória a partir de latas de refrigerante, areia, arroz e pedrinhas, móbile com fios de nylon e chaves. Além de tintas, folhas secas, entre outros materiais.

“O projeto-mãe é que as crianças ocupem os espaços. Ao trabalhar com estudantes, notamos que existe medo da rua. Como educadores, nosso desafio é resgatar o pertencimento e estimular o contato com a cidade e suas histórias”, comenta Fernanda. Apesar de a iniciativa estar em andamento na escola desde 2009, esta é a primeira exposição externa das crianças. Antes disso, os trabalhos eram expostos na própria escola, durante semana cultural com apresentações de performances, de teatro e de dança. O projeto como um tudo, que compreende outras áreas além da cultura, é denominado de Lugar Ocupado: Invenções das Crianças.

Ao colocar os estudantes como agentes produtores, a intenção da escola é aprimorar as experiências estéticas e as dimensões artísticas de cada criança que frequenta a escola, de zero a seis anos, do berçário ao jardim 2. A unidade de ensino também incentiva a produção fora da jornada escolar, com a participação dos pais. Um dos painéis, por exemplo, traz cartões-postais da cidade, num exercício de provocação dos professores para que as famílias visitassem pontos turísticos e históricos e depois os pintasse coletivamente.

Fernanda acredita que o trabalho está em consonância com a definição da “ressignificação das partes”, difundida por Walter Benjamin, também autor da frase: “reconhecem nos restos o rosto que o mundo das coisas lhes mostra”. Ao falar sobre o interesse infantil por pedaços, cacos e retalhos, o filósofo e ensaísta alemão trabalhava com a hipótese de que a criança se apodera e estabelece uma relação íntima com o brinquedo ao desmontá-lo. “A tela branca e a aquarela já foram dadas às crianças. É preciso extrair mais, descobrir outros potenciais de criatividade”, diz a professora.

ADULTOCENTRISMO – Na análise de Fernanda, um dos desafios é desconstruir o predomínio da “visão adultocêntrica” e patriarcal de muitos espaços culturais da cidade, que não estão preparados para receber as crianças, seja por obstáculos físicos ou pela linguagem do material.

Outra preocupação dos educadores é com a ocupação dos espaços e, nesse sentido, há um trabalho sistematizado e permanente com o Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes, que acolhe os estudantes para atividades no local que um dia serviu de residência para o primeiro presidente civil da República. Além dos espaços da histórica casa, as crianças foram levadas para a Biblioteca Ricardo Ferraz de Arruda Pinto, Pinacoteca Miguel Dutra, Casa do Povoador, Teatro Erotídes de Campos, Parque da Rua do Porto João Herrmann Neto, Sesc, Praça José Bonifácio, entre outros. A meta é que até o fim do ano sejam percorridos 70 pontos.

A própria Câmara já recepcionou os estudantes da Escola Antônio Boldrin em outros momentos, sempre acompanhada do diretor Peterson Rigato: em maio, na abertura da mostra Arte Bruta, do arquiteto e artista plástico Raul Cunha Jr, e em setembro, quando Fábio Bragança apresentou o Plenário Francisco Antonio Coelho e trouxe detalhes da rotina da Casa de Leis. A direção da escola também trará outras turmas para visitar a exposição aberta nesta segunda-feira.

SERVIÇO – Exposição Lugares das Crianças: Território de Invenções. Visitas até 30 de outubro, de segunda-feira a sexta-feira, das 8h às 17h, exceto feriados, no hall do prédio anexo da Câmara de Vereadores de Piracicaba (rua do Rosário, 833, Centro). Entrada gratuita. Informações: (19) 3403-6612.